Na última segunda-feira (06), o juiz da Primeira Vara Federal de Roraima, Helder Girão Barreto suspendeu a entrada de venezuelanos pela fronteira brasileira com a Venezuela. A medida aplica-se apenas a nacionais do país fronteiriço que desejam ingressar no Brasil, não restringindo a saída de venezuelanos que desejem voltar ao país de origem, nem a brasileiros ou indivíduos de outras nacionalidades.
A medida foi uma tentativa de diminuir o fluxo de venezuelanos que, desde 2015, em virtude da grave crise política e econômica na Venezuela, tem buscado refúgio no Brasil. A ação do juiz pode ser compreendida à luz da ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) contra o decreto estadual 25.681-E, sancionado pela governadora de Roraima no último dia 01. O decreto proíbe a prestação de serviços públicos estaduais a venezuelanos que não tenham passaportes, como uma maneira de desencorajar o fluxo migratório, tendo em vista o fato de que a maioria dos migrantes forçados não dispõem do documento e muitas vezes, até cruzam a fronteira a pé.
Ontem, ainda, a Ministra do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, indeferiu o pedido realizado pelo governo de Roraima, em abril deste ano, para o fechamento temporário da fronteira do Brasil com a Venezuela. De acordo com a Ministra, essa é uma questão de soberania nacional acerca da qual cabe ao Executivo decidir. Além disso, no entanto, chamou atenção para o fato de que tal medida contraria compromissos internacionais assumidos pelo governo brasileiro e a legislação nacional referente a migrações.
Hoje pela manhã, a DPU emitiu decisão suspendendo os efeitos da decisão liminar adotada pelo Juízo da Primeira Vara Federal de Roraima.
A Associação Nacional de Juristas Evangélicos (ANAJURE) e a Frente Parlamentar Mista para Refugiados e Ajuda Humanitária (FPMRAH) pronunciaram-se acerca da questão por meio de uma Nota Pública. Leia abaixo na íntegra:
NOTA PÚBLICA ANAJURE E FPMRAH
A ANAJURE e a FPMRAH, por seus respectivos representantes, vem, por meio do presente expediente, expor ao Governo e à população brasileira, o seu posicionamento referente à proibição de entrada de venezuelanos no Brasil pela fronteira em Roraima.
De antemão, gostaríamos de ressaltar a nossa ciência com relação à crise, vivida pelo estado de Roraima em detrimento do aumento do número de migrantes forçados venezuelanos. Fato iniciado em 2015 e ainda em curso. Entretanto, salientamos a inconstitucionalidade da decisão tomada pelo Juiz Helder Girão Barreto, a qual não contribui para a resolução da crise e tem o potencial de agravá-la ainda mais.
De acordo com artigo 84, inciso VII, da Constituição Federal, compete ao Presidente da República manter relações diplomáticas com governos estrangeiros. Dessa maneira, assim como a Ministra Rosa Weber, sustentamos que o fechamento de fronteiras nacionais e a determinação de quais os estrangeiros que podem entrar ou não no país é uma atribuição clara do poder executivo, uma vez que constitui uma questão de soberania nacional. Logo, cabe ao Presidente em exercício, Michel Temer, decidir acerca dessa fato.
Além disso, a medida também contraria de forma direta uma série de acordos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil. Dentre eles, destacamos a Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951 e seu Protocolo Adicional de 1967, a Declaração de Cartagena de 1984 e a Declaração do Brasil (Cartagena + 30). Acrescenta-se a esses, o Acordo sobre Cooperação Sanitária Fronteiriça, firmado entre o Brasil e a Venezuela, em 1984, por meio do qual, ambos os países comprometem-se a não realizar o fechamento completo das fronteiras. Por fim, a Lei 13.445/2017 que rege os parâmetros de nossa política de migração é clara quanto ao princípio da acolhida humanitária, um direito que tem sido violado pela proibição da entrada de venezuelanos no país.
Ressaltamos que medidas provisórias já foram tomadas pelo governo federal a fim de atender às questões humanitárias emergenciais dos venezuelanos. Dentre elas, destacamos a recomendação do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), que propõe a interiorização dos venezuelanos, o que consiste em realoca-los para outras áreas do território nacional. Essa medida, inclusive, faz coro às propostas defendidas pela ONU para soluções duráveis em situações de migrações forçadas, como no caso da Venezuela. Embora esse seja um processo lento, já tem sido posto em prática. Desse modo, a rapidez de sua execução não pode ser uma condição determinante para a manutenção do fechamento da fronteira, como propôs o juiz Barreto.
Soma-se a isso o fato de que o ato de fechar a fronteira, além de ir contra a tradição diplomática brasileira, também não será capaz de por um fim ao fluxo migratório de venezuelanos. Pelo contrário, tenderá a criar ainda mais problemas, como demonstra a experiência recente dos países europeus diante da crise de refugiados sírios. A fronteira brasileira com a Venezuela em Roraima possui mais de 200 km de extensão, sendo impossível de controlá-la da maneira que estava sendo feita desde ontem. Isso tende apenas a encorajar a atuação de traficantes e contrabandistas de seres humanos, dificultando ainda mais o controle, por parte das autoridades brasileiras, dos migrantes venezuelanos que ingressam em território brasileiro.
Dessa forma, expressamos a nossa concordância com a decisão proferida pelo STF e com decisão emitida pela DPU. Além disso, também pedimos ao governo de Roraima que, apesar das dificuldades, continue a cooperar com o governo federal para o acolhimento humanitário.
Brasília- DF– Brasil, 07 de agosto de 2018.
Deputado Federal Leonardo Quintão
Presidente
Frente Parlamentar Mista para Refugiados e Ajuda Humanitária – (FPMRAH)
Dr. Uziel Santana dos Santos
Presidente
Associação Nacional de Juristas Evangélicos – (ANAJURE)
Secretário
Frente Parlamentar Mista para Refugiados e Ajuda Humanitária – (FPMRAH)