GAZETA DO POVO: “Atividades essenciais Decreto de isolamento em Pernambuco viola liberdade religiosa, diz Anajure”

Publicado originalmente na Gazeta do Povo. Leia aqui.

Ao determinar isolamento rígido, o poder público não pode proibir o deslocamento, com todos os cuidados, para a assistência religiosa e de capelania. Com essa convicção, a Associação Nacional dos Juristas Evangélicos considerou que o decreto de Pernambuco, que estabelece isolamento rígido em regiões do Estado, viola a liberdade religiosa prevista na Constituição.

Na última segunda-feira (11), o governo pernambucano havia anunciado que iria restringir ainda mais a circulação de pessoas em pelo menos cinco municípios gravemente afetados pela pandemia do novo coronavírus. São eles: Olinda, Jaboatão dos Guararapes, Camaragibe e São Lourenço da Mata. Inicialmente, a medida tem caráter educativo, sem previsão de multas ou sanções, e passa a valer entre os dias 16 e 31 de maio.

Pela regras do decreto, as pessoas ficam impedidas de sair de casa e andar pelas ruas, exceto para trabalhar em serviços essenciais ou realizar atividades indispensáveis, como comprar alimento ou retirar benefícios sociais em lotéricas e bancos. Será adotado, ainda, rodízio de veículos nos cinco municípios para todos os carros particulares, exceto de profissionais de saúde, segurança, defesa civil ou de uso oficial.

“Ressaltamos que a Anajure entende que a situação da saúde pública e privada em Pernambuco é de extrema gravidade – e por isso mesmo – concordamos com as medidas tomadas pelo Poder Público – para este momento -, mas entendemos também que as liberdades civis fundamentais não podem ser mitigadas ao arrepio da Constituição Federal e das demais leis vigentes no país”, diz o documento da associação. “Dentre os 33 incisos elencando atividades essenciais, não há sequer menção ao exercício do direito fundamental à liberdade religiosa, constitucionalmente consagrado no art. 5º, VI”.

Após o apontamento da associação, o governador do estado, Paulo Câmara (PSB), comunicou ao grupo que emitirá um novo decreto na sexta-feira (15) considerando os ajustes propostos pela Anajure. Os juristas lembram que a transmissão de cultos online e a prestação de serviços de assistência religiosa e capelania devem ser garantidos, pois não desobedecem às normas das autoridades sanitárias.

“Nesta conjuntura de incertezas e medos, não pode ser esquecida a necessidade de oferta do suporte espiritual a qualquer pessoa que o solicite. Da mesma forma, as ações de cunho social e filantrópico são cruciais, mormente em face das sombrias repercussões econômicas e sociais da pandemia e do chamado das comunidades de fé para demonstrações práticas de amor ao próximo”, afirmam.

Segundo o advogado Felipe Augusto, diretor-executivo da Anajure, uma medida ideal seria a que é, ao mesmo tempo, “capaz de acomodar as recomendações sanitárias que o combate à pandemia exige, mas que também protege o exercício da liberdade religiosa, ao permitir a locomoção de líderes que precisam se deslocar para templos e suas casas para realizar a transmissão dos cultos […] não há justificativa para tais atividades serem impedidas”.

Para além da violação à liberdade religiosa, em nota divulgada nesta semana a Ordem dos Advogados do Brasil de Pernambuco (OAB) afirmou que o decreto do governador criou uma situação “esdrúxula”. Embora permita a prática da advocacia e entenda ser essa uma atividade essencial, o governo não prevê autorização para que o veículo utilizado pelo profissional circule pela cidade.

“Caso o advogado que tenha um veículo automotor tenha a necessidade de se deslocar para a prática de um ato urgente no exercício da profissão, caso não seja o dia da placa do seu veículo no rodízio, terá que se fazer uso de um táxi ou de um carro de aplicativo, onde o risco de contágio é maior do que no seu veículo particular”, diz a nota.

Procurada, a assessoria de imprensa do governo de Pernambuco não respondeu à reportagem até a publicação da matéria.

Como está a situação em Pernambuco

Pernambuco já ultrapassou a marca de mil mortos pelo novo coronavírus. Segundo documento da gestão Paulo Câmara, a capital Recife e as vizinhas Olinda, Jaboatão dos Guararapes, Camaragibe e São Lourenço da Mata são responsáveis por 77% dos diagnósticos e 68% das mortes por covid-19 em Pernambuco. Com sistema de saúde sobrecarregado e filas nas unidades de terapia intensiva (UTIs), o Estado registra mais de 13,7 mil casos confirmados e pelo menos mil óbitos pela doença.

“Todas as projeções mostram que precisamos aumentar o isolamento social para evitar a disseminação ainda mais acelerada da doença”, afirmou Câmara, em nota divulgada pelo governo. “Por isso, vamos implementar uma série de medidas, como o rodízio de veículos e a fiscalização nos principais corredores viários para restringir a circulação de pessoas nesses cinco municípios citados. Precisamos da determinação de todos nesses duros 20 dias que teremos pela frente.”

“Sabemos dos transtornos dessas medidas, mas elas só estão sendo tomadas para salvar vidas”, afirmou o secretário estadual da Saúde, André Longo”.

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