O Conselho Diretivo Nacional da Associação Nacional de Juristas Evangélicos – ANAJURE, no uso das suas atribuições, emite à sociedade brasileira a presente Nota, em apoio à propositura de criação de um grupo de trabalho em defesa do nascituro, no âmbito da Defensoria Pública da União (DPU).
Faz parte da missão institucional da ANAJURE a defesa e a promoção dos deveres e direitos humanos fundamentais, em especial o princípio da dignidade da pessoa humana. Por consequência, o tema da proteção à vida, desde a concepção, tem sido uma pauta constantemente defendida pela associação. Como exemplo disso, citamos a nossa atuação no âmbito da ADI 5581, na qual se discute, dentre outros pontos a interrupção da gravidez em casos de mulher infectada pelo zika vírus, e na ADPF 442, que objetiva a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. Em ambas, a ANAJURE requereu o ingresso na qualidade de Amicus Curiae.
Nossa posição está alinhada à proteção conferida pelos diplomas internacionais e nacionais à vida e ao nascituro. A Convenção Americana dos Direitos Humanos, internalizada no ordenamento pátrio com status supralegal, consagrou o direito à vida, em geral, desde a concepção: “Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente” (art. 4º, 1).
A Constituição Federal de 1988 estabelece como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III) e declara inviolável o direito à vida (art. 5º, caput). Pela relevância do referido direito, a proteção que lhe é atribuída é diferenciada, havendo, por exemplo, instituição específica para julgamento dos crimes contra a vida – o Tribunal do Júri (art. 5º, XXXVIII, d). Isso ocorre porque se compreende que a vida é a fonte de todos os outros direitos e bens jurídicos protegidos, merecendo robusta proteção. Sendo assim, a defesa dos demais direitos humanos fundamentais (como igualdade, liberdade, propriedade) restaria esvaziada se não houvesse, primária e efetivamente, a preservação do direito à vida.
Disposições infraconstitucionais também conferem proteção ao nascituro, entendendo-o como titular ou destinatário de direitos fundamentais. O Código Civil, por exemplo, resguarda seus direitos desde a concepção (art. 2°, do CC/02), tornando-o apto a receber doações (art. 543, do CC/.02) e admitindo sua instituição como herdeiro testamentário (art. 1.798, do CC/02). A jurisprudência, por sua vez, concede, inclusive, legitimidade ao nascituro para ser indenizado por danos morais.
Em linha semelhante, o Código de Processo Civil impõe entraves ao exercício de certos direitos, quando a situação puser em risco alguma prerrogativa do nascituro (artigos 650 e 733); o Estatuto da Criança e do Adolescente determina que a gestante seja tratada de modo especial, visando o pleno desenvolvimento do feto (art. 7º) e garante o atendimento pré-natal, protegendo, assim, o nascituro (art. 8º). No mesmo sentido, a lei dos alimentos gravídicos busca proteger a gestante e a criança gestada (lei 11.804/08), a fim de que esta última possa se desenvolver plenamente. No âmbito criminal, a inviolabilidade da vida ganha relevo nas disposições penais sobre o aborto (artigos 124 a 128, CP).
Indubitavelmente, portanto, o nascituro é juridicamente tutelado e dotado de direitos em nosso ordenamento, sendo imprescindível que medidas sejam tomadas para o fortalecimento e a efetivação dessa proteção.
Buscando tornar a tutela ao nascituro concreta e eficaz, a Deputada Federal Christine Tonietto encaminhou à Defensoria Pública da União, em 30 de abril de 2020, requerimento por meio do qual sugeriu a criação de um grupo temático para fins de assistência jurídica e extrajudicial ao nascituro[1].
A sugestão da Deputada é bastante pertinente e encontra respaldo legal no art. 1º, da Lei Complementar 80/1994, segundo o qual incumbe à Defensoria Pública, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, nos termos constitucionais. Ademais, é função institucional da Defensoria Pública a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado (art. 4º, XI).
A despeito de tais disposições, a postura adotada pela DPU em casos paradigmáticos envolvendo o nascituro não se inclinou para a defesa desse grupo vulnerável. Na ADI 5581, em que, dentre outros pontos, trata-se da interrupção da gravidez em casos de mulher infectada pelo zika vírus, e na ADPF 442, relativa à interrupção da gravidez até a 12ª semana, não houve posicionamento da Defensoria em prol do nascituro.
Assim, a criação de um grupo temático referente à proteção do nascituro se demonstra oportuna, visto que permitirá um aprofundamento do debate e possibilitará à DPU o aperfeiçoamento de suas posições na temática, capacitando-a a melhor desempenhar o seu papel na defesa desse grupo vulnerável.
Ex Positis, a ANAJURE se manifesta em apoio à propositura de criação de grupo de trabalho técnico, no âmbito da Defensoria Pública da União, voltado para a defesa e proteção do nascituro, encaminhando a presente Nota, via ofício, ao Defensor Público-Geral Federal, chefe da instituição.
Brasília-DF, 19 de maio de 2020.
Dr. Uziel Santana
Presidente da ANAJURE
Dra. Edna Zilli
Vice-Presidente da ANAJURE
Dr. Felipe Augusto Carvalho
Diretor Executivo da ANAJURE
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[1] https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2251086