OBSERVATÓRIO l CASO 49 – Sergipe – Liberdade Religiosa e de Culto

O que aconteceu: Resolução Estadual restringiu a realização das atividades religiosas durante a semana, fixando que elas deveriam ocorrer apenas até as 18h. Além disso, vedou o funcionamento dos estabelecimentos religiosos nos dias 20 e 21 de março de 2021.

Onde: Estado de Sergipe.

Quando: 11 de março de 2021.

Documentos: Decreto n. 40.787, de 11 de março de 2021, e Resolução n. 12 do Comitê Técnico-Científico e de Atividades Especiais – CTCAE, de 11 de março de 2021.

Parecer da ANAJURE

Em 11 de março, o Estado de Sergipe disponibilizou a Resolução n. 12, do CTCAE, homologada pelo Decreto n. 40.787/2021, por meio da qual o Governo determinou novas restrições com vistas ao combate do coronavírus.

O art. 1º do referido Decreto trouxe as seguintes limitações relativas às igrejas:

Art. 1º Fica determinada a restrição parcial, até 21 de março de 2021, das atividades de que trata o Anexo Único da Resolução n.º 11/2021, de 04 de março de 2021, do CTCAE – Comitê Técnico-Científico e de Atividades Especiais, temporária e excepcionalmente, observadas as seguintes condicionantes:

(…)

IV – poderão as atividades religiosas, de qualquer credo ou rito, inclusos templos, igrejas e demais estabelecimentos funcionar até as 18h, respeitada a limitação máxima de 30% do estabelecimento, ficando vedado o funcionamento nos dias 20 e 21 de março de 2021.

Diante da previsão acima, temos um contexto no qual as instituições religiosas não têm a permissão para realizar suas cerimônias em nenhum dos momentos em que habitualmente ocorrem, seja à noite ao longo da semana, seja durante o final de semana (nos dias 20 e 21 de março). Ou seja, tais celebrações restam inviabilizadas, enquanto outros setores, ainda que com restrições, seguem funcionando.

Diante disso, realçamos, inicialmente, as disposições constitucionais que resguardam o funcionamento das instituições religiosas. Nos termos do art. 5º, inciso VI, CRFB/88, “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. Nossa Carta Magna também prevê o princípio da laicidade estatal, consoante art. 19, inciso I: “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”. Mencione-se, ainda, a proteção conferida à liberdade religiosa por diplomas internacionais, como a Declaração Universal de Direitos Humanos (art. 18), o Pacto dos Direitos Civis e Políticos (art. 18) e o Pacto de San José da Costa Rica (art. 12).

Nota-se, portanto, que o nosso ordenamento jurídico confere robusta proteção às manifestações de religiosidade, assegurando a realização de cerimônias religiosas e afastando ingerências estatais. No caso sergipano, temos uma situação em que, ao longo da semana, as cerimônias foram inviabilizadas, uma vez que a Resolução permite que ocorram apenas até as 18h e é fato notório que, até tal horário, grande parte dos frequentantes das celebrações  se encontra cumprindo sua jornada de trabalho.

Todavia, além de obstar as atividades religiosas durante a semana, o Governo sergipano também trouxe empecilhos à sua realização no final de semana, especificamente nos dias 20 e 21 de março. Quanto a isso, é preciso salientar que as confissões religiosas possuem dias específicos em que seus adeptos se reúnem para executar suas cerimônias, motivados por convicções de fé. A Igreja Adventista do Sétimo Dia, reconhecendo a observância do sábado como sinal distintivo de lealdade a Deus, destaca a precedência que as atividades regulares na igreja possuem, nesse dia, perante outras tarefas, admoestando seus fiéis ao ato de congregar-se[1]. No judaísmo, a observância do Shabat confere proeminência ao período compreendido entre o pôr do sol da sexta e do sábado, numa alusão ao descanso divino após o trabalho de criação.  Ainda a título de exemplo, no cristianismo, o domingo é tido como o Dia do Senhor, por decorrência da ressurreição de Cristo, ocorrida nesse dia da semana. Assim, é nesta ocasião em que diversos cristãos de todo o mundo se reúnem para celebrar o acontecimento que alicerça a fé cristã.  Em virtude das razões de crença e consciência envolvidas nas celebrações realizadas em dia específico, não é possível que a prática da cerimônia em momento alternativo se equipare à execução no dia religiosamente designado. No caso de Sergipe, todavia, sequer a realização em dia alternativo se torna viável, tendo em vista a restrição de horário, ao longo da semana, que impõe a necessidade de se concluir as cerimônias até as 18h.

Desse modo, entendemos que a Resolução n. 12, do CTCAE, extrapola a razoabilidade e fere as disposições constitucionais referentes à liberdade religiosa e à laicidade estatal quando obstaculiza a realização das cerimônias religiosas, não obstante viabilize o funcionamento de outros segmentos. Para fins de prevenção ao contágio, é possível que as autoridades públicas fixem critérios objetivos, como o distanciamento e a taxa de ocupação nos templos. No entanto, uma vez estabelecidos tais critérios, não cabe ao Governo estabelecer horários que inviabilizem as atividades religiosas nem se imiscuir em questões como o dia de realização das cerimônias religiosas, especialmente porque, observadas as medidas de prevenção, não haveria maior risco de contágio em um dia ou em outro.  Para os indivíduos religiosos, porém, a observância de dias específicos da semana para realização dos cultos é essencial, um dever de consciência.

Pelo exposto, a ANAJURE (1) comunica o envio de ofício ao Governo do Estado de Sergipe, propondo a modificação do Decreto expedido, de modo que as atividades religiosas não sejam inviabilizadas e que fique a cargo das instituições religiosas decidir, conforme seus preceitos de fé, em qual dia se reunirão, em respeito à liberdade religiosa e à laicidade estatal; (2) recomenda, por fim, prudência e cautela aos líderes religiosos, de forma que haja, por parte das igrejas, observância das medidas de prevenção à Covid-19 orientadas pelas autoridades, sobretudo, diante do avanço da doença no país.

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[1] https://www.adventistas.org/pt/institucional/organizacao/declaracoes-e-documentos-oficiais/observancia-sabado/