Líder estudantil da Universidade de Garissa fala que sobreviventes do ataque precisam de cura do corpo e da mente

"Eu preciso de Deus para me ajudar a esquecer"

 

EstudanteO presidente da União Cristã da Universidade de Garissa (Quênia), sobrevivente do ataque feito pelo grupo Al Shabab em 02 de Abril de 2015, onde 148 estudantes foram mortos, falou acerca da oração para a cura física e psicológica dos sobreviventes.

"Por favor, orem por nós… Muitas coisas ocorridas são horríveis demais para descrever", disse o jovem de 21 anos, Frederick Gitonga.

"Ore por mim também. Eu preciso de paz de espírito, força e sabedoria. Eu estou lutando com sonhos que me deixam acordado, e não consigo voltar a dormir. Fico sempre me lembrando dos horrores daquele dia. Os sons e cheiros voltam com clareza."

Gitonga explicou como ele havia sido acordado. Na noite anterior ao ataque, ele estava até tarde da noite orando por um dos alunos sob seu cuidado, para que o grupo fosse capaz de perdoá-lo verdadeiramente por algo que havia feito de errado. Na manhã seguinte, o aluno estava morto, juntamente com os outros 21 da União Cristã (UC), que sempre participavam das orações matinais.

Gitonga disse que a única razão pela qual ele ainda está vivo é porque ele se sentia muito cansado depois de ter ficado acordado até tarde da noite, para juntar-se com os que oravam de manhã. Em vez disso, ele decidiu voltar a dormir e apenas acordou ao som dos tiros.

"Meus companheiros de quarto correram para fora, deixando a porta aberta", explicou. “Eu senti um forte desejo de não correr, mas ficar parado. Como eu me escondi debaixo da cama, eu podia ouvir os tiros e gritos de colegas. Eu poderia ouvi-los mentindo, pedindo que as mulheres saíssem, pois não seriam mortas. Mas não foi isso que aconteceu, eles as mataram”.

"Depois de algum tempo as coisas ficaram um pouco mais calmas, mas não me movi."

A próxima coisa que Gitonga se lembra é ouvir dois atiradores entrando na sala. 

“Eles sentaram-se nas camas, trocaram os cartuchos do fuzil e em seguida dispararam contra as paredes para testá-los antes de sair para retomar os assassinatos”. Eu fiquei lá por um longo tempo – Eu não sei por quanto tempo – mas acabei por ser resgatado por um oficial da Força de Defesa do Quênia. 

"Eu louvo a Deus que alguns sobreviveram, alguns de maneira verdadeiramente milagrosa. No entanto, estamos profundamente traumatizados e quebrados, precisamos de muita oração. Ao mesmo tempo, estamos tentando ajudar outros estudantes que buscam conforto e apoio conosco.”

"Eu não tenho ficado na minha área de residência desde o incidente, porque eu senti que não podia descansar até que meus amigos descansem. Este fim de semana eu e outros dois funcionários da  Fellowship of Christian University Students (Comunhão de Estudantes Universitários Cristãos) vamos viajar para Bungoma, oeste do Quênia, para colocar os nossos amigos Edward, Evans, Emily e Tobias para descansar. Então eu vou assistir os enterros de Sammy e Philomena em Kitui, antes de finalmente ir para casa descansar. É duro, mas estes não eram apenas colegas e companheiros  funcionários da União Cristã, eles também eram meus amigos próximos e parceiros de oração. Eu tenho que dizer adeus. "
 
Serviço Memorial

Frederick Gitonga foi um dos palestrantes no serviço memorial realizado na Igreja Cristo é a Resposta em Nairobi, na semana passada.
No evento, em 09 de abril, ele disse que será impossível para os alunos esquecer o que aconteceu.

"É muito doloroso ver as pessoas que você conhece massacradas como vacas. Eles morreram para confessar Cristo, e nós vamos fazer o quê … Quem vai se levantar e dizer basta?"

Bispo Mark Kariuki, líder da Igreja Deliverance, ecoou estes sentimentos.

"As igrejas foram bombardeadas. Pessoas foram mortas. Vamos sentar e esperar para o próximo ataque? Temos de levantar-nos e dizer basta!"
Duncan Obama, um outro estudante que sobreviveu ao ataque, explicou como, entre 5h00 e 5h30 da manhã, um jovem entrou na sala em que os alunos estavam orando.

"Ele estava na porta. Eu podia ver o cano de sua arma. Eu pensei que ele era um oficial [das Forças de Defesa Quênia], que muitas vezes patrulhava o campus.

"Então ele começou a atirar. Ele atirou em círculos, havia uma mulher, estávamos em um círculo de mãos dadas e cantando. Eu ouvi o primeiro grito da mulher, então o próximo e mais outro. Depois, levei um tiro no braço. Eu cai e fingi estar morto."

Mais de 80 por cento dos quenianos são cristãos, embora no nordeste do Quênia cerca de 90 por cento são muçulmanos. Os católicos romanos constituem a maior denominação única. Há também um grande número de anglicanos, metodistas, presbiterianos e outras denominações. Igrejas evangélicas e pentecostais têm crescido em número e influência, afirmando a sua autoridade nos setores políticos, sociais e religiosos, mas Bishop Kariuki disse que igrejas de todo o Quênia precisam trabalhar mais juntas.

"Estamos batendo nessa tecla porque, nós [cristãos] não estamos unidos. Precisamos estar unidos e falar a uma só voz, como igrejas. Se nós estamos um com o outro, a nossa voz será ouvida ", disse ele.

Dr. Nelson Makanda, secretário-geral adjunto do Conselho Nacional de Igrejas do Quênia, disse que o ataque em Garissa foi um chamado de despertar para os cristãos, que devem reexaminar a sua fé em face da crescente islamização do país.

"Viemos juntos, porque a comunidade cristã tem sido massacrada. Eles são, para nós, os mártires de hoje. Eles escolheram viver por fé e morreram por isso.

"O norte do Quênia está sendo afirmado como uma zona de uma determinada religião (Islã). Precisamos perguntar, isso é o que nós queremos?", disse Makanda. "Os cristãos têm o direito de pertencer à qualquer parte dentro das fronteiras do Quênia".

Os assassinos pouparam os muçulmanos e assassinaram os estudantes cristãos inocentes, isso tem alimentado ainda mais a tensão, muitos temem que isso pode ser o advento de uma divisão religiosa.

Embora os líderes religiosos tenham combatido essa noção, eles alertaram que o grupo Al Shabab faz questão de colocar uma cunha entre cristãos e muçulmanos no Quênia. Embora as relações tenham sido difíceis, muitas vezes, as religiões já coexistiram pacificamente por muitos anos.

Ataques de baixo nível da Al Shabab dentro do Quênia têm aumentado desde 2011, quando o país enviou suas forças para a Somália devastada pela guerra para perseguir o grupo. Os militantes responderam alvejando igrejas, transportes públicos e edifícios do governo, tais como delegacias de polícia.

Mas, como os islâmicos escalam ataques contra igrejas e cristãos, os líderes da Igreja têm sido cada vez mais enérgicos, exigindo mais ação do governo em matéria de segurança.

Makanda disse que o sangue dos estudantes cristãos deve ser a "semente da nossa unidade", e que os cristãos devem continuar a falar como uma força unida – uma comunidade cristã unida.

"Temos de começar a envolver os nossos líderes", disse Makanda, que acrescentou que os muçulmanos devem assumir alguma responsabilidade, e as autoridades precisam ser o "guardião do irmão", protegendo a propriedade e os direitos dos outros.

Debandada

Um estudante do sexo masculino foi morto e 141 feridos em um tumulto no campus da Universidade de Nairobi, no domingo (12 de abril), os estudantes confundiram várias explosões acidentais com um ataque extremista.

O vice-chanceler da universidade, Peter Mbithi, disse à AFP: "Foi por volta de 05h00 que um transformador no campus explodiu cerca de quatro ou cinco vezes, o que fez os alunos confundi-lo com um ataque."

Mbithi disse que muitos estudantes foram feridos quando "pensando que era um ataque da Al Shabab", eles saltaram dos andares superiores de seus dormitórios.

A ansiedade também toma conta de mais de 100 famílias que não conseguem identificar os corpos de seus entes queridos. Alguns acamparam na Mortuária de Chiromo em Nairobi, na esperança de obter algumas informações sobre seus parentes.

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Fonte: World Watch Monitor
Tradução: Rafael Durand l ANAJURE

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