URGENTE – PLANTÃO: NOTA PÚBLICA SOBRE A DISTRIBUIÇÃO DE MATERIAL RELIGIOSO PELA REDE DE SUPERMERCADOS “HIROTA FOOD” E A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO E DEFENSORIA PÚBLICA DE SÃO PAULO.

[LEIA EM PDF]
np.MPTSP2.
O Conselho Diretivo Nacional da Associação Nacional de Juristas Evangélicos – ANAJURE – no uso das suas atribuições estatutárias e regimentais, vem, através do presente expediente, expor aos órgãos e entidades públicas e à sociedade brasileira, sua posição contrária à notificação recomendatória enviada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPE-SP) à rede de supermercados “Hirota Food”, exigindo a suspensão imediata da distribuição do “Cada Dia Especial Família de 2017”, por considerar seu conteúdo discriminatório.
 
I – DOS FATOS
A rede de supermercados Hirota Food, de São Paulo, confeccionou e distribuiu nos seus estabelecimentos, entre os dias 4 e 9 de dezembro de 2017, um livreto contendo mensagens devocionais cristãs, preparado por ocasião do Dia da Família, comemorado em 8 de dezembro.
A literatura, de autoria do pastor presbiteriano Hernandes Dias Lopes, um dos mais importantes teólogos e autores cristãos da atualidade, continha 31 pequenos textos; dentre estes, 3 (três) foram alvos de protestos: “Pilares do Casamento”, no qual é feita uma defesa teológica do casamento heterossexual e monogâmico; “Esposa, seja submissa ao marido”, onde disserta sobre o modelo bíblico de submissão feminina; e “Aborto, um crime hediondo”, que trata do aborto como um atentado contra a vida humana, e por consequência, uma afronta à imagem de Deus.
No último dia 22 de dezembro, o MPT (Ministério Público do Trabalho) e a DPE-SP (Defensoria Pública do Estado de São Paulo) emitiram uma notificação recomendatória exigindo a suspensão imediata da distribuição da “cartilha” e o recolhimento das que já haviam sido disponibilizadas; além da orientação de que a empresa “se abstenha de produzir materiais com conteúdo discriminatório ou que os divulgue nas lojas de sua rede e em sua homepage, pela internet ou redes sociais; que assegure a plena e efetiva igualdade entre mulheres e homens em seu ambiente de trabalho; que garanta o respeito à liberdade de religião, credo, de gênero e orientação sexual em seu ambiente de trabalho e da mesma forma respeite identidade de gênero, orientação sexual e forma de agir de todas as pessoas.” Salientaram, por fim, que, “caso as recomendações não sejam observadas imediatamente, o MPT e a Defensoria Pública adotarão medidas judiciais”[1].
 
II – DA POSIÇÃO INSTITUCIONAL DA ANAJURE
 
II.1 – Da natureza da literatura
Primeiramente, esclarecemos que o referido material distribuído não se trata de uma “cartilha”, como caracterizado pelo MPT, mas sim, um livreto, coleção de pequenos textos devocionais, oferecido aos clientes, colaboradores, parceiros ou frequentadores do estabelecimento comercial, em celebração ao dia da Família e período natalino, sem que houvesse qualquer constrangimento para que o recebessem. Com efeito, destacamos que os clientes ou funcionários não foram obrigados a receber a literatura.
Sublinhamos ainda que o devocionário não tem qualquer natureza regulamentar trabalhista, como um código de conduta, não servindo de orientação às práticas empresarias, sendo apenas um “regalo de fim de ano”, tal qual é culturalmente feito por várias empresas, por meio de calendários, marca-páginas, agendas, canetas, etc – alguns, inclusive, com menções de cunho ideológico ou religioso.
 
II.II – Dos Direitos Fundamentais
As pessoas jurídicas são titulares de direitos fundamentais. Esta é hoje uma realidade reconhecida no âmbito da doutrina e da jurisprudência interna e internacional. Do ponto de vista jurídico-constitucional, os direitos das pessoas jurídicas não são menos dignos de proteção do que os direitos individuais[2].
Neste mesmo sentido, Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco[3]:

“Não há, em princípio, impedimento insuperável a que pessoas jurídicas venham, também, a ser consideradas titulares de direitos fundamentais, não obstante estes, originalmente, terem por referência a pessoa física. Acha-se superada a doutrina de que os direitos fundamentais se dirigem apenas às pessoas humanas. Os direitos fundamentais suscetíveis, por sua natureza, de serem exercidos por pessoas jurídicas podem tê-las por titular”

Assim, o problema suscitado pela distribuição da literatura por parte do supermercado deve ser analisado partindo do princípio, incontornável, de que se trata aqui de um titular de direitos fundamentais constitucional e internacionalmente protegidos, dentre os quais se destaca como importante a livre iniciativa.
Uma vez afirmada a titularidade de direitos fundamentais e direitos humanos pelas pessoas jurídicas, importa ter presente quais os direitos em causa no presente problema.
 
II.III – Liberdade de Expressão
A liberdade de expressão constitui um pilar fundamental do Estado Democrático de Direito. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo 19º, protege esse direito nos seguintes termos:

Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão.

Na Constituição Federal, a liberdade de expressão encontra-se consagrada no artigo 5º, especialmente nos IV e IX. Além disso, o artigo 220 da Constituição proclama:

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

Adentrando no conteúdo da literatura divulgada, os textos que foram objeto de duras críticas diziam respeito à discordância expressa pelo autor em relação ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, sendo veiculadas na mídia opiniões de indivíduos para os quais o supermercado estaria afirmando o que é, ou não, uma família, mesmo diante das decisões tomadas em sede do Conselho Nacional de Justiça (Resolução n. 175/2013) e Supremo Tribunal Federal (Ação Direta de Inconstitucionalidade 4277 e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132) sobre o tema. Sobre este ponto, destacamos que o supermercado não tem a possibilidade de determinar juridicamente o que constitui ou não uma família, mas possui todo o direito de discordar, e manifestar essa opinião, do entendimento dos órgãos citados sobre o que, de fato, constitui uma família. Esta manifestação, frise-se, está protegida pelo direito de liberdade de expressão.
Desta forma, sabendo que o direito à opinião divergente é uma liberdade civil fundamental, reconhecida constitucional e internacionalmente, não se espera que todos os clientes, colaboradores, parceiros ou frequentadores estejam em consonância com a ideia moral, ética e religiosa da empresa em questão, razão pela qual as opiniões divergentes expressas na mídia e em redes sociais são lícitas, mas é inadmissível que dois órgãos públicos entrem em consórcio e manifestem-se oficialmente para proibir que sejam veiculadas mensagens que em nada ferem as normas vigentes.
Cabe destacar, ainda, que a liberdade de expressão está assente no pressuposto de que cabe aos indivíduos, e não aos poderes públicos, formular juízos sobre o mérito e demérito dos conteúdos veiculados. Assim, consideramos que os Supermercados Hirota estavam no pleno exercício de seu direito de liberdade de expressão, ao disponibilizarem a literatura objeto de críticas. Além disso, o Estado, através do MPT e DPE-SP, extrapolou os seus limites de atuação ao formular juízos sobre o conteúdo veiculado e tentar restringir a liberdade de expressão da instituição, sem atentar aos requisitos constitucionais e legais necessários à restrição dos direitos humanos fundamentais, conforme se verá posteriormente.
 
II.IV – Liberdade Religiosa
A proteção da liberdade religiosa constitui-se um dos pilares do Estado Democrático de Direito, erigido pelas Constituições modernas como um Direito Humano Fundamental. Não consiste em um único direito, mas uma multiplicidade de direitos, tratada por alguns estudiosos como um complexo de direitos que abarca direitos individuais e coletivos. Na verdade, o Estado constitucional moderno tem como um de seus elementos construtivos a liberdade religiosa, sem a qual resta-se configurado um Estado autoritário, por restringir a liberdade mais íntima do ser humano, ou como dizem os norte-americanos, the first right..
A Liberdade Religiosa é direito fundamental consagrado na Constituição Brasileira em seu artigo 5º, incisos VI, VII, VIII. Além das organizações religiosas propriamente ditas e das organizações confessionais, devem ser considerados titulares do direito de liberdade religiosa as organizações empresariais que, “embora não se vinculem às organizações religiosas e exercitem uma atividade lucrativa, adotam uma política institucional pautada por certos valores éticos de substrato religioso. Isto pode ocorrer, por exemplo, em empresas cujos proprietários sejam religiosos praticantes e queiram que os princípios éticos de sua fé sejam observados nas suas relações com os empregados e também com o mundo exterior”[4].
Com efeito, afirma Aloísio Cristovam dos Santos Júnior:

“Uma empresa deve ter assegurado o direito de expressar uma ideologia religiosa como substrato ético para as suas atividades, ainda que tal direito não lhe deva ser reconhecido na mesma medida que a liberdade religiosa individual. Isso reflete melhor o pluralismo cultural da sociedade e respeita a liberdade religiosa dos proprietários do empreendimento, que não devem ser obrigados a abjurar de sua fé na condução de seus negócios. Por outro lado, harmoniza-se melhor com o espírito de uma Constituição que, como ser verá, confere ao fenômeno religiosa um valor em si mesmo”.

O direito à liberdade de religião é um direito subjetivo público na medida em que é acionável por iniciativa dos seus titulares – novamente, pessoas físicas ou jurídicas – diante dos poderes públicos. Ao Estado é exigível a realização de prestações positivas e negativas, fáticas e normativas, que sejam necessárias para garantir o exercício sem perturbações do direito à liberdade religiosa[5].
Importa pontuar decisão da Suprema Corte Americana sobre o direito à liberdade de religião de organização com fins lucrativos. A querelante, Hobby Lobby Stores, empresa cujo contato com princípios religiosos decorre da confissão de fé de seus proprietários, recusou-se a fornecer contraceptivos e requereu sua isenção, reivindicando os mesmos direitos à liberdade religiosa que se atribui a indivíduos, com fundamento na Religious Freedom Restoration Act (RFRA).  Foi garantida às instituições de capital fechado a isenção do cumprimento da Lei, sob o argumento de que pessoas jurídicas, ainda que com fins lucrativos, devem ser consideradas abrigadas pelas garantias instituídas pelo RFRA[6].
À luz do exposto, consideramos que houve uma violação do direito de liberdade religiosa da rede de Supermercados Hirota, posto que a instituição teve restringido o seu direito de distribuir textos de cunho religioso, mesmo, frise-se, de forma gratuita, não impositiva e pacificamente.
 
II.V Limitações aos Direitos Humanos Fundamentais
O direito deve reconhecer, garantir, e quando necessário, limitar o exercício das liberdades. As limitações ao exercício da liberdade no contexto de um Estado Democrático de Direito geralmente encontram-se na lei, conforme manifesta a Declaração Universal dos Direitos Humanos no artigo XXIX:

(…)2. No exercício de seus direitos e liberdades, toda pessoa estará sujeita apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer às justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática.

Nesta mesma linha, a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) de 1969:

Artigo 12.  2. A liberdade de manifestar a própria religião e as próprias crenças está sujeita apenas às limitações previstas em lei e que se façam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas.

As restrições aos direitos fundamentais estão sujeitas a uma reserva de lei formal qualificada, que implica a sua subordinação aos princípios de constitucionalidade, legalidade, publicidade, igualdade e proporcionalidade. Do mesmo modo, exige-se que as restrições impostas sejam devidamente fundamentadas. Este regime estreito para as restrições aos direitos constitui uma manifestação do entendimento de que a liberdade é configurada como regra, enquanto a restrição é tratada como exceção.
A manifestação do MPT e DPE-SP não atendem a estes requisitos, e visam limitar, de maneira injustificada, inconstitucional e ilegal, a liberdade de expressão e de religião da rede de Supermercados Hirota.
 
II.VI Discriminação
O MPT e DPE-SP afirmam na notificação que a literatura possui um “conteúdo discriminatório” e exigem que a instituição “se abstenha de produzir materiais com conteúdo discriminatório ou que os divulgue nas lojas de sua rede e em sua homepage, pela internet ou redes sociais.”
Primeiramente, reafirmamos nossa posição contra qualquer forma de discriminação por origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de preconceitos, entendendo que os indivíduos que se encontrem debaixo de iguais condições devem ser objeto do mesmo tratamento.
Porém, entendemos que a simples distribuição de uma literatura que afirma o casamento heterossexual e monogâmico como obra da criação de Deus não significa que o supermercado está discriminando aqueles que pensam diferente ou adotam as práticas apontadas no texto. Além disso, não significa que o supermercado não contrata ou atende indivíduos que pensem de maneira diferente. Por fim, uma leitura atenta dos textos vai indicar que as mensagens não orientam ou instigam a discriminação de pessoas que não concordam com o seu conteúdo, restando, portanto, descabidas as alegações do MPT e DPE-SP.
 
III – CONCLUSÃO E ENCAMINHAMENTOS
Ante ao exposto, a ANAJURE entende que (i) a produção e distribuição livre do devocionário é protegido pelo direito constitucionalmente assegurado à liberdade de expressão e à liberdade religiosa (artigo 5º, incisos IV, VI e IX, da CF/88); (ii) o conteúdo do livreto não veicula discurso de ódio ou promove discriminação de qualquer tipo, mas apenas expressa o que diz a doutrina cristã sobre os assuntos propostos; (iii) a rede de supermercados “Hirota Food”, como qualquer outra pessoa jurídica, pode ser sujeito dos direitos fundamentais que por ela possam ser exercidos, como é o caso da liberdade religiosa e de expressão; (iv) desde que não haja imposição constrangedora a quaisquer funcionários ou candidatos, representantes de pessoas jurídicas de fins lucrativos podem se filiar a alguma doutrina religiosa e manifesta-la amplamente e agir conforme a sua consciência ética, especialmente em suas dependências, seja estes espaços físicos ou virtuais.
Assim, a ANAJURE, por meio desta nota pública, manifesta seu repúdio à supracitada notificação recomendatória emitida pelo MPT em parceria com a DPE-SP, por considerá-la manifestamente ilegal, pois, além de violar a liberdade de expressão e de crença, representa lamentável interferência abusiva da esfera estatal na propriedade privada e na manifestação de pensamentos.
Em razão disto, a ANAJURE irá (i) oficiar ao MPT/SP, DPE-SP e Corregedoria da DPE-SP com o conteúdo da presente Nota Pública, a fim de que possa servir de ferramenta de revisão do seu entendimento; e (ii) caso o MPT/SP e DPE-SP insistam nas ameaças feitas ao estabelecimento comercial aludido, providenciar denúncia ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) ou aos órgãos judiciais competentes, tendo em vista a afrontosa postura à liberdade religiosa e de expressão, tanto da pessoa jurídica, quanto dos seus representantes.
 
Brasília, 23 de dezembro de 2017
 
 
Dr. Uziel Santana dos Santos
Presidente da ANAJURE
 
 
Dr. Felipe Augusto Carvalho
OAB-PB 21582
Assessor Jurídico da ANAJURE
 
Dr. Edmilson Almeida
OAB-PB 16273
Assessor Jurídico da ANAJURE
 
 
[1] Em um Estado Democrático de Direito, espera-se que uma notificação de tamanha repercussão como essa fosse divulgada nos meios oficiais das instituições que a emitiram, o que não ocorreu até a divulgação da presente Nota. Tomamos conhecimento da notificação a partir da mídia e imprensa. Vide notícias: http://www.prt2.mpt.mp.br/530-mpt-notifica-supermercado-hirota-para-suspender-distribuicao-de-cartilha-com-conteudo-discriminatorio e https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/mp-manda-supermercado-de-sp-suspender-cartilha-que-condena-gays-aborto-e-sexo-fora-do-casamento.ghtml
[2] MACHADO, Jónatas. Liberdade Religiosa numa Comunidade Constitucional Inclusiva. Coimbra, 2003, p. 235.
[3] MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. 1ª Edição. Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p. 113.
[4] SANTOS JÚNIOR, Aloísio Cristovam. Liberdade Religiosa e Contrato de Trabalho, Impetus, 2013, p. 78.
[5] MACHADO, Jónatas. Op. cit., p. 352.
[6] Burwell v. Hobby Lobby Stores, Inc. SCOTUS, 2014.

LEAVE A REPLY

Please enter your comment!
Please enter your name here