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O Conselho Diretivo Nacional da Associação Nacional de Juristas Evangélicos – ANAJURE – no uso das suas atribuições estatutárias e regimentais, vem, através do presente expediente, expor, aos órgãos e entidades públicas e à sociedade brasileira, sua posição institucional a respeito do pacote anticrime lançado pelo Ministro da Justiça Sérgio Moro.
Com o fim de dar agilidade ao cumprimento das penas, elevar a eficiência do Estado e diminuir a impunidade, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) elaborou um conjunto de medidas que propõe alterações no Código Penal, no Código de Processo Penal, na Lei de Execução Penal, na Lei de Crimes Hediondos, no Código Eleitoral, dentre outros. O pacote anticrimes, composto por dois projetos de lei e um projeto de lei complementar, foi enviado ao Congresso Nacional para análise[1].
Dentre as alterações propostas, destacamos, inicialmente, a modificação do art. 283 do Código de Processo Penal, o qual passará a vigorar com o seguinte texto, em caso de aprovação:
Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar ou em virtude de condenação criminal transitada em julgado ou exarada por órgão colegiado.
A mudança proposta possibilita a prisão de condenados em segunda instância ainda que o trânsito em julgado não tenha ocorrido, alinhando, assim, a legislação processual penal ao entendimento estabelecido pelo STF a respeito do assunto. A consolidação desse raciocínio jurisprudencial no texto normativo terá efeitos relevantes para o combate da corrupção, visto que esvaziará a tática de interposição de recursos meramente protelatórios, que buscam unicamente postergar o cumprimento da pena e, desse modo, contribuem para a sensação de impunidade.
Em matéria eleitoral, um dos projetos de lei propostos inova ao trazer disposição específica a respeito da figura do caixa dois:
Art. 350-A. Arrecadar, receber, manter, movimentar ou utilizar qualquer recurso, valor, bens ou serviços estimáveis em dinheiro, paralelamente à contabilidade exigida pela legislação eleitoral.
Pena – reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, se o fato não constituir crime mais grave.
§1º Incorre na mesma pena quem doar, contribuir ou fornecer recursos, valores, bens ou serviços nas circunstâncias estabelecidas no caput.
§2º Incorrem nas mesmas penas os candidatos e os integrantes dos órgãos dos partidos políticos e das coligações quando concorrerem, de qualquer modo, para a prática criminosa.
§3º A pena será aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), no caso de algum agente público concorrer, de qualquer modo, para a prática criminosa.
Pela redação atual, punem-se apenas os beneficiários do recebimento do caixa dois. O novo texto traz maior nível de detalhamento ao estender a punição, inclusive, ao responsável pela doação de valores utilizados paralelamente à contabilidade exigida pela legislação. Buscando desestimular a prática, o projeto estipula especificamente aumento de pena decorrente da participação de agente público. Em tempos nos quais a prática do caixa dois se tornou corriqueira, é bem-vinda a legislação que estabelece contornos bem definidos tendentes a coibir a conduta.
O projeto apresentado altera o Código Penal para inserir o § 6º em seu art. 33:
Art. 33. (…)
§ 6º Na hipótese de condenação pelos crimes previstos nos art. 312[2], caput e § 1º, art. 317[3], caput e § 1º, e art. 333[4], caput e parágrafo único, o regime inicial da pena será o fechado, exceto se de pequeno valor a coisa apropriada ou a vantagem indevida ou se as circunstâncias previstas no caput do art. 59 forem todas favoráveis.
A modificação é bastante significativa, pois, no texto atual, o cumprimento de pena em regime fechado se dá quando o réu é condenado a pena superior a oito anos. Nos crimes de peculato, de corrupção passiva e de corrupção ativa há a possibilidade de que o indivíduo seja condenado a pena inferior, mas, com a mudança, mesmo em tal hipótese, o sentenciado será direcionado ao regime fechado, a não ser nas situações excepcionadas pelo § 6º.
O pacote anticrime possui ainda a finalidade de coibir as práticas delituosas das organizações criminosas, razão pela qual estabelece a necessidade de se denegar a liberdade provisória ao agente que integra organização criminosa ou que porta arma de fogo de uso restrito em circunstâncias que indique ser membro de grupo criminoso (art. 310, § 2º, CPP).
A respeito do assunto, o pacote ainda traz modificações na Lei n. 12.850/2013 (Lei das Organizações Criminosas), propondo que as lideranças de tais organizações armadas ou que tenham armas à disposição deverão iniciar o cumprimento da pena em estabelecimentos penais de segurança máxima (art. 2º, § 8º, Lei 12.850/2013). A proposta também fixa que, em caso de manutenção do vínculo com a organização, o condenado por integrá-la ou por participação em crime orquestrado por esses grupos não poderá progredir de regime de cumprimento de pena ou obter livramento condicional ou outros benefícios prisionais.
Os projetos de lei apresentados também fixam inovações legislativas voltadas para o combate da violência em geral, como a definição do regime inicialmente fechado, em regra, para os casos de reincidência ou de conduta criminal habitual, reiterada ou profissional (art. 33, § 5º, CP), bem como para as hipóteses de roubo com uso de arma de fogo (art. 33, § 7º, CP). Além disso, eleva para 3/5 o tempo de cumprimento de pena necessário para a progressão de regime em condenações por crime hediondo no qual haja morte (art. 2º, § 5º, Lei 8.072). Ademais, decreta a perda de bens, relacionados a ilícitos, nos casos de infrações para as quais a lei comine pena máxima superior a seis anos de reclusão (art. 91-A, CP).
É certo que o Congresso Nacional é o local adequado e legítimo em termos constitucionais e democráticos para o debate de pontos dos projetos de lei que possam gerar discordâncias na medida em que as propostas feitas forem analisadas. Contudo, de modo geral, importa salientar o caráter histórico das normas contidas no texto apresentado pelo Ministério da Justiça, pois representam esforço sem precedentes no combate à corrupção e à impunidade.
Diante da exposição dos dispositivos acima, entendemos que o pacote anticrime possui estratégias relevantíssimas para o combate de dois problemas centrais enfrentados pela população brasileira: a corrupção e a criminalidade. Assim, posicionamo-nos favoravelmente às medidas que se buscam alcançar por meio dos projetos de lei apresentados, compreendendo que o combate da impunidade é providência a ser tomada com urgência. Nesse sentido, lamentamos o ato do Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, de suspender a tramitação da proposta por 90 dias[5], quando estamos diante de matéria que demanda apreciação improtelável. Conclamamos, portanto, as igrejas brasileiras e a Frente Parlamentar Evangélica a reagir a tal postura, cobrando celeridade na análise do pacote anticrime.
Ante o exposto, a ANAJURE (i) reafirma o seu compromisso em prol do combate à corrupção (ii) convoca as igrejas e a Frente Parlamentar Evangélica a se engajarem nos debates e procedimentos relativos à aprovação do pacote anticrime; (iii) posiciona-se favoravelmente às medidas propostas pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), por entender que representam importantes passos no combate à corrupção e à criminalidade (iv) comunica que endereçará a presente nota à Comissão Especial criada para discutir o pacote, liderada pelo deputado federal João Campos.
Brasília, 21 de março de 2019
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CDN – Conselho Diretivo Nacional
Dr. Uziel Santana dos Santos
Presidente do CDN da ANAJURE
Dr. Jonas Moreno
Vice-presidente do CDN da ANAJURE
Dr. Roberto Tambelini
Direito Administrativo da ANAJURE
Dr. Enio Araújo
Diretor Financeiro da ANAJURE
Dr. Acyr de Gerone
Diretor Jurídico da ANAJURE
Dr. Alexandre Maia
Diretor de Assuntos Denominacionais da ANAJURE
Dr. Arnaldo Godoy
Diretor de Assuntos Acadêmicos
Dra. Edna Zilli
Diretora de Assuntos Parlamentares
Dr. José do Carmo Veiga
Membro do CDN
Dr. José Julio dos Reis
Membro do CDN
Dra. Valdira Câmara
Membro do CDN
Dra. Rosane Araújo
Membro do CDN
Dr. Luigi Braga
Membro do CDN
Dr. José Eduardo Sabo Paes
Membro do CDN
Dr. Daniel e Silva Meira
Membro do CDN
Dr. Fábio Dutra
Membro do CDN
Dr. Zenóbio Fonseca
Membro do CDN
CRE – Conselho de Representação Estadual
Dr. José Laelson
Coordenador Estadual da ANAJURE em Alagoas
Dr. Hécio Bruno
Coordenador Estadual da ANAJURE na Bahia
Dra. Madalena Carneiro
Coordenadora Estadual da ANAJURE no Distrito Federal
Dra. Júlia Guimarães
Coordenadora Estadual da ANAJURE no Espírito Santo
Dr. Wendell Quintino
Coordenador Estadual da ANAJURE em Goiás
Dra. Jéssica Renata
Coordenadora Estadual da ANAJURE no Mato Grosso do Sul
Dra. Marcela Pimentel
Coordenadora Estadual da ANAJURE no Pará
Dra. Charmênia Gomes
Coordenadora Estadual da ANAJURE na Paraíba
Dra. Caro Menezes
Coordenadora Estadual da ANAJURE no Paraná
Dr. Fernando Pereira Leite
Coordenador Estadual da ANAJURE em Pernambuco
Dra. Christiane Pinheiro
Coordenadora Estadual da ANAJURE no Piauí
Dr. Christovão Peres
Coordenador Estadual da ANAJURE no Rio de Janeiro
Dra. Raíssa Martins
Coordenadora Estadual da ANAJURE no Rio Grande do Norte
Dr. Isaac Mello
Coordenador Estadual da ANAJURE no Rio Grande do Sul
Dra. Adriciane Portela
Coordenadora Estadual da ANAJURE em Santa Catarina
Dra. Sindy Santiago
Coordenadora Estadual da ANAJURE em São Paulo
Dra. Jane Nascimento
Coordenadora Estadual da ANAJURE em Sergipe
Dr. Marcelo Cordeiro
Coordenador Estadual da ANAJURE no Tocantins
[1] http://www.justica.gov.br/news/collective-nitf-content-1550594052.63
[2] Peculato.
[3] Corrupção passiva.
[4] Corrupção ativa.
[5] https://www.valor.com.br/politica/6170735/moro-mostra-preocupacao-com-adiamento-do-pacote-anticrime-na-camara