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O Conselho Diretivo Nacional da Associação Nacional de Juristas Evangélicos – ANAJURE, no uso das suas atribuições, emite à sociedade brasileira a presente Nota Pública acerca da recente declaração do Min. Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, que apontou a existência de “narcomilícia” pertencente a “redes evangélicas” na cidade do Rio de Janeiro.
Em entrevista a um canal de televisão no dia 11/03/2024, o Ministro afirmou: “O Ministro Luís Roberto Barroso presidiu uma reunião extremamente técnica sobre essa questão, e um dos oradores falou de algo que é raro ouvir: uma narco-milícia evangélica, aparentemente no Rio de Janeiro, onde se tem um acordo entre narcotraficantes e milicianos pertencentes ou integrados a uma rede evangélica”.
A ANAJURE expressa sua profunda preocupação em relação ao comentário do Ministro decano. Tal afirmação causou grande desconforto no segmento evangélico brasileiro ao promover estereótipos e preconceitos contra a comunidade de forma injusta e generalizada.
Deve-se mencionar que a apropriação da religiosidade popular por integrantes de facções criminosas no Rio de Janeiro e demais estados da federação é fato amplamente documentado na produção acadêmica das ciências sociais. A existência de grupos criminosos que se apropriam e instrumentalizam a religiosidade e o discurso evangélicos não justifica, contudo, o uso do epíteto “narcomilícia evangélica” pelo eminente Ministro.
Em artigo no Observatório Evangélico, Christina Vital da Cunha, professora da Universidade Federal Fluminense e autora do livro Oração de Traficante (Ed. Garamond, 2015), afirma que “[e]ssa terminologia, além de sensacionalista, é incorreta por fazer parecer que se trata da existência de uma religião específica de traficantes ou uma religião para traficantes. Continua a professora ao ressaltar que “causava muito incômodo entre evangélicos que faziam questão de diferenciar o ‘verdadeiro crente’ daquele que ‘não dá bom testemunho’, que polui moralmente os já estigmatizados evangélicos moradores de favelas e periferias que faziam desta identidade religiosa um capital a produzir uma diferença positiva sobre suas imagens públicas […]”(grifos nossos)[1].
Em igual sentido, Diogo Silva Corrêa, professor da Universidade de Vila Velha e autor de Anjos de fuzil: uma etnografia das relações entre pentecostalismo e vida do crime na favela Cidade de Deus (EdUERJ, 2022), declara que: “[a] partir do meu contexto etnográfico, afirmo, portanto, que categorias como “traficante evangélico”, “narcopentecostalismo” ou “narcoreligião” não são somente incorretas do ponto de vista da experiência dos meus interlocutores, como incorrem no problema ético de sugerir que tráfico e religião ou pentecostalismo se fundiram, tornando-se uma coisa só […]” (grifos nossos)[2].
Portanto, a fala pública do ministro Gilmar Mendes não encontra fundamento na produção acadêmica nacional. Ao afirmar a existência de narcotraficantes e milicianos “evangélicos” ou “pertencentes a redes evangélicas”, o ministro adota a autoidentificação supostamente promovida por determinado líder criminoso, colaborando para a instrumentalização da religiosidade evangélica promovida por um grupo criminoso para sua legitimação social no território dominado.
Assim, a fala do eminente Ministro se mostra contraproducente e discriminatória, visto que promove a identificação generalizada de toda uma comunidade religiosa com práticas criminosas, bem como colabora para o acirramento das animosidades políticas e religiosas em nosso país.
Ressalte-se que os evangélicos, grupo plural e diverso, são tradicionalmente contrários ao uso, distribuição e venda de drogas. No mais, pautada nos princípios bíblicos do amor e da honestidade, a comunidade evangélica condena veementemente qualquer forma ação criminosa e apoia a investigação rigorosa de qualquer indivíduo que se identifique como “evangélico”, mas que se envolve em atividades criminosas.
Por fim, em necessária nota pública, o Ministro André Mendonça informa ter contatado o Ministro Gilmar Mendes, que teria reafirmado seu respeito pela comunidade evangélica, ressaltando que não houve intenção de constranger seus membros e manifestando sua abertura para dialogar com lideranças evangélicas do país acerca do assunto. Em resposta, a ANAJURE informa que entrou em contato com o Gabinete do Ministro Gilmar Mendes e aguarda resposta para agendamento de reunião entre sua excelência e a liderança da associação para esclarecimento do assunto e promoção de diálogo institucional amigável entre o segmento evangélico e os membros do Supremo Tribunal Federal.
Ex positis, a Associação Nacional de Juristas Evangélicos – ANAJURE manifesta sua oposição à fala generalizada do Ministro, reiterando o compromisso evangélico com os princípios éticos e morais que regem nossa fé e nossa comunidade.
Brasília, 15 de março de 2024.
Dra. Edna V. Zilli
Presidente da ANAJURE
[1] Artigo disponível em: https://www.observatorioevangelico.org/nao-existe-narco-pentecostalismo-em-favelas-hoje/
[2] Artigo disponível em: https://congressoemfoco.uol.com.br/area/pais/ha-de-fato-um-narcopentecostalismo-e-traficantes-evangelicos/