Nota pública sobre a suspensão monocrática do Decreto que instituiu a nova Política Nacional de Educação Especial

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O Conselho Diretivo Nacional da Associação Nacional de Juristas Evangélicos – ANAJURE, no uso das suas atribuições estatutárias e regimentais, emite a presente Nota Pública, sobre a decisão monocrática do Ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendendo o Decreto n. 10.502/20, que institui a nova Política Nacional de Educação Especial.

I – DA SÍNTESE FÁTICA

Em 30 de setembro, o Governo Federal lançou a nova Política Nacional de Educação Especial (PNEE), por meio do Decreto n. 10.502/20, que, segundo ele, amplia o “atendimento educacional especializado a mais de 1,3 milhão pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação”[1].

Entende-se que a PNEE 2020 traz “a valorização da singularidade e do direito do estudante e das famílias[2], pois ela garante o “direito de escolher em que instituição de ensino estudar, em escolas comuns inclusivas, escolas especiais ou escolas bilíngues de surdos[3] e estipula que “todas as escolas das redes de ensino, públicas ou privadas, devem ser inclusivas, ou seja, devem estar abertas a todos[4].

A adesão dos estados e municípios à PNEE 2020 é voluntária e “poderão receber apoio para instalar salas de recursos multifuncionais ou específicas, dar cursos de formação inicial ou continuada a professores, melhorar a acessibilidade arquitetônica e pedagógica nos colégios e, ainda, aprimorar ou criar Centros de Serviço de Atendimento Educacional Especializado[5].

Para elucidar todas as eventuais dúvidas, o Ministério da Educação (MEC), por meio da Secretaria de Modalidades Especializadas da Educação (SEMESP), lançou documento que trata da implementação da PNEE 2020[6].

Apesar disto, o Decreto n. 10.502/20 sofreu duras críticas por parte de várias entidades, como a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência e Idosos (AMPID)[7] e o Conselho Nacional de Saúde (CNS)[8]. Inclusive, foi alvo de duas ações judiciais perante o Supremo Tribunal Federal[9]: Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 751, manejada pela Rede Sustentabilidade; e Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6590, de autoria do Partido Socialista Brasileiro (PSB).

As alegações se assemelham nas duas ações: indicam de que “o decreto teria como real objetivo discriminar e segregar os alunos com deficiência, ao prever o incentivo à criação de escolas e classes especializadas para esse grupo”, provocando “discriminação e segregação entre os educandos com e sem deficiência, violando o direito à educação inclusiva”.

Muito embora o Ministro Dias Toffoli seja relator em ambas as ações e já haja contundentes manifestações da Subchefia para Assuntos Jurídicos (SAJ) da Presidência da República e da Advocacia Geral da União (AGU) a favor da PNEE 2020, nos autos da ADPF 751, o julgador decidiu monocraticamente (publicada em 02/11, no DJE) por conceder a medida cautelar pleiteada na ADI 6590, suspendendo a eficácia do Decreto nº 10.502/2020.

Conforme se verá a seguir, é nítida a necessidade de reversão desta medida pelo plenário da Corte, quando debater o assunto na sessão virtual que se inicia no dia 11/12/2020.

II – DO SUMÁRIO DAS MANIFESTAÇÕES JÁ ANEXADAS À ADPF 751

Muito embora a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 751 tenha sido a primeira das duas ações judiciais manejadas perante o STF, para debater a constitucionalidade do Decreto nº 10.502/2020, o Ministro Dias Toffoli ainda não se manifestou sobre o seu pedido cautelar.

Entretanto, o julgador solicitou informações prévias à Presidência da República, enquanto autoridade requerida; e, sucessivamente, abriu vista ao Advogado-Geral da União. São tais manifestações que já estão anexadas aos autos da ADPF 751, cujo sumário das análises jurídicas vale ser trazido à tona.

Segundo a Subchefia para Assuntos Jurídicos (SAJ) da Presidência da República e a Advocacia Geral da União (AGU), a ADPF é instrumento jurídico inaplicável, pois o controle abstrato de normas só poderia ser utilizado contra ato normativo que regulamenta diretamente dispositivo constitucional, que não é o caso presente, pois o Decreto n. 10.502/20 regulamenta o art. 8, §1º, da Lei 9.394/96.

Assim, em se tratando de norma regulamentadora de lei, somente é cabível o controle de legalidade, de maneira que as ações de controle abstrato de constitucionalidade não constituem via adequada, para a realização de tal juízo por parte do Poder Judiciário. Ainda, mesmo que hipoteticamente fosse possível cogitar de ofensa do ato impugnado ao texto constitucional, esta seria, no máximo, reflexa, o que inviabilizaria a utilização do controle abstrato de constitucionalidade para a análise do pleito autoral.

Quanto ao mérito da discussão, ponderam que o Decreto n. 10.502/20 não infringe o art. 206, I, da CF, porque não faz distinção de acesso ou permanência na escola, principalmente em matéria de educação especial. Na verdade, seu texto possui como objetivo garantir o direito à educação dos educandos com deficiência, com transtornos globais do desenvolvimento e educandos com altas habilidade ou superdotação, em ambiente inclusivo, no qual não haja qualquer forma de discriminação ou preconceito.

De semelhante modo, o ato normativo também não infringe o art. 208, III, da CF, porque o seu texto não produz segregação, nem vai retirar os alunos especiais da rede regular de ensino, mas agrega atendimento em ambientes especializados, com atividades complementares e suplementares. É que não se pode inferir que o legislador constituinte, ao utilizar o vocábulo “preferencialmente“, tenha determinado que a educação especial deva, “exclusivamente“, ser ministrada em estabelecimentos educacionais regulares.

Na realidade, o Decreto nº 10.502/20 explicitamente prevê a prestação da educação especial inclusiva nos estabelecimentos regulares de ensino, não havendo qualquer motivo que autorize a interpretação de que a política veiculada pelo ato em referência teria estabelecido que o serviço educacional em referência seria ministrado exclusivamente em escolas especializadas.

Com isto, há uma ampliação do atendimento educacional especializado, oferecendo também flexibilização aos sistemas de ensino, na oferta de alternativas acrescidas como classes e escolas comuns inclusivas, classes e escolas especiais, classes e escolas bilíngues e surdos, segundo as demandas específicas dos estudantes.

Diante do exposto, concluem que o Decreto nº 10.502/20 está em consonância aos dispositivos constitucionais, à legislação infraconstitucional pátria e também com à Convenção Internacional da Pessoa com Deficiência (Decreto n. 6.949/09).

Como reforço, em anexo a este mesmo documento, está ainda a NOTA TÉCNICA Nº 56/2020/DEE/SEMESP/SEMESP, do Ministério da Educação, por meio da qual fica claro que “a PNEE 2020 continua mantendo a visão de que a escolha deve ser PREFERENCIALMENTE pela escola regular, como diz a LDB (Lei 9.394 de 2006). A escolha da família é valorizada, considerando o princípio da voluntariedade, que é baseado no princípio da liberdade”.

III. DAS RAZÕES JURÍDICAS PARA A REVISÃO DA DECISÃO MONOCRÁTICA NA ADI 6590

Ao decidir sobre a Medida Cautelar, o Ministro Dias Toffoli ponderou que o Decreto nº 10.502/2020 “promove a introdução de uma nova política educacional nacional, com o estabelecimento de institutos, serviços e obrigações, que, até então, não estavam inseridos na disciplina educacional do país”. Assim, vislumbrou densidade normativa a justificar o cabimento daquela ação.

Quanto ao assunto de mérito, o julgador entendeu que a implementação de escolas e classes específicas para atendimento de alunos da educação especial, em contexto de aprendizagem separado dos demais educandos, seria uma afronta ao compromisso constitucional e internacional com a inclusão dos alunos com necessidades especiais.

Neste sentido, o ministro é categórico: “… apesar de coexistir com a implementação de escolas e classes especializadas, não comporta a transformação da exceção em regra, pois significaria uma involução na proteção de direitos desses indivíduos.”. Conclui, portanto, que “… absoluta prioridade a ser concedida à educação inclusiva, não cabendo ao Poder Público recorrer aos institutos das classes e escolas especializadas para furtar-se às providências de inclusão educacional de todos os estudantes”.

Portanto, entendeu que “o Decreto nº 10.502/2020 pode vir a fundamentar políticas públicas que fragilizam o imperativo da inclusão de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação na rede regular de ensino” e, em razão das matriculas para início de um novo período letivo, vislumbrou atendidos os requisitos legais para a concessão da medida cautelar pretendida.

Para uma interpretação correta do Decreto nº 10.502/2020, é necessário analisa-lo dentro do sistema no qual ele está inserido. Conforme já amplamente asseverado no curso das ações ADPF 751 e ADI 6590, a “inclusão” do educando com necessidades especiais é um imperativo constitucional e legal. Portanto, não há qualquer possibilidade que um ato normativo singular venha a reverter esse parâmetro. Ele não corre risco de ser abolido ou mesmo mitigado, antes, pelo contrário, o decreto aludido precisa ser aplicado à luz deste princípio.

Destarte, a ampliação do atendimento educacional especializado, oferecendo também flexibilização aos sistemas de ensino, na oferta de alternativas acrescidas como classes e escolas comuns inclusivas, classes e escolas especiais, classes e escolas bilíngues e surdos, segundo as demandas específicas dos estudantes, trata-se, na verdade, de uma maximização da materialização de Direitos Humanos Fundamentais, como é o que se espera de qualquer gestor público.

O justo temor de que eventuais gestores escolares, sejam públicos, sejam privados, desprezem o convívio inclusivo e segreguem os educandos com necessidades especiais, não pode ser justificativa para a suspensão prévia de uma política pública que obedece aos ditames convencionais, constitucionais e legais. Caso haja eventuais casos de discriminação, eles tem de ser perseguidos e punidos exemplarmente, mas não podem ser pressupostos.

Em momento algum o Decreto nº 10.502/2020 transforma a excepcionalidade das classes e aulas especiais em regra – não há equiparação destas ao ensino regular que continua com o seu status privilegiado. Antes, na verdade, o texto combatido retira a imposição e exclusividade desta escolha do serviço pelo Estado e contempla a escolha feita pelo aluno e pela sua família, como entidade especialmente privilegiada e protegida, em favor do melhor e maior interesse e necessidade do indivíduo.

Sobre este assunto, veja as considerações do próprio Ministério da Educação sobre a implementação do PNEE 2020[10]:

A abordagem educacional inclusiva que subjaz à PNEE 2020 reafirma o direito não apenas de matrícula, mas de permanência e de aprendizagem exitosa para todos os educandos nas escolas regulares, caso seja esta a escolha. Isso quer dizer que a garantia da matrícula nas escolas regulares continua sendo direito irrevogável dos educandos e das famílias que por ela optarem e que esse direito deve ser atendido com qualidade. Mas essa PNEE afirma, também, que a matrícula em classes e escolas especializadas, ou classes e escolas bilíngues de surdos, é igualmente direito que deve ser oferecido aos educandos que não se beneficiarem das escolas regulares, em atenção à opção primeiramente do educando, na medida em que este é capaz de se expressar, e também à opção de sua família. (grifo nosso).

Diante do exposto, fica claro que o Decreto nº 10.502/2020 não apenas está em consonância aos dispositivos constitucionais, infraconstitucionais e convencionais sobre o assunto, mas é a materialização do fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF). Por esta razão, urge que o Plenário da Suprema Corte reveja a decisão cautelar e retorne a plena e imediata vigência do ato normativo combatido.

III – CONCLUSÃO

Por fim, a ANAJURE (I) manifesta público apoio ao Governo Federal, especialmente ao Ministério da Educação (MEC) e da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH) por ocasião da instituição do Decreto nº 10.502/2020; (ii) sugere que o Ministro Dias Toffoli reconsidere a concessão de medida cautelar responsável pela suspensão do Decreto n. 10.502/2020; (iii) recomenda que o Plenário do Supremo Tribunal Federal revogue a decisão monocrática do Ministro Dias Toffoli que concedeu a medida cautelar na ADI 5690; (iv) conclama a todas as instituições educacionais, públicas e privadas, e organizações da sociedade civil que labutam com o tema, que se manifestem em prol da manutenção da vigência do texto combatido.

Brasília, 03 de dezembro de 2020.

Dr. Uziel Santana dos Santos
Presidente da ANAJURE

Dr. Felipe Augusto Carvalho
Diretor Executivo da ANAJURE

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[1] https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/noticias/2020/09/governo-lanca-nova-politica-nacional-de-educacao-especial

[2] https://g1.globo.com/educacao/noticia/2020/10/02/nova-politica-nacional-para-alunos-com-deficiencia-e-lancada-com-ressalvas-de-especialistas-sobre-abordagem-para-inclusao.ghtml

[3] https://www.gov.br/pt-br/noticias/educacao-e-pesquisa/2020/09/nova-politica-nacional-de-educacao-especial-e-lancada-em-brasilia

[4] https://www.gov.br/mec/pt-br/assuntos/noticias/mec-lanca-documento-sobre-implementacao-da-pnee-1

[5] https://www.gov.br/pt-br/noticias/educacao-e-pesquisa/2020/09/nova-politica-nacional-de-educacao-especial-e-lancada-em-brasilia

[6]Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Modalidades Especializadas de Educação. PNEE: Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida/ Secretaria de Modalidades Especializadas de Educação – Brasília; MEC. SEMESP. 2020. 124p. Disponível em <https://www.gov.br/mec/pt-br/assuntos/noticias/mec-lanca-documento-sobre-implementacao-da-pnee-1/pnee-2020.pdf>.

[7] https://ampid.org.br/site2020/nota-publica-de-repudio-ao-decreto-no-10-502-2020/

[8] http://conselho.saude.gov.br/recomendacoes-cns/1414-recomendacao-n-066-de-13-de-outubro-de-2020

[9] http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=456482&ori=1

[10] Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Modalidades Especializadas de Educação. PNEE: Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida/ Secretaria de Modalidades Especializadas de Educação – Brasília; MEC. SEMESP. 2020. 124p. Disponível em <https://www.gov.br/mec/pt-br/assuntos/noticias/mec-lanca-documento-sobre-implementacao-da-pnee-1/pnee-2020.pdf>.