Sírios saindo de casa…

Poucos dias depois de ter fugido da Síria para a Turquia, uma colega me mandou uma mensagem.

“Querido Nuri, este é um tribunal que os extremistas estabeleceram na minha cidade, Lattakia, na aldeia (Síria) de Kansabba. Este tribunal islâmico aplica a lei de acordo com a religião dos extremistas. Começou hoje. Eles estão forçando todos a adotar suas leis Islâmicas fundamentalistas. Veja a imagem. "

Aqui está a foto:

Photo_courtesy_of_Nuri_Kinos

Um Tribunal da “Sharia”(Legislação Islâmica) estabelecido em Kansabba, Síria. Lê-se à esquerda: “Julguem as pessoas de acordo com as palavras de Alá” Ao centro: “Tribunal da Sharia”. À direita: “Não há deus senão Alá”. * Foto concedida por Nuri Kino ao WWM.

 

Agora ela espera por contrabandistas para levá-la à Suécia.

No mesmo dia em que me mandou a mensagem, as lutas se intensificaram entre as facções de oposição Sírias e 12 grupos Islâmicos que haviam deixado o Exército Sírio Livre. Esse fato assustou todos os não muçulmanos.

Bem que deveria. Abri minha conta no Facebook e vi que um amigo, o Nicholas Al-Jeloo, havia publicado notícias sobre o assassinato ocorrido no dia 21 de setembro, em Tabqa, na província Síria de al-Raqqah, de um Assírio de 26 anos chamado Ninar Odisho.

Peguei o telefone e liguei para Al-Jeloo. Ele é um assírio nascido na Austrália, com um Ph.D. em Estudos Assírios modernos. Ele visita o Oriente Médio desde 2002 para trabalho de campo e pesquisa entre indígenas Assírios. Foi à Síria muitas vezes para se conectar com outros membros da família em Jazira, uma ilha entre dois rios localizada na porção norte da Síria, e na província de al-Raqqah.

Eu queria saber mais sobre o assassinato. Por que a morte de uma pessoa era tão importante? É uma guerra, e muitas pessoas morrem todos os dias na Síria.

“Isso é sobre o futuro dos Cristãos que, tal como está, parece sombrio se nada for feito para proteger as minorias vulneráveis do país”, ele me disse em Assírio. “Por isso, os assassinatos que são religiosa e etnicamente relacionados merecem ser informados. Na véspera da guerra civil da Síria, mais de 200 famílias Cristãs Assírias, 1.000 indivíduos, viviam em Tabqa".

Quase todos eles deixaram o país e agora vivem no Líbano. Alguns foram para a Alemanha. Outros estão encalhados em todo o mundo, abandonados por contrabandistas que não conseguiram levá-los para a Europa.

Três famílias permaneceram em Tabqa. Os rebeldes disseram que eles não seriam prejudicados. Eles não tinham mais para onde ir, e estavam com medo de sair porque há muito perigo nas estradas. Eles eram pobres, e estavam tentando manter o pouco que tinham.

 

Ninar Odisho, 26, foi morto devido às suas crenças

Um desses familiares era Ninar Odisho.

Ninar foi morto pelos rebeldes porque era Cristão. Eles ainda queimaram uma cruz em seu rosto. Aparentemente, os rebeldes não querem mostrar abertamente que são contra não muçulmanos, para que os seus patrocinadores não parem de enviá-los armamentos e ajuda. Assim, eles permitem que alguns Cristãos permaneçam nas áreas em que têm o controle, e depois os matam um por um, fazendo com que os outros fujam voluntariamente, e por isso não parece que eles estão cometendo um massacre.

As três últimas famílias que estavam em Tabqa fugiram desde então, gravemente traumatizadas. Al-Jeloo conversou com algumas delas.

Um amigo jornalista, esperando na Turquia para a passagem à Suécia, confirma o que Al-Jeloo me disse. Ele afirma que nos lugares onde os fundamentalistas estabeleceram tribunais Islâmicos, não há futuro para os Cristãos – ou qualquer outro grupo que não quer viver de acordo com a lei “Sharia”. Ele disse que eu encontraria jihadistas Suecos no YouTube, pregando a “Sharia” na Síria, inclusive em Sueco. Levei apenas dois minutos para encontrar vários deles.

Com a ajuda de um Palestino que mora na Suécia, cujo pedido de asilo eu segui dez anos atrás, entrei em contato com um dos jihadistas Suecos.

“Todos que querem viver na Síria, e que obedecem viver de acordo com as leis da “Sharia” e do santo Alcorão são bem-vindos a permaneceram no país,” ele me diz. “Todos os outros têm que ir a lugares pecaminosos. É o nosso dever pregar a palavra do profeta Maomé. Se não fizermos isso e não forçarmos as pessoas a seguir suas palavras, seremos punidos.”

Pergunto ao jihadista se ele poderia me dar o seu nome. “Não posso,” diz ele. Ele não quer ferir sua família na Suécia ao revelar sua identidade.

No dia seguinte, através do Facebook, vejo que o meu amigo jornalista Sírio também está online. Eu envio-lhe uma mensagem sobre a entrevista que fiz com o jihadista.

"Eu encontrei centenas de jovens barbudos como ele, de todo o mundo, nas ruas de minha cidade natal", ela escreve de volta. "É por isso que eu saí."

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Nuri Kino é um repórter investigativo independente, residente na Suécia, cineasta, autor, analista do Oriente Médio e de direitos humanos. Seu relatório, intitulado “O Acampamento", que examinou a construção de um campo de refugiados para Cristãos Sírios dentro da Turquia, apareceu em 5 de maio no World Watch Monitor.

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FONTE: WORLD WATCH MONITOR
TRADUÇÃO: FELIPE AUGUSTO

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