A Assessoria de Imprensa e a Assessoria Jurídica da Associação Nacional de Juristas Evangélicos – ANAJURE, vêm, no uso de suas atribuições, emitir a presente Nota sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5668, que tramita perante o Supremo Tribunal Federal e tem como objeto a discussão referente à prevenção e ao combate ao bullying homofóbico nas escolas brasileiras.
A ADI n. 5668 foi proposta pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) com a finalidade de ver atribuída ao Plano Nacional de Educação (Lei n. 13.005/2014) interpretação conforme a Constituição para que a referida Lei Federal seja aplicada sem discriminações à população LGBT, sendo interpretada de modo a impor às escolas o combate e a prevenção às discriminações por gênero, identidade de gênero e orientação sexual. Após requerer ingresso no feito, a ANAJURE foi admitida na qualidade de amicus curiae.
Inicialmente, é importante frisar que repudiamos toda espécie de discriminação e intolerância. Quanto a isso, a posição reiterada da ANAJURE tem se firmado no sentido da promoção e adoção do princípio geral de não discriminação[1], de modo a se proteger qualquer categoria social de violações aos direitos fundamentais.
Na solicitação de ingresso na ADI 5668, além da exposição de alguns pontos referentes à consagração do princípio geral de não discriminação, também fizemos referência aos impactos sobre a objeção de consciência e a liberdade religiosa, o direito dos pais de condução da educação moral, e as repercussões sobre as instituições de ensino confessional.
A princípio, vale ressaltar que o Plano Nacional de Educação (PNE) trouxe como diretriz, no art. 2º, inciso III, a erradicação de todas as formas de discriminação, consagrando, assim, um princípio geral de não discriminação. A fórmula consta não somente na referida legislação, sendo também utilizada em outros diplomas, como a Lei n. 9. 394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB) e a Lei n. 13.185/2015, responsável por instituir o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying), as quais preveem princípios como o respeito à liberdade, à tolerância e ao bem comum, a promoção da cultura de paz nas escolas; a prevenção e o combate da prática da intimidação sistemática em toda a sociedade, dentre outros.
Não há, desse modo, uma condescendência, por parte do legislador, diante de práticas de bullying, optando-se, no entanto, por princípios gerais de não discriminação para o combate de tais condutas, o que afasta as alegações de proteção insuficiente, bem como de inconstitucionalidade do PNE. Por tais razões, entendemos que os argumentos do Requerente não merecem prosperar.
Ainda assim, para o caso de avanço da pauta no âmbito do Supremo, tecemos algumas considerações complementares.
Primeiro, importa destacar que muitas iniciativas que se apresentam como voltadas ao combate e à prevenção do bullying homofóbico, na verdade, comumente se transformam em mecanismos de promoção das teorias de gênero. O Caderno “Escola sem Homofobia”[2] é um exemplo paradigmático disso. Nele, as diferenças existentes entre homens e mulheres eram associadas a construções sociais e estereótipos ensinados pela sociedade. Num dos trechos do documento, apresentava-se como mecanismo metodológico a busca por “(…) desocultar a ordem que coloca a heterossexualidade como natural, normal e única possibilidade de os sujeitos viverem suas sexualidades, por meio de dinâmicas de trabalho com as quais se pretende subsidiar práticas pedagógicas que favoreçam a reflexão e incentivem mudanças”[3]. Na própria petição do Demandante, essa espécie de intuito fica evidente. Em certo trecho, o Autor afirma que “(…) se ações que envolvem questões de gênero forem proibidas, a própria lei [Lei n. 13.185/2015] não poderá ser aplicada para combater a discriminação contra pessoas LGBTI”[4].
Isso ocorre porque, na perspectiva dos grupos LGBT, não existe a possibilidade de se combater a homofobia, no âmbito escolar ou em qualquer outro, sem que se parta de pressupostos que legitimam as noções introduzidas pelo feminismo e desenvolvidas pelas teorias de gênero acerca do viés social existente na atribuição de diferentes características às mulheres e aos homens.
Nesse ponto, alguns problemas surgem, visto que as concepções das teorias de gênero não são compartilhadas por parcela considerável da população brasileira. As objeções dizem respeito às incongruências da própria teoria que, por exemplo, atribui às noções tradicionais de masculinidade e feminilidade o caráter de mera construção social. Falha, no entanto, em afastar de si mesma o caráter de construção social fruto da pós-modernidade, conforme já exposto em posicionamentos anteriores da ANAJURE[5]. Ademais, ao elevar a autonomia à posição de dogma supremo, desconsidera elementos que fazem parte da constituição humana, como os aspectos biológicos. A isso, some-se ainda as diversas vertentes religiosas que possuem objeções no tocante à homossexualidade, as quais contam com número significativo de adeptos residentes no território brasileiro. Não obstante, devemos salientar que adotar a teoria queer ou teses semelhantes não é requisito necessário para que se ensine a tolerância a ser outorgada aos demais indivíduos. Os cristãos, por exemplo, extraem da imago Dei gravada em cada indivíduo um senso profundo de respeito ao próximo. Logo, não há oposição ao ensino da tolerância e do respeito nas escolas, mas à imposição de pressupostos que ofendam as convicções religiosas de quantidade significativa de brasileiros.
Nesse sentido, expusemos em nossa petição a necessidade de que o STF considere, na análise a ser fixada por meio da ADI 5668, o exercício da liberdade religiosa de alunos e professores, os quais, certamente, devem respeitar todo e qualquer estudante, mas não podem ser obrigados a adotar os preceitos das teorias de gênero em atividades, provas ou dinâmicas escolares. De igual modo, deve se assegurar aos pais a prioridade na condução da educação moral, nos termos do disposto no art. 26, item 3, da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Nesse contexto, não se pode perder de vista, também, o trabalho desenvolvido pelas instituições de ensino confessionais, as quais geralmente possuem uma perspectiva ideológica específica e não podem ser obrigadas à adoção de preceitos que conflitem com seus princípios, o que não significa, todavia, eximi-las de tomar providências em casos de identificação de posturas intimidatórias e agressivas envolvendo alunos e professores.
Pelo exposto, considerada a importância dos argumentos apresentados, especialmente em virtude da correlação com direitos fundamentais como a liberdade de consciência e de crença, a ANAJURE comunica que está trabalhado para que haja pedido de vista e, assim, a Corte tenha a oportunidade de melhor discutir o assunto, considerando a inclusão do feito em pauta para julgamento no dia 11 de novembro de 2020.
Brasília-DF, 03 de novembro de 2020.
Assessoria de Imprensa e
Assessoria Jurídica da ANAJURE
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[1] https://www.anajure.org.br/wp-content/uploads/2015/06/Parecer.PNE_.PEE_.PME_.Final-2.pdf; https://www.anajure.org.br/wp-content/uploads/2015/09/NotaP%A3blica-CNE.pdf.
[2] Disponível em: https://nova-escola-producao.s3.amazonaws.com/bGjtqbyAxV88KSj5FGExAhHNjzPvYs2V8ZuQd3TMGj2hHeySJ6cuAr5ggvfw/escola-sem-homofobia-mec.pdf. Acesso em: 07 set. 2020.
[3] P. 12, Caderno “Escola sem Homofobia”.
[4] P. 30, Inicial.
[5] https://anajure.org.br/anajure-lanca-nota-publica-sobre-parecer-da-agu-acerca-da-ideologia-de-genero-nas-leis-estaduais-e-municipais/