[Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF)]
Nos mesmos dias em que o Supremo Tribunal Federal (STF) debate e autoriza a pessoa trans a mudar o nome mesmo sem cirurgia ou decisão judicial pela Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 4275 (leia mais aqui), fato considerado absurdo pela ANAJURE (leia mais aqui), a entidade, objetivando a defesa das liberdades civis fundamentais no Brasil, peticionou ao STF para ingressar como Amicus Curiae em sete ações judiciais que serão detalhadas uma a uma mais abaixo.
Comentando sobre a decisão do STF citada acima, o presidente da ANAJURE, Dr. Uziel Santana, reforçou que em novembro de 2017 a ANAJURE lançou nota pública, com sua devida entrega aos ministros da Suprema Corte, externando seu posicionamento contrário à procedência da ação, e disse: “Sem dúvida, a sociedade arcará com os efeitos nefastos dessa decisão. Na ausência de qualquer requisito ou procedimento especial, desde a infância uma pessoa poderá alterar seu registro civil, de maneira simples, bastando o elemento da vontade. Na prática, é possível se esperar conflitos judiciais entre pais e filhos menores, sobre a pretensão resistida de modificação da identidade civil, além de evasão de criminosos com facilidade. É uma decisão absurda.”
O ingressar em outros processos como Amicus Curiae é uma forma, então, de buscar exercer a cidadania na busca da segurança jurídica, da preservação dos princípios e da ordem constitucional. Sua função não é de assumir o papel de parte no processo, mas cabe ao “amigo da corte” fornecer informações relevantes ao caso, de modo a auxiliar o órgão jurisdicional com a presença de mais elementos para a decisão.
Por ter como objetivos principais “constituir-se como uma entidade de promoção e defesa das liberdades civis fundamentais, dos ideais do Estado Democrático de Direito e dos valores do Cristianismo, em especial, a defesa da dignidade da pessoa humana” e “como uma entidade de auxílio e defesa administrativa e jurisdicional das igrejas e denominações evangélicas, em especial, nos casos de violação dos direitos fundamentais de liberdade religiosa e de expressão”, as ações em que a ANAJURE requereu ingresso tratam de possíveis casos de violação aos direitos fundamentais à liberdade de expressão e de religião. Veja os detalhes:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (ADI) N. 5258 e 5256
Por entender que a Bíblia possui relevância histórico-cultural para a formação do Brasil enquanto nação, por questões religiosas e culturais, a ANAJURE requisitou seu ingresso como amicus curiae nas ADIs nºs. 5258 e 5256, em defesa da liberdade religiosa nos Estados do Amazonas e do Mato Grosso do Sul, respectivamente. As ações foram ajuizadas pelo ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para questionar a constitucionalidade de leis promulgadas pelas Assembleias Legislativas de cada um daqueles Estados, em razão das mesmas determinarem a inclusão de, pelo menos, um exemplar da Bíblia no acervo das bibliotecas e escolas públicas estaduais. A PGR acusa as referidas leis de afrontarem o princípio da laicidade estatal.
Para a ANAJURE, o livro da Bíblia se expressa como símbolo cultural, uma vez que se relaciona a uma religião pertencente ao conjunto de crenças que estão na base da cultura brasileira. Na formação do sistema educacional pátrio, o símbolo da Bíblia faz referência ao ensino herdado de grupos estrangeiros que aqui se instalaram, como Jesuítas, Missões Protestantes Reformadas, Batistas, que realizaram essas incursões em virtude das suas crenças, que tinham por fundamento a Bíblia. Assim, a presença desse livro no ambiente público de instrução aponta para a gênese do país e não para as religiões que o seguem. Ainda, valoriza a contribuição dos valores judaico-cristãos no rol de preceitos, que direcionam o Estado brasileiro a ser uma sociedade livre, laica, que deixa o indivíduo ao arbítrio de suas escolhas, mas lhe impõe o dever de solidariedade. É certo, também, que a Lei de Diretrizes e bases da Educação prevê, em seu art. 26, a promoção de cultura na educação, baseada na realidade histórica, política e social do Brasil, o que torna mais assertivas as legislações estaduais.
Assim, a ANAJURE acredita que as respectivas legislações estaduais não afrontam a laicidade estatal, pois não promovem uma religião, mas uma cultura e um conjunto de valores constitucionais que, inevitavelmente, foram construídos a partir de ideais advindos de uma determinada crença. O mesmo se pode dizer de outros movimentos culturais, que são corriqueiramente possibilitados pelo Poder Público, porém são inquestionavelmente fundamentados em crenças, a exemplo das políticas públicas em prol da cultura afro-brasileira, e que não são acusadas de afronta à laicidade estatal.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO (RE) N. 859376
Tendo como relator o ministro Luís Roberto Barroso e sendo de autoria da União, o Recurso Extraordinário questiona a decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que reconheceu o direito ao uso de veste religiosa em foto para a Carteira Nacional de Habilitação (CNH). O caso em questão tem origem na luta de uma freira pertencente à ordem das Irmãs de Santa Marcelina, de Cascavel-PR, para ter reconhecido o seu direito de ao uso de veste religiosa na fotografia do seu documento de habilitação.
A ANAJURE entende equivocada a equiparação entre a vedação ao uso de “óculos, bonés, gorros e chapéus” e veste religiosa, como fora feito pelo Detran-PR, isso pelo fato de que o fenômeno religioso tem caráter de valor/direito fundamental. Assim, o conflito que surge entre esse valor e a segurança pública nacional deve ser resolvido com base na ponderação do princípio da proporcionalidade.
Nesse sentido, a ANAJURE acredita não ser um meio adequado exigir que a freira deixasse o uso da roupa religiosa na foto da CNH, pois a presença do elemento não impediria sua identificação, tanto pelo fato de ela sempre se portar usando o mesmo diante da sociedade, quanto pelo fato de que em todos os demais documentos de identificação que ela possui há o uso dessas roupas. Ainda, a medida do DETRAN-PR não é necessária e afrontou violentamente o direito fundamental à fé da freira, interferindo na sua intimidade privada, uma vez que tenta a expor sem a vestimenta religiosa, a qual ela só a retira para dormir e para fazer sua higiene. Da mesma forma, não há proporcionalidade estrita no ato do DETRAN-PR, pois apenas para assegurar uma regulamentação interna – e não a segurança pública – violou um direito fundamental, de modo que a situação arrisca a própria laicidade estatal, a qual assegura a liberdade de crença e suas manifestações sob o prisma da razoabilidade.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO (RE) N. 979742
Este caso tem referência ao ato da União em recorrer de decisão prolatada pela Turma do Juizado Especial do Amazonas e de Roraima, que determinou o custeio público de procedimento cirúrgico, a ser feito em hospital público ou particular, que o realize sem a necessidade de transfusão sanguínea, visto que o enfermo é adepto à religião de Testemunha de Jeová e, por convicção religiosa, não pode fazê-la.
A repercussão geral da lide foi reconhecida pelo relator do caso, Ministro Luiz Roberto Barroso, sob o entendimento de que “Constitui questão constitucional relevante definir se o exercício de liberdade religiosa pode justificar o custeio de tratamento de saúde pelo Estado”.
AÇÃO INDIRETA DE CONSTITUCIONALIDADE (ADI) N. 5580 e 5537
A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) protocolou e a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimento de Ensino (CONTEE) protocolaram as ADI’s 5580 e 5537, respectivamente, com o objetivo de declarar a inconstitucionalidade formal e material da Lei 7.800/2016 do Estado de Alagoas, que trata da “Escola Livre”.
A lei tem por objetivo regulamentar a atuação do professor dentro da sala de aula, bem como traz novas competências para a Secretaria Estadual de Educação, e trata em seus anexos I e II de como deve ser a atuação dos professores em casos de escolas públicas e particulares stricto sensu e em escolas confessionais. As confederações alegam inconstitucionalidade da lei, pois quem a propôs e o conteúdo nela tratado não são de competência da Assembleia Legislativa do Estado do Alagoas.
O motivo pelo qual leva a ANAJURE ao pleito de ingressar como Amicus Curiae nessa ação dá-se por esta entidade preocupar-se com a liberdade de expressão do professor dentro da sala de aula e em suas demais atribuições, por tratar de um direito fundamental inerente à profissão, cuja garantia depende da decisão que a Suprema Corte do país irá tomar.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO (RE) N. 611874
Este recurso trata do questionamento da União perante o Supremo, acerca da mudança de data de concurso por crença religiosa, remetendo ao caso em que a Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) entendeu que candidato adventista podia alterar tal data, se não houvesse mudança no cronograma do processo, nem prejuízo de espécie alguma à atividade administrativa.
O interesse da ANAJURE em fazer-se presente nesta ação se dá por entender que o recurso trata de uma possível violação ao direito fundamental à liberdade religiosa, de modo que se busca auxiliar à Corte com subsídios técnicos para melhor resolução da lide, uma vez que o candidato corre o risco de precisar escolher entre o seu direito à crença religiosa, a qual guarda o dia do sábado, e por conseguinte ser eliminado do concurso, ou de ir contra sua crença, optando por realizar essa etapa do certame.
As petições acima referidas deverão passar pela análise do relator de cada processo, o qual irá decidir, com base na representativa da entidade na sociedade e a relevância da matéria de acordo com as atividades que esta desempenha, a habilitação da ANAJURE como Amicus Curiae.
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Por: Redação l ANAJURE