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O Conselho Diretivo Nacional da Associação Nacional de Juristas Evangélicos – ANAJURE, no uso das suas atribuições, emite à sociedade brasileira a presente Nota de Repúdio contra a Nota Técnica conjunta Nº 2/2024-SAPS/SAES/MS, do Ministério da Saúde, que permitiria a realização do aborto em qualquer tempo gestacional nas hipóteses normativas previstas no Brasil.
Inicialmente, ressalta-se que a construção doutrinária do “aborto legal” não encontra respaldo no ordenamento jurídico pátrio. O aborto é crime (art. 125-127, CP). Há, no entanto, duas excludentes de ilicitude e uma decisão judicial, que garantem que o procedimento seja realizado em situações específicas, como risco à vida da mãe (art. 128, I, CP); estupro (art. 128, II, CP); e nascituro anencéfalo (ADPF 54).
Tendo se considerado tal informação, pontua-se que, nos casos citados, havendo a opção pelo abortamento, conforme a Nota Técnica n. 44, do Ministério da Saúde, a gestante tem até 21 semanas e 6 dias para abortar. Conforme pontua a nota, não há sentido na realização do aborto após o prazo de 22 semanas, pois o feto já se encontra viável; e, sendo detentor de vida, deve ser resguardado segundo sua vulnerabilidade.
Em outras palavras, após este prazo, o abortamento se relaciona com a prematuridade do nascituro. Assim, “sempre que houver viabilidade fetal deve ser assegurada toda a tecnologia médica disponível para tentar permitir a chance de sobrevivência após o nascimento”.
Todavia, de acordo com a nova Nota Técnica, datada de 28/02/2024, que anulava a anterior, o Ministério da Saúde ressaltou que “viabilidade fetal” é um conceito variável e dinâmico, não podendo servir como “justificativa para a imposição de marco temporal para o exercício do direito ao aborto permitido”. Mais adiante, mencionou que “obrigar a gestante a manter a gravidez em qualquer das hipóteses […] configura ato de tortura/violência física e/ou psicológica, tratamento desumano e/ou degradante […]”.
Como se não fosse o bastante, a nova Nota Técnica colocou em dúvida a capacidade do nascituro de sentir dor. Afinal, “teorias provenientes de estudos com animais sugerem a possibilidade de um estado intrauterino permanente de inconsciência […]”. Desse modo, “até o nascimento, quando ocorre a separação do recém-nascido do ambiente uterino, o feto muito provavelmente não é capaz de sentir dor”.
Ou seja, em termos práticos, ato administrativo em questão permitiria a realização do aborto até o final da gravidez, tornando possível a realização do mesmo até o 9º mês de gestação. Qual a justificativa para tanto? Relatividade das palavras e ausência de dor.
A partir de uma análise crítica, pontua-se que a Nota Técnica é desprovida de qualquer cientificidade razoável. Conquanto não entendamos que a capacidade de sentir dor seja condição qualitativa de humanidade, é fato indisputado na literatura que fetos na 10ª semana gestacional já sentem dor e reagem a estímulos[1], com alguns autores posicionando tal marco na 6ª semana.[2] Embora haja discussões acadêmicas relevantes sobre onde se situa exatamente o marco de sensibilidade, posicioná-lo no momento do nascimento é absolutamente infundado cientificamente. A título de observação, a própria ADPF 442, que propõe descriminalizar o aborto voluntário, propõe que este seja feito somente até a 12ª semana de vida intrauterina.
Desse modo, conclui-se com a necessidade de proteger a vida humana em suas múltiplas fases, inclusive enquanto nascituro. Afinal, a vida se inicia na concepção, a qual se concretiza por meio do processo da fecundação. Sabe-se que, uma vez unidas as células gaméticas, ativa-se um novo projeto-programa orgânico, pelo qual se pode afirmar a existência do nascituro enquanto sujeito determinado e individualizado. Esse desenvolvimento orgânico, assim como qualquer de seus estágios posteriores, representa somente um progresso contínuo do mesmo indivíduo singular e autônomo que, conquanto dependente, não é parte integrante de sua mãe.
Desse modo, ao desconsiderar a realidade, a Nota Técnica em questão chancela violência e morte de inocentes.
Pontua-se, por fim, que um dia após sua publicação, em 29/02/2024, a nova Nota Técnica foi suspensa pela Ministra da Saúde, sob argumentação de que esta não teria percorrido todas as instâncias necessárias dentro da pasta. Por fim, deve ser dito que, à luz dos argumentos expostos a favor do nascituro e da repercussão pública do feito, diante da impossibilidade legal de prosseguir com a questão, o Governo acerta ao recuar.
Ex positis, a Associação Nacional de Juristas Evangélicos – ANAJURE, em seu compromisso em defesa dos direitos fundamentais, manifesta seu repúdio à Nota Técnica conjunta Nº 2/2024-SAPS/SAES/MS, do Ministério da Saúde, bem como espera que esta seja anulada – e não apenas suspensa pela Governo – em razão de sua flagrante inconstitucionalidade e atecnicidade.
Brasília-DF, 29 de fevereiro de 2024.
Dra. Edna V. Zilli
Presidente
[1]BOONIN, David. A Defense of Abortion. New York: Cambridge University Press, 2003, p. 110.
[2] MOORE, Keith L.; PERSAUD, T. V. N.; TORCHIA, Mark. The Developing Human: Clinically Oriented Embryology. 7th ed. New York: Saunders, 2016, p. 121.