
Nota de Repúdio
Nota de repúdio conjunta sobre a ADPF 442
Repúdio de entidades evangélicas e frentes parlamentares à convocação de sessão virtual extraordinária, solicitada pelo Ministro Barroso (às vésperas da sua aposentadoria), para dar continuidade ao julgamento da ADPF 442 (descriminalização do aborto), alegando "manobra regimental" para garantir voto individual e criticando o ativismo judicial em tema de competência do Legislativo.
A Associação Nacional de Juristas Evangélicos (ANAJURE), a Frente Parlamentar Mista Contra o Aborto e em Defesa da Vida, a Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional e a Frente Parlamentar Evangélica do Senado Federal, vêm, através da presente Nota, manifestar seu profundo repúdio à convocação de sessão virtual extraordinária para a continuação do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 442 (ADPF 442).
A referida solicitação foi apresentada pelo Ministro Luís Roberto Barroso em 17 de outubro de 2025, fundamentada em "excepcional urgência" decorrente de sua aposentadoria, com efeitos a partir de 18 de outubro de 2025.
Tal manobra regimental repete o lamentável modus operandi adotado em setembro de 2023 pela então Ministra Rosa Weber, que viabilizou seu voto antes da aposentadoria através do uso da sessão virtual e do descumprimento dos prazos regimentais. O argumento de "excepcional urgência" agora apresentado pelo Ministro Barroso carece de qualquer fundamento, visto que o próprio Ministro solicitou destaque em 2023, retirando o caso do plenário e mantendo-o em seu gabinete por mais de dois anos, sem qualquer avanço. A urgência surge apenas horas antes de sua aposentadoria, revelando uma tentativa de pautar o tema de forma precária por conveniência pessoal.
O recurso a sessões virtuais extraordinárias, somado ao descumprimento do regimento interno, é uma prática inaceitável em uma matéria de imensurável importância, que altera a própria concepção de vida humana juridicamente relevante no ordenamento jurídico brasileiro. Tais manobras, que visam apenas garantir votos individuais às vésperas da aposentadoria, suprimem o debate democrático, esvaziam a participação da sociedade civil e ferem o princípio da transparência. Elas constituem um escandaloso episódio de articulação política interna do órgão julgador, priorizando interesses de ministros individuais em detrimento do rito adequado a matéria tão grave quanto a vida humana; tudo isto para realizar os anseios de agentes políticos que buscam autoafirmação pública enquanto fogem à responsabilização democrática através de votos proferidos no apagar das luzes de seu mandato.
O uso de sessões virtuais extraordinárias e o descumprimento do regimento interno para viabilizar votos de forma indevida às vésperas da aposentadoria para tratar de uma matéria que altera profundamente o ordenamento jurídico é absolutamente inadequado. Esse método suprime o debate democrático, esvazia a participação da sociedade civil e é contrário à transparência. Configura uma articulação política interna do órgão julgador, que busca a fuga da responsabilização democrática, tratando a vida do nascituro como objeto de autoexpressão de ministros.
Além das graves falhas procedimentais, reiteramos que o debate sobre a descriminalização do aborto é de competência do Poder Legislativo. Não cabe ao Supremo Tribunal Federal atuar como "legislador positivo", usurpando a função que a Constituição (Art. 2º) reserva ao parlamento, tampouco promovendo reinterpretações absurdas do texto constitucional 37 anos após a sua promulgação. Tampouco se pode afirmar ser este um caso de omissão legislativa, visto que o tema tem sido exaustivamente debatido no Congresso Nacional através de diversos projetos de lei. O fato de a lei não ter sido alterada reflete a vontade popular, que é representada pelos parlamentares. O ativismo judicial que publicamente se desenha é a violação ao princípio constitucional da separação dos poderes pelo mesmo órgão que é incumbido da guarda da Constituição.
Reafirmamos que a Constituição da República é clara ao declarar a inviolabilidade do direito à vida (Art. 5º, caput), que constitui o pressuposto para o exercício de todos os demais direitos. O ordenamento jurídico pátrio, notadamente pela Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), que goza de status supralegal, é inequívoco ao proteger a vida "em geral, desde o momento da concepção" (Art. 4.1). De igual modo, a ciência biológica tem consistentemente demonstrado que a vida se inicia na fecundação. Assim, é irretocável o presente ordenamento jurídico, que reconhece o nascituro, vida biológica humana plena em seu processo de natural desenvolvimento, como titular de dignidade e de direitos fundamentais a serem protegidos e tutelados pelo Estado Brasileiro.
Diante do exposto, as entidades signatárias repudiam a manobra em andamento e conclamam a Presidência do STF a indeferir o pedido de sessão virtual extraordinária em face da ausência de urgência que a justifique. Requeremos que uma matéria de tamanha envergadura seja debatida com a seriedade, a transparência e o respeito ao devido processo legal que ela exige, o que somente pode ser assegurado em sessão presencial do Plenário, garantindo a plena participação da sociedade e o respeito às competências do Poder Legislativo.
Brasília, 17 de outubro de 2025.
