O Conselho Diretivo Nacional da Associação Nacional de Juristas Evangélicos – ANAJURE, no uso das suas atribuições, emite à sociedade brasileira a presente Nota Pública sobre as recentes medidas do poder executivo federal que acenam para a flexibilização da realização de abortos e a redução da proteção ao nascituro.
Em 18 de outubro de 2022, o então candidato à presidência da república Luiz Inácio Lula da Silva fez publicar sua “Carta aos Evangélicos”, assumindo promessas de campanha com o eleitorado protestante brasileiro. Dentre essas, o atual Presidente da República comprometeu-se com a proteção à vida, afirmando sua oposição ao aborto:
“Nosso Projeto de Governo tem compromisso com a Vida plena em todas as suas fases. Para mim a vida é sagrada, obra das mãos do Criador e meu compromisso sempre foi e será com sua proteção. Sou pessoalmente contra o aborto e lembro a todos e todas que este não é um tema a ser decidido pelo Presidente da República e sim pelo Congresso Nacional.”[1]
Dias após a posse presidencial, contudo, declarações de ministros de estado aparentaram contradizer os compromissos assumidos. Em 2 de janeiro, a Ministra da Saúde Nísia Trindade declarou em seu discurso de posse a intenção de revogar as portarias e notas técnicas que ofendam “os direitos sexuais reprodutivos”[2].Por sua vez, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, a Ministra das Mulheres, Aparecida Gonçalves, afirmou seu compromisso com o avanço da pauta da liberalização do abortamento no país[3].
Apontados acenos à pauta da liberalização do abortamento ganharam concretude em medidas adotadas nas últimas semanas. Na última sexta-feira (13), o Ministério da Saúde editou a Portaria GM/MS nº 13, de 13 de janeiro de 2023[4], que promoveu a revogação de diversos normativos então em vigor. Dentre estes, restou revogada a Portaria GM/MS nº 2.561, de 23 de setembro de 2020[5], que estabelecia o procedimento de justificação e autorização da interrupção da gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de Saúde.
Dentre outros procedimentos, a portaria revogada, em seu artigo 7º,previa como requisito para realização do abortamento em caso de estupro a necessidade de comunicação do fato à autoridade policial (dever já estabelecido pela Lei nº 13.931/2019) e a preservação das possíveis evidências do crime, de modo a viabilizar a investigação do crime e sua consequente prossecução penal. Sua revogação, assim, termina por obstaculizar a repressão estatal aos crimes sexuais, bem como liberaliza a realização do aborto sentimental através Sistema Único de Saúde.
Nesta última terça-feira (17), nova medida do executivo federal acenou em sentido contrário à proteção da vida do nascituro. Em Nota Conjunta[6] do Ministério das Relações Exteriores, do Ministério da Saúde, do Ministério das Mulheres e do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, o governo brasileiro informou seu desligamento da Declaração do Consenso de Genebra sobre Saúde da Mulher e Fortalecimento da Família.
O texto do documento[7], celebrado em 22 de outubro de 2020, consiste em um compromisso internacional com a promoção dos direitos das mulheres, com a proteção da vida humana em todas suas etapas, com o fortalecimento da família como elemento fundante da sociedade. A Declaração se destaca por sua forte rejeição à prática do aborto, rejeitando sua promoção como mecanismo de planejamento familiar, sustentando a não existência de qualquer “direito internacional ao aborto” ou obrigação dos Estados em financiar e facilitar sua realização, bem como afirmando que a regulamentação do abortamento compete tão somente aos Estados, sem indevidas pressões externas.
Segundo a Nota Conjunta, o desligamento brasileiro da Declaração do Consenso de Genebra teria sido motivado pelo “entendimento limitativo dos direitos sexuais e reprodutivos e do conceito de família” manifesto no documento, em referência à sua oposição ao aborto.
As recentes medidas apresentadas contradizem não somente promessas eleitorais, mas também compromissos fundamentais de nosso Estado Democrático de Direito com a proteção à vida humana em todos seus estágios, previstos no art. 5º, caput, CRFB, art. 4º da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, art. 2º do Código Civil, e materializados também na proteção penal à vida nascente, prevista nos arts. 124 a 128 do Código Penal. As ações observadas levantam, ainda, o temor quanto a novas medidas do Poder Executivo que, sem alterar a legislação ordinária brasileira, esvaziem a substancialidade da proteção à vida do nascituro, liberalizando indevidamente a realização do abortamento no país.
Pelo exposto, Associação Nacional de Juristas Evangélicos – ANAJURE:
- Manifesta sua reprovação às medidas do Poder Executivo Federal que acenam para a liberalização da prática do aborto e a redução da proteção estatal à vida do nascituro;
- Reafirma seu compromisso com a dignidade humana e os direitos humanos e fundamentais, em especial, o direito à vida do nascituro e sua proteção desde a concepção;
- Une-se à sociedade civil na convocação à ação e oração em defesa da vida humana, desde a concepção até a morte natural, em nosso país;
- Informa que encaminhará a presente nota à Presidência da República e aos ministérios mencionados, e seguirá acompanhando a atuação governamental quanto ao tema.
Brasília-DF, 18 de janeiro de 2023.
Dra. Edna V. Zilli
Presidente da ANAJURE
Dr. Matheus Carvalho Dias
Diretor Executivo da ANAJURE
[1] Íntegra do texto da “Carta aos Evangélicos” encontra-se disponível em https://www.cartacapital.com.br/politica/leia-a-integra-da-carta-de-lula-aos-cristaos/
[2] A declaração da ministra pode ser encontrada em https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2023/01/03/interna_politica,1440167/nisia-trindade-assina-revogaco-de-medidas-que-ferem-direitos-humanos.shtml
[3] A entrevista está disponível em https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2023/01/com-esse-congresso-vamos-perder-qualquer-discussao-sobre-aborto-diz-nova-ministra-das-mulheres.shtml
[4] A portaria pode ser acessada em https://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-gm/ms-n-13-de-13-de-janeiro-de-2023-457959944
[5] A portaria revogada pode ser acessada em https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-2.561-de-23-de-setembro-de-2020-279185796
[6] A Nota Conjunta pode ser lida em https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/desligamento-do-brasil-do-consenso-de-genebra
[7] O texto em inglês da Declaração pode ser acessado em https://aul.org/wp-content/uploads/2021/06/geneva-consensus-declaration-english.pdf