
Nota Pública
Nota sobre a orientação n.º 07/2025 – DPGE/SEED e a Liberdade Religiosa no ambiente escolar do Estado do Paraná
A Nota Pública da ANAJURE se manifesta sobre a Orientação N.º 07/2025 da Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED/PR), que trata do Estado Laico e Manifestações no Ambiente Escolar.
NOTA PÚBLICA
Redação ANAJURE
A ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE JURISTAS EVANGÉLICOS – ANAJURE, no exercício de sua missão institucional de defesa das liberdades civis fundamentais, em especial a liberdade religiosa e de expressão, vem a público manifestar-se sobre a “Orientação sobre o Estado Laico e as Manifestações no Ambiente Escolar” (Orientação N.º 07/2025), emitida em 24 de outubro de 2025, pela Diretoria de Planejamento e Gestão Escolar da Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED/PR).
A iniciativa surge em um contexto de notórias tensões, como a recente restrição imposta a encontros de estudantes no Colégio Estadual São Paulo Apóstolo, em Curitiba, que motivou a realização de uma audiência pública na Câmara Municipal, com a participação desta entidade, representada por seu Diretor Financeiro, Dr. Gabriel Dayan Stevão. Adicionalmente, a Orientação parece retificar os anseios gerados por um memorando anterior da própria SEED (N° 418/2025), de agosto de 2025, que determinava a cessação de atividades de capelania, suscitando o temor adicional de que tal medida pudesse coibir manifestações religiosas legítimas e voluntárias do corpo discente.
Esta Associação recebe a referida Orientação como uma declaração de compromisso da gestão pública com a liberdade religiosa dos estudantes, valor essencial a um Estado Democrático de Direito e ao pleno desenvolvimento humano e cidadão dos educandos. Contudo, a par do reconhecimento do mérito da iniciativa, a análise técnica da Orientação revela pontos problemáticos que, se não devidamente esclarecidos e aprimorados, podem, paradoxalmente, servir de instrumento para a restrição da mesma liberdade que visam proteger.
O item 3 da Orientação estabelece que a escola deve orientar para que as manifestações religiosas ocorram de “forma espontânea”. O termo “espontâneo”, entretanto, difere substancialmente de “voluntário”, conceito que seria preferível na redação. A voluntariedade diz respeito à liberdade de adesão do indivíduo, sem coação. A espontaneidade, por sua vez, pode ser interpretada como algo que surge sem planejamento ou organização prévia. Tal imprecisão terminológica pode ser indevidamente instrumentalizada para obstaculizar a organização periódica e programada de grupos de estudos bíblicos e oração por parte dos próprios alunos, uma faceta legítima do exercício da liberdade religiosa. Ademais, a exigência de “espontaneidade” pode também excluir o apoio de instituições externas, como igrejas e organizações da sociedade civil, na formação e organização dos encontros estudantis, através da capacitação e incentivo de estudantes que integrem simultaneamente sua membresia e a rede pública de ensino.
Nesse sentido, deve-se recordar que o direito à liberdade religiosa, assegurado pelo art. 5º, VI, da Constituição Federal, não se restringe à manifestação individual e desorganizada. Ele compreende a dimensão coletiva, social e organizada, conforme preceituam o Artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e o Artigo 12 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário.
Outro ponto de preocupação reside na caracterização discursiva do exercício da liberdade religiosa dos estudantes como uma mera “iniciativa de falar sobre o amor, incentivar boas ações e disseminar mensagens de paz, tolerância e empatia” (item 2). Embora tais elementos sejam parte de muitas tradições de fé, essa definição é redutora e não abrange a totalidade do discurso religioso, que pode incluir, legitimamente, a crítica a condutas caracterizadas como “pecado”, o chamado ao arrependimento e a apologia a preceitos morais. A questão que se impõe é: estariam tais expressões, essenciais a diversas fés, protegidas pela Orientação, ou seriam elas consideradas perturbadoras da “convivência harmônica”?
A limitação do escopo do discurso religioso aceitável vai de encontro a uma das finalidades constitucionais da educação, prevista no artigo 205 da Constituição Federal: o "pleno desenvolvimento da pessoa". Conforme reconhecido pelo STF, no voto do Min. Luís Roberto Barroso na ADI 5537, “A educação é, justamente, o acúmulo e o processamento de informações, conhecimentos e ideias que provêm de pontos de vista distintos, experimentados em casa, no contato com amigos, com eventuais grupos religiosos, com movimentos sociais e, igualmente, na escola”. A escola pública, portanto, deve ser um espaço de pluralidade, e não de silenciamento de discursos religiosos por não se adequarem a um padrão pré-definido daquilo que seja promotor de “convivência harmônica”.
Finalmente, a Orientação é silente quanto ao direito dos estudantes ao proselitismo religioso (isto é, o discurso “conversionista”, que convida seu interlocutor a aderir à sua tradição religiosa), um componente intrínseco da liberdade religiosa. Ao contrário, a advertência contra a “imposição de ideias” (item 4), embora intencionada a impedir a possibilidade de coação, introduz o risco de sua utilização como subterfúgio para cercear o direito dos educandos de compartilhar a própria fé.
Essa liberdade de "divulgar sua religião ou suas crenças", objeto de tantos ataques, é reconhecida pelo art. 12 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos. No plano interno, esse entendimento é pacificado pelo Supremo Tribunal Federal, que na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2566, reconheceu que a liberdade religiosa “A liberdade religiosa não é exercível apenas em privado, mas também no espaço público, e inclui o direito de tentar convencer os outros, por meio do ensinamento, a mudar de religião. O discurso proselitista é, pois, inerente à liberdade de expressão religiosa”.
Diante do exposto, a ANAJURE recebe a Orientação 07/2025 como um avanço positivo na proteção da liberdade religiosa dos estudantes paranaenses. Contudo, a Associação manifesta sua preocupação com a redação estabelecida, que não oferece plena guarida à plenitude do exercício da liberdade religiosa, trazendo o risco de sua instrumentalização visando à restrição. Assim, a ANAJURE conclama a Secretaria de Estado da Educação a aperfeiçoar suas normativas, incluindo a Orientação sob análise, para que sua redação promova, sem ambiguidades e à luz dos precedentes do STF, a plena liberdade de religião dos estudantes paranaenses, assegurando-lhes não apenas o direito de crer, mas também de se organizar, expressar e compartilhar sua fé de forma voluntária.
Somente assim poderemos cultivar a expectativa de que casos de restrição à liberdade religiosa no contexto escolar não mais ocorram no Estado do Paraná.
Brasília, 27 de outubro de 2025.
Edna V. Zilli
Presidente
Matheus Carvalho
Diretor executivo




