ANAJURE lança NOTA PÚBLICA a respeito da Medida Provisória n. 870

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O Conselho Diretivo Nacional da Associação Nacional de Juristas Evangélicos – ANAJURE no uso de suas atribuições estatutárias e regimentais, vem, através do presente expediente, expor, aos órgãos e entidades públicas e à sociedade brasileira, sua posição institucional acerca da Medida Provisória nº 870/2019, que será votada nos próximos dias pelo Plenário da Câmara dos Deputados.
 
1. INTRODUÇÃO
A Medida Provisória nº 870, de 1 de Janeiro de 2019, trouxe mudanças na organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios. No último dia 09 de maio, a MPV foi aprovada no Senado Federal, com emendas e alterações, pela Comissão Mista formada para analisar a proposta[1]. O texto segue agora para votação nos plenários da Câmara e do Senado e ainda pode ser modificado.
Alguns pontos da Medida Provisória merecem destaque, pela sua relevância à proteção dos direitos humanos e combate à corrupção. Primeiramente, a situação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que, desde sua criação, compunha o Ministério da Economia, mas, após a edição da MPV 870, passou a compor o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Na deliberação da Comissão Mista, optou-se, no entanto, pelo retorno do Conselho à pasta econômica.
Realçamos, também, as restrições impostas aos auditores fiscais, incluídas pelo senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE). Em síntese, o trecho acrescido limita a atuação desses profissionais a crimes tributários, proibindo que indícios de crimes não tributários encontrados pelos auditores, como o crime de corrupção, por exemplo, sejam compartilhados com outras autoridades sem autorização judicial[2].
Ademais, destacamos a mudança referente à FUNAI. Inicialmente, a MPV transferia o órgão para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. A Comissão Mista, no entanto, deliberou pela colocação da FUNAI junto ao Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Em cumprimento à missão institucional da ANAJURE, nomeadamente a defesa das Liberdades Civis Fundamentais, o Conselho Diretivo Nacional da organização se posiciona conforme segue quanto às alterações acima mencionadas.
 
2. DISPOSIÇÃO DO COAF NA ESTRUTURA DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) foi criado pela Lei nº 9.613/1998, que dispõe sobre os crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores e sobre a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos na referida legislação. Foi instituído com o fim de disciplinar, aplicar pena administrativas, receber, examinar e identificar as ocorrências de atividades ilícitas (art. 14, Lei nº 9.613/1998). É atribuição do Coaf, por exemplo, coordenar e propor mecanismos de cooperação e de troca de informações que viabilizem ações rápidas e eficientes no combate à ocultação ou dissimulação de bens, direitos e valores (art. 14, § 2º, Lei nº 9.613/1998).
No cumprimento de suas atribuições, o Coaf tem sido importante colaborador de investigações como a Lava Jato. Nos últimos 20 anos, produziu cerca de 39 mil relatórios de inteligência financeira, com datas, valores, origem e destino das operações bancárias. Muitos desses relatórios embasaram grandes operações envolvendo movimentações financeiras de diferentes políticos. A exemplo disso, menciona-se que, na CPI da Petrobras, o COAF identificou movimentações atípicas de investigados na Lava Jato de mais de R$ 51 bilhões[3].
A atividade desenvolvida pelo Coaf, voltada para o combate da corrupção e da lavagem de dinheiro, é potencializada pela sua integração com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, uma vez que, nesses moldes, há comunicação direta com os órgãos responsáveis pela investigação desses delitos.
Ademais, vale destacar os esforços do Ministro responsável pela pasta, Dr. Sérgio Moro, no sentido de fortalecer a atuação do Conselho, o que se exemplifica por meio da meta anunciada de dobrar o número de servidores a disponibilidade do Coaf, que possui 37 funcionários e, até o final do ano, passará a contar com 65 pessoas[4].
Perante a relevância do serviço prestado pelo Coaf no combate à corrupção, diante do processo de fortalecimento da instituição, e considerando, ainda, a pertinência temática incontestável de sua expertise com o ministério da Justiça e Segurança Pública, pugnamos pela permanência do Conselho na estrutura do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
 
3. LIMITAÇÕES IMPOSTAS AOS AUDITORES FISCAIS
O Senador Fernando Bezerra Coelho, na Comissão Mista, inseriu dispositivo que propõe alteração na Lei 10.593/2002, que dispõe sobre a organização das Carreiras de Auditor da Receita Federal, Auditor-Fiscal da Previdência Social e Auditor-Fiscal do Trabalho.
A modificação consiste (1) na limitação da competência do Auditor-Fiscal da Receita, em matéria criminal, à investigação dos crimes contra a ordem tributária ou relacionados ao controle aduaneiro e (2) na impossibilidade de compartilhar os indícios desses crimes com órgãos ou autoridades a quem seja vedado o acesso direto às informações bancárias e fiscais do sujeito passivo, exceto se houver ordem judicial em permissão a tal compartilhamento.
Com a devida vênia aos que entendem que a limitação prima pelo equilíbrio de Poderes e direito ao sigilo, deve-se compreender que está incluída na própria natureza e finalidade da atuação da Receita Federal a identificação de crimes de outra natureza, que visa, em última instância, o equilíbrio financeiro dos entes federativos. Logo, ao compartilhar informações com outras autoridades, a exemplo da autoridade policial, a Receita Federal está no pleno cumprimento de suas atribuições. Esse compartilhamento é, inclusive, assegurado pelo Código Tributário Nacional, que assim dispõe:
 

Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades.
§1º Excetuam-se do disposto neste artigo, além dos casos previstos no art. 199, os seguintes:
I – requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça;
II – solicitações de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa.
§2º O intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da Administração Pública, será realizado mediante processo regularmente instaurado, e a entrega será feita pessoalmente à autoridade solicitante, mediante recibo, que formalize a transferência e assegure a preservação do sigilo.

 
A exigência de determinação judicial constitui um entrave desnecessário e prejudica a celeridade das investigações dos crimes em comento, não trazendo modificação relevante no tocante ao sigilo, visto que, como bem estabelece o CTN, tais informações já estão sujeitas ao devido sigilo, havendo compartilhamento unicamente entre autoridades interessadas na persecução da justiça e mediante procedimentos formais, como a instauração de processo administrativo.
Fortalecendo a compreensão que preserva a autonomia da Receita Federal no intercâmbio dessas informações, há entendimento da 1ª Turma do STF[5] que autoriza o fornecimento de informações sobre movimentações financeiras diretamente ao Fisco, sem autorização judicial:
 

DIREITO PENAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ART. 6º DA LEI COMPLEMENTAR Nº 105/2001. CONSTITUCIONALIDADE. UTILIZAÇÃO DE DADOS OBTIDOS   PELA   RECEITA   FEDERAL   PARA   INSTRUÇÃO PENAL. POSSIBILIDADE.
I. O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o RE 601.314, Rel. Min. Edson Fachin, após reconhecer a repercussão geral da matéria, assentou a constitucionalidade do art. 6º da Lei Complementar nº 105/2001, que autoriza o fornecimento de informações sobre movimentações financeiras diretamente ao Fisco, sem autorização judicial. 2. O acórdão   recorrido   entendeu   que   os   dados   obtidos   pela   Receita   Federal mediante requisição direta às instituições bancárias não poderiam ser utilizados no processo penal. Entendimento que contraria a orientação majoritária da Corte, no sentido de que   é possível a utilização das informações obtidas pelo fisco, por   meio   de   regular   procedimento   administrativo   fiscal, para   fins   de instrução processual penal. Precedentes. 3. Agravo interno a que se nega provimento

 
A matéria ainda será submetida à análise da Corte em razão do reconhecimento de repercussão geral no RE 1.055.941, que aprecia a possibilidade de compartilhamento de informações com o Ministério Público. De todo modo, até que haja um pronunciamento definitivo, o entendimento prevalente é o exposto acima.
Acrescentem-se, ainda, algumas observações acerca da importância da atuação da Receita Federal no combate à lavagem de ativos e evasão de divisas. A respeito disso, o Ministério Público Federal, em Nota Técnica, destacou a função exercida pelo Ministério da Fazenda (agora, Ministério da Economia) no tocante à fiscalização e controle sobre o comércio exterior, ressaltando que é comum a utilização de contratos de exportação e importação justamente para o cometimento de tais crimes. Desse modo, inevitavelmente, a fiscalização desse tipo de contrato conduz à investigação da movimentação de recursos que podem constituir lavagem de dinheiro. O MPF também destaca a dificuldade de dissociar crimes não fiscais de possíveis repercussões fiscais, visto que “mesmo que o crime não seja propriamente fiscal, a obtenção de vantagem dele oriunda gera reflexos fiscais”[6].
Feitas tais considerações, o Conselho Diretivo Nacional da ANAJURE se posiciona contrariamente à limitação do trabalho de auditores fiscais da Receita sobre os crimes de natureza fiscal.
 
4. DISPOSIÇÃO DA FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO (FUNAI) NO MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANOS
Por fim, em votação em separado, foi decidido que a Fundação Nacional do Índio (Funai) ficará sob responsabilidade do Ministério da Justiça e Segurança Pública, e não do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Ocorre que as competências e expertise da Funai apresentam maior pertinência temática à Pasta responsável pela proteção dos Direitos Humanos, que engloba o desenvolvimento de ações para outros grupos vulneráveis, como mulheres, crianças, idosos, pessoas com deficiência, minorias étnicas e sociais, dentre outros.
Nesse sentido, o Conselho Diretivo Nacional da ANAJURE se posiciona contrariamente à reorganização da FUNAI junto ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, pugnando pela sua permanência na estrutura do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
 
5. CONCLUSÃO
Ante o exposto, a ANAJURE (i) reafirma o seu compromisso em prol do combate à corrupção, defendendo, assim, a manutenção do Coaf no Ministério da Justiça e Segurança Pública; (ii) posiciona-se contrariamente às limitações do trabalho dos auditores fiscais da Receita Federal aos crimes de natureza fiscal e do compartilhamento de informações relativas a ilícitos penais com autoridades públicas; e (iii) sustenta a necessidade de manutenção da FUNAI junto ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.
Esta Nota, além de divulgada nas mídias socais da ANAJURE, será devidamente protocolada na Câmara dos Deputados e Senado Federal, junto aos Parlamentares com os quais a ANAJURE tem mantido cooperação.
 
Brasília, 22 de maio de 2019
 
Dr. Uziel Santana
Presidente do Conselho Diretivo Nacional da ANAJURE
 


[1] Senado Federal – https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/05/09/com-funai-no-ministerio-da-justica-e-coaf-na-economia-mp-870-e-aprovada-em-comissao-mista
[2] CONJUR – https://www.conjur.com.br/2019-mai-08/parecer-altera-mp-8702019-limita-investigacao-receita
[3] Portal de Notícias G1 – https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2018/12/10/coaf-e-colaborador-importante-da-lava-jato-e-de-outras-investigacoes.ghtml
[4] Portal de Notícias UOL – https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2019/04/27/coaf-foi-fortalecido-com-ida-para-a-justica-diz-moro.htm
[5] Supremo Tribunal Federal, RE 1.057.667.
[6] Nota Técnica PGR/2ª CCR Nº 10/2019:  http://unafisconacional.org.br/UserFiles/2019/File/Nota_Tecnica_10_2_CCR_MPV_870_2019.pdf

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