A vida para alguns refugiados nos abrigos da Alemanha ainda é “insuportável”

Mahan.gettyimages

[FOTO: Mahan, 2 anos, refugiado cristão iraniano, que, junto com seus pais está a procura de abrigo na Alemanha, espia por trás de uma divisão de vidro na sala de jantar do centro de refugiados Spreehotel em janeiro de 2015, em Bautzen, Alemanha. Cerca de 200 refugiados, muitos da Síria e Tunísia, mas também da Chechênia, Bálcãs, Irã, Rússia e de outros lugares, moravam no centro nesta época].


Um grupo de ONGs alemãs, liderada pela Open Doors Alemanha, está pedindo ao governo federal de Angela Merkel e aos governos estaduais para acabar com o “experimento de integração”, que mescla refugiados cristãos e muçulmanos nos centros para refugiados, justificando que a situação para os cristãos e outras minorias religiosas ainda é insuportável em tais centros.

“Nós temos subestimado o papel da religião” disse o Ministro do Interior alemão, Thomas de Maizière, na ‘Future Conference on Integration and Migration’ em setembro, relembrando acontecimentos recentes no seu país. Ao contrário da crença bem difundida na Alemanha, disse ele, a importância da religião e da fé não diminuiu ao redor do mundo.

Em setembro de 2015, a chanceler alemã Ângela Merkel declarou que qualquer sírio que conseguisse chegar a Alemanha poderia pedir abrigo lá, parcialmente baseando sua oferta nos princípios bíblicos de acolher estrangeiros e necessitados. Esta oferta sabotou a Convenção de Dublin de 1990, que diz que refugiados têm de pedir abrigo ao primeiro país da União Europeia a que eles chegarem. Isto, diz Merkel, estava pondo um fardo muito grande em países como Malta, Itália e Grécia. Assim, ela rapidamente impeliu outros membros da União Europeia a entrarem em um sistema de cotas, por meio do qual eles também teriam de readequar sua parcela de abrigo para refugiados.

O gesto humanitário de Merkel resultou em um influxo para a Alemanha de talvez um milhão de pessoas desde seu comentário. Em março de 2016, o chefe do departamento de migração da Alemanha admitiu que até 400 mil pessoas não haviam se candidatado para abrigos. Centenas de milhares têm vivido em abrigos temporários. E os problemas de liberdade de religião e crença em países como Irã ou Afeganistão ou Paquistão parecem ter sido transportados para estes abrigos lotados.

“Eu nunca esperei que uma coisa dessas acontecesse na Alemanha”

Muitas dessas pessoas chegando à Europa são refugiadas ou requerentes de abrigo: algumas fugiram para a Alemanha de países islâmicos por causa da perseguição e discriminação que enfrentavam em casa. Agora, as de minorias religiosas, como cristãos ou yazidis, podem experimentar o mesmo tipo de pressão nos campos de refugiados na Alemanha.

Por exemplo, um refugiado cristão chegado recentemente foi confrontado com estas palavras escritas na parede do seu abrigo: “O tempo de cortar a cabeça de todos os incrédulos chegou!”

Ele descreveu o seu horror: “Eu fiquei chocado! No Irã isto poderia acontecer, mas eu nunca esperei que uma coisa dessas acontecesse na Alemanha. Isto acabou com minha confiança.”

O grupo unindo Open Doors Alemanha, Ação em favor dos Cristãos e Necessitados, Conselho Central dos Cristãos Orientais na Alemanha e a Sociedade Missionária Europeia publicaram o relatório “Falta de proteção para minorias religiosas na Alemanha” (leia no link), que resume os achados de uma pesquisa feita entre os requerentes de abrigo, procurando dar evidência aos relatos de intimidação sofridas pelos refugiados.

Apesar das advertências anteriores de que os refugiados de minorias religiosas estavam sendo surrados e ameaçados de morte, nada tem sido feito de forma sistemática para dar-lhes melhor proteção, de acordo com os achados deste relatório.

Neste último levantamento dos centros de refugiados e de asilo alemães, entrevistas com centenas de refugiados foram realizadas em todo o país entre maio e setembro. Durante este período, 512 ataques a cristãos refugiados e 10 a refugiados yazidi foram documentados. Os quinhentos e doze cristãos relataram tanto ocorrências de discriminação, ou ameaças de morte, ou ataques violentos experimentados por causa de sua fé.

Este segundo levantamento segue o de 231 casos notificados em destaque no relatório que as quatro ONGs publicaram em maio. O relatório diz que os ataques de motivação religiosa eram “apenas a ponta do iceberg”.

A ONG fez o seu primeiro levantamento depois que abusos de motivação religiosa e ataques violentos de refugiados muçulmanos e funcionários de segurança foram relatado informalmente no início de 2016.

Fatos e números– falta de proteção para minorias religiosas

Respondendo às preocupações de que o primeiro levantamento só relatou casos de Berlim e Brandenburgo, o segundo levantamento entrevistou refugiados cristãos adicionais (bem como os yazidis) de todo o território nacional, menos de um estado.

Mais de 300 dos refugiados vieram do Irã, 273 da Síria, 63 do Afeganistão, 35 do Iraque e 9 da Eritreia. 22 eram de outros países; e outros 47 não especificaram o seu país de origem.

Juntos, os levantamentos mostram 743 cristãos refugiados afetados. Deste número, 617 (83%) relataram múltiplos atentados; 314 (42%) ameaças de morte; 416 (56%) atentados de violência e 44 (6%) assédios sexuais.

91% (674) dos que responderam ao levantamento disseram que os ataques eram cometidos por companheiros refugiados muçulmanos, 28% (205) acusaram os guardas muçulmanos e 34% (254) culparam “outras instâncias” (muitos dos ataques foram cometidos por mais de uma pessoa). Se falhassem em assistir às vítimas, guardas, gestores dos campos e autoridades locais poderiam ser culpados de terem contribuído passivamente para estes ataques.

Os depoimentos dos refugiados claramente mostram, diz o relatório, que os ataques são de motivação religiosa, e que os perpetrantes são motivados por um sistema de valor que internalizaram no seu país de origem e que consideram ser de “autoridade divina”. As ONGs concluíram que tais ataques às minorias refugiadas em abrigos ocorrem por toda a Alemanha.

Entretanto, após a primeira pesquisa ser publicada, os comentadores da Igreja Alemã observaram: “Deixar o Islã e converter-se ao Cristianismo, mas também, por exemplo, a fé Baha’i [é apostasia], ainda passível de punição com morte no mundo islâmico, apesar de geralmente ser uma morte “social” ao invés de uma morte literal. Já que isto é verdade para muitas famílias muçulmanas que vivem no ocidente, seria muito improvável que este problema não acontecesse nos campos de refugiados.”

O relatório das ONGs também cita ocorrências ao redor da União Europeia

Um departamento governamental alemão respondeu uma questão feita pela Open Doors Alemanha: “É esperado de todos os que requerem abrigo viver pacificamente independente da sua religião… A liberdade de religião protegida constitucionalmente, que é um bem altamente valioso, é direito de toda pessoa”.

Apesar disso, as ONGs advertem que refugiados que pertencem a minorias religiosas geralmente não experimentam esta liberdade, já que lhes falta a oportunidade de confessar sua fé livremente nas casas de refugiados, as vezes sofrendo violência e ameaça se assim procedem.

Leia mais: ocorrências em outros estados da EU

Autoridades e gestores dos campos estabelecem segurança para os refugiados

No entanto, existe o relato de um projeto na Alemanha que é o “farol”, dando um exemplo positivo de “boa prática”.

Em uma instalação inicial para refugiados, 32 cristãos queriam reportar os ataques e ameaças de morte feitas contra eles, depois de autoridades regionais e  gerentes das instalações estabelecerem um ambiente seguro. Ainda depois de outra ocorrência envolvendo a polícia, os refugiados cristãos foram removidos para uma acomodação separada. Além disso, os funcionários da segurança e intérpretes, que tinham uma fé cristã, ficaram encarregados por eles.

O relatório das ONGs convoca o governo e outras agências responsáveis a assegurarem a proteção eficaz de refugiados cristão e outras minorias religiosas.

Eles expõem as seguintes recomendações para o governo de Merkel a fim de proteger os refugiados durante todo o processo de busca por abrigo e integração:

1. Fornecimento de acomodação separada para cristãos e outras minorias religiosas que já tenham sido vítimas de perseguição e discriminação. Isto deve incluir a possibilidade de descentralizar a acomodação. As autoridades devem abster-se de bloquear categoricamente a acomodação descentralizada, principalmente se tais alojamentos estiverem disponíveis para os cristãos afetados.

2. Aumentar adequadamente a porcentagem dos agentes de segurança não-muçulmanos.

3. Fornecimento de treinamento periódico para sensibilizar colegas de trabalho e agentes de segurança designados para os abrigos de refugiados pelas razões por trás dos conflitos religiosos e pela proteção das minorias religiosas.

4. Designação de pessoas de confiança que tenham elas próprias convicções cristãs, a quem os cristãos possam procurar quando afetados por perseguição.

Aviso de “instrumentalização” da pesquisa

“Esta nova e estendida pesquisa fornece uma base sólida para que políticos e líderes religiosos eventualmente introduzam medidas de segurança urgentes, a fim de se adequar aos direitos humanos, e estabelecer normas de alojamento e procedimentos padrão das diretivas da UE em matéria de acolhimento dos requerentes de asilo, incluindo as minorias religiosas” disse o relatório das ONGs.

Ao mesmo tempo, eles advertiram contra a utilização dos resultados como munição política no clima político aquecido da Alemanha.

“Qualquer um que mal utilizar os achados desta pesquisa para fins políticos ou seu / sua própria proeminência, qualquer um que tentar interpretar a pesquisa como uma denúncia geral contra muçulmanos, estará agindo, política e socialmente, de forma irresponsável,” disse Markus Rode, Chefe executivo da Portas Abertas Alemanha. “Nossa história (alemã) nos ensina a nunca mais ignorar a opressão e a discriminação de minorias em favor de perpetrantes. Portanto, nós apelamos para a chanceler alemã para, pessoalmente, se engajar nesta questão ao invés de deixá-la nas mãos dos estados federais”.

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Fonte: World Watch Monitor
Tradução: Andressa Toscano l ANAJURE

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