ANAJURE emite Nota de Orientação sobre o julgamento do RE 888815 pelo STF, que trata sobre o Ensino Domiciliar (Homeschooling)

Nota.HSC
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A Presidência da Associação Nacional de Juristas Evangélicos – ANAJURE – no uso das suas atribuições estatutárias e regimentais, vem, através do presente expediente e diante das interpretações conflitantes dos fatos[1], trazer algumas orientações às famílias que praticam Ensino Domiciliar (Homeschooling) no Brasil, especialmente sob motivos religiosos, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 888815, finalizado em 12 de setembro de 2019.

Foi objeto de discussão a possibilidade legal deste instituto servir como instrumento lícito de cumprimento, pela família, do dever de prover educação. Ao fim da seção de julgamento, houve, pelo menos, três correntes e posicionamentos divergentes. Quanto à proclamação do resultado, foi denegado o pedido do Mandado de Segurança, tendo em vista a ausência de direito de líquido e certo, regulamentado em lei própria, mas o Supremo Tribunal Federal não declarou a inconstitucionalidade do instituto da Educação Domiciliar.

Na prática, portanto, há uma enorme insegurança jurídica em desfavor das famílias brasileiras praticantes desta modalidade; ainda mais porque o STF dispõe de algumas semanas para prolatar o acórdão, que deverá sumariar com precisão a tese decidida pelo órgão, mas que também poderá ser objeto de recurso, para eventuais esclarecimentos necessários.

Diante do exposto, é necessário, congratular o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, pois (i) não se arvorou em inovar no ordenamento jurídico, tomando o lugar próprio do Poder Legislativo e regulamentando a Educação Domiciliar[2]; e (ii) respeitou ao objeto e propósito da espécie de ação que foi ajuizada e estava sendo julgada. Entretanto, como o Recurso Extraordinário tramitou com sua repercussão geral reconhecida, a decisão tomada em seu curso não terá eficácia limita apenas às partes litigantes, mas sim, a todos quantos estejam em situação causal semelhante.

Diante deste cenário tumultuoso, é prudente aguardar a publicação do acórdão pelo STF, com a redação definitiva – é temerosa a posição categórica de alguns setores da impressa em afirmar que o Homeschooling foi proibido no Brasil. Até lá, ou até que haja regulamentação pelo poder competente, recomendamos que as famílias prezem pela cautela e não se exponham desnecessariamente às consequências de eventuais complicações, sob a acusação de crime de abandono intelectual (art. 246, do CP).

Quanto aos pais ou responsáveis que já estão envolvidos em algum procedimento administrativo ou judicial, recomendamos que procurem um advogado habilitado com tais temas e que tenha expertise para militar em seu favor. Cada situação poderá demandar diversos caminhos diferentes, e o envolvimento, a sensibilidade e sagacidade do profissional fará toda a diferença nestes rumos a serem tomados.

Apenas a título de exemplo, na tramitação do RE 888815, foi determinado o sobrestamento de todas as ações que tratassem do tema e esta diretriz deverá ser respeitada até haver uma decisão final irrecorrível. Portanto, os órgãos judicantes espalhados pelo Brasil não deveriam ser precipitar em determinar a matrícula dos infantes na rede regular de ensino formal.

Por outro lado, quanto às famílias praticantes do Homeschooling que ainda não tiveram qualquer conflito com instâncias públicas, a continuidade ou não das atividades deve ser uma decisão consciente dos riscos envolvidos devido à falta de legislação regulamentadora. Elas estarão susceptíveis a abusos de poder eventualmente praticados pelos órgãos fiscalizadores, como os Conselhos Tutelares e os Ministérios Públicos estaduais. Por este motivo, recomendamos que estejam sempre em contato com profissionais da área jurídica, que sejam habilitados para lhes orientar.

A ANAJURE, neste sentido, tem um trabalho especializado para tratar com questões ligadas à educação, o Programa de Apoio a Instituições de Ensino Confessionais (PAIEC), que poderá indicar profissionais hábeis a tratar do problema concreto.

Após todo o exposto, é importante destacar que o texto constitucional preza pela liberdade individual e ninguém poderá ser obrigado a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5°, II, da CF/88). Ademais, reiteramos que não há, em abstrato, um sistema educacional melhor que o outro, de modo que a opção de manter ou não a prática do Homeschooling deve ser uma deliberação pessoal de cada família, mas que deve ser lúcida não apenas quanto aos benefícios, mas também quanto aos imbróglios jurídicos circundantes.

De toda forma, estes desafios são a prova cabal de que o Relator do supracitado processo, Ministro Luís Roberto Barroso, estava com a razão ao reconhecer, em seu voto, que “Nenhum pai ou mãe faz essa opção, que é muito mais trabalhosa, por preguiça ou capricho”.

Sobre o assunto, era o que importava ser esclarecido e posicionado. Quanto ao mais, a ANAJURE aguardará manifestação oficial do STF, para tecer considerações mais precisas.

Brasília, 14 de setembro de 2018

Ass.Uziel


[1] “STF decide que pais não podem tirar filhos da escola para ensiná-los em casa”. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/2018/09/12/stf-decide-que-pais-nao-podem-tirar-filhos-da-escola-para-ensina-los-em-casa.ghtml>.

“Supremo Tribunal Federal proíbe prática do ensino domiciliar no País”. Disponível em: <https://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,stf-nao-autoriza-pratica-do-ensino-domiciliar-no-pais,70002499740>.

“Ensino domiciliar só pode ser autorizado por lei específica, decide Supremo”. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-set-12/ensino-domiciliar-autorizado-lei-decide-supremo>.

“STF: Ensino domiciliar não cumpre dever de prover educação dos filhos”. Disponível em <https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI287417,41046-STF+Ensino+domiciliar+nao+cumpre+dever+de+prover+educacao+dos+filhos>.

“Lugar de Educação Formal é na Escola”. Disponível em <https://www.todospelaeducacao.org.br/conteudo/stf-rejeita-educacao-domiciliar-lugar-de-educacao-formal-e-na-escola>.

[2] O tema é tratado em quatro projetos de lei, dois da Câmara dos Deputados e dois do Senado Federal. Os principais exemplos em tramitação são o PLS 28/2018, do senador Fernando Bezerra Coelho (PMDB-PE), que propõe acrescentar um parágrafo no Código Penal para explicitar que “os pais ou responsáveis que ofertarem aos filhos educação domiciliar não incidem” no crime de abandono intelectual. Outro texto, o PLS 490/2017, regulamenta a educação familiar, autorizando-a e estabelecendo regras, propondo alterar as Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/1996) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990).

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