A (Menor)Idade Penal (Parte II)

MIP

Queremos Pedro II, ainda que não tenha idade. A nação dispensa a lei. Viva a maioridade!
(Campanha da maioridade – panfleto de 1840)

 

Ora, mas o que tem a ver tal episódio da vida social e política brasileira de tempos antanhos com o grande debate que se inicia agora em torno da redução da maioridade penal?
[A (menor)Idade Penal I – Correio de Sergipe – 04-maio-2007]

 
CLICK AQUI e Leia a Parte I 
 

Na semana passada, afirmamos, analogamente, que, assim como ocorreu no momento Imperial do Brasil, onde se “vendeu” a falsa idéia de que, com a redução da maioridade e a conseqüente assunção do imperador D. Pedro II, os problemas enfrentados pela forma de governo da nação seriam prontamente resolvidos (e, como vimos, não o foram!), assim pode se dar no que diz respeito à pretensão de se reduzir a maioridade penal – dos 18 para os 16 anos de idade – como política pública de contenção da criminalidade e da violência.

No ensaio de hoje, ainda na busca de fundamentos para uma consciente tomada de posição sobre a temática, pois, tal como na “campanha imperial da redução da maioridade” não queremos nos deixar alienar pelo discurso oficial, nem para dizer “sim”, nem para dizer “não” à redução, procederemos à análise de dois pontos que reputamos fundamentais para a formação da nossa consciência, quais sejam: 1) em primeiro lugar, o modo como o nosso sistema jurídico atual disciplina a questão e os fundamentos principiológicos de tal delineamento; 2) em segundo lugar, precisamos compreender as razões sócio-político-cultural-econômicas que ensejaram a retomada de tal discussão no Senado Federal. Vejamos, então.

O sistema jurídico brasileiro disciplina a questão da chamada imputabilidade penal – isto é, a possibilidade de atribuir a um indivíduo a responsabilidade por uma infração criminal ou contravencional – primeiramente, na Constituição Federal (1988). Di-no o art. 228 da Magna Carta que: “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”. Seguindo tal diretriz principiológica da Constituição, o Código Penal (1940), no seu art. 27, preceitua que: “Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.”. Por fim, no mesmo sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA-1990) – que se constitui na referida “legislação especial” – preceitua, no art. 104, que: “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei”.

Para a fixação desta (menor)idade penal nos 18 anos, o critério de política criminal adotado foi o biológico. Ou seja, entendeu o legislador, até então, que: há presunção absoluta de falta de discernimento do menor de 18 anos, quando do cometimento da prática de uma ação ou omissão que o sistema jurídico tipifica como crime ou contravenção. Mais simplesmente e dando um exemplo recente: para o “Direito” de hoje, o menor de 18 anos que cometeu os dois homicídios em *Monte Alegre-SE não tem o devido discernimento do que estava fazendo e por isso não se pode “imputar” a ele o cometimento de um crime. Ele cometeu o que na linguagem do ECA seria um “ato infracional” e, em assim sendo, não deve ser preso e cumprir a sua pena em um estabelecimento prisional. Ao contrário, deve ser aplicado a ele uma das medidas sócio-educativas do art. 112 do Estatuto (advertência, prestação de serviços à comunidade, por exemplo), sendo que a máxima, dessas, é a internação em estabelecimento educacional (as famosas FEBEM – Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor). E no caso de adoção desta medida mais severa, a internação terá um tempo máximo de 3 anos (é o que diz o art. 121, §3º), não importando para tanto a gravidade do fato.

É exatamente isto que o sistema jurídico vigente determina: os menores estão inteira e irrestritamente fora da égide do Direito Penal, de modo que estão sujeitos apenas à pedagogia corretiva da legislação especial, porque são pessoas ainda em formação e não tem o devido discernimento do que é cometer um crime/contravenção ou não (muito embora, a contrário senso, o mesmo sistema jurídico assente a possibilidade de um adolescente de 16 anos discernir, votando, qual o melhor governante para a sua cidade, estado e país – art. 14, §1º, inciso II, c, da Constituição).

Ao ler isso, a grande pergunta que nos vem a mente é: será que é assim mesmo? Numa sociedade globalizada como a nossa, que vive um avassalador processo de conhecimento do mundo, do que nele há e dos que nele habitam, onde a juventude atual tem amplo e irrestrito acesso a todo e qualquer tipo de informação, seja via internet, seja via televisão ou outros meios de comunicação e interação, será que os nossos jovens não sabem discernir o que é certo ou errado, o que é bem ou mal, o que é legal ou ilegal, crime ou não? Será que o menor de Monte Alegre-SE não tinha discernimento do que estava a fazer? Não é à-toa que as estatísticas apontam que a grande maioria dos crimes cometidos hoje na nossa sociedade envolvem adolescentes. Falar nas causas para isso é falar de coisas mais profundas e complexas, mas dizer que lhes falta discernimento – e esse é o critério – não é ir de encontro aos fatos sociais e ao ser “global” em que se tornaram os nossos jovens? São exatamente estas razões de ordem social, política, econômica, cultural da nossa sociedade que ensejaram a formação da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) e a conseqüente retomada da discussão da redução da maioridade penal no Senado Federal e na sociedade como um todo.

Na próxima semana, continuaremos a nossa análise apresentando o que outras nações – ocidentais/orientais – estabeleceram nos seus sistemas jurídicos, quanto à imputabilidade penal e, a partir de uma pequena amostra investigativa, o que a sociedade sergipana pensa sobre o tema. Ao final nos posicionaremos.

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* Bárbaro crime cometido por um adolescente na cidade de Monte Alegre, interior de Sergipe, em 28 de abril de 2007, onde depois de um assalto frustrado a uma farmácia local, duas adolescentes, feitas reféns por ele, foram covardemente assassinadas.

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Artigo publicado em maio de 2007 na Coluna semanal do Dr. Uziel Santana no Jornal Correio de Sergipe.
Este artigo também foi publicado na obra Um Cristão do Direito num País Torto disponível na Editora da VINACC.

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