Nota pública sobre decisão da Suprema Corte dos EUA acerca do aborto

O Conselho Diretivo Nacional ANAJURE, no uso das suas atribuições, emite à sociedade brasileira a presente Nota Pública sobre a decisão da Suprema Corte Norte-Americana acerca do aborto.

A Suprema Corte dos Estados Unidos disponibilizou hoje (24) a decisão referente ao caso Dobbs v. Jackson Women’s Health Organization[1], por meio da qual entendeu que a Constituição do país não confere um direito ao aborto, anulando, por consequência, decisões anteriores que o viabilizavam, como Roe v. Wade e Planned Parenthood of Southeastern Pa. v. Casey.

Em Dobbs v. Jackson Women’s Health Organization, estava sob análise uma lei promulgada em 2018 no Mississipi, cujos termos trazem uma proibição ao aborto caso o feto já tenha mais de 15 semanas, com exceção de casos de emergências médicas ou de anormalidades fetais graves. A Jackson Women’s Health Organization, uma clínica de aborto situada no Mississipi, questionou a norma, alegando que não há viabilidade fetal quando o feto possui 15 semanas. O estado do Mississipi, por sua vez, argumentou que, nesse período, o feto já alcançou desenvolvimentos fisiológicos significativos e que, nessa fase, a mãe, ao realizar o aborto, passa por riscos maiores[2].

Antes do caso chegar à Suprema Corte, tribunais que apreciaram a demanda foram favoráveis à clínica, entendendo que a lei do Mississipi contrariava o precedente firmado em Roe v. Wade, segundo o qual os estados não poderiam proibir o aborto antes da viabilidade fetal[3].

A Suprema Corte, por sua vez, entendeu pela validade da lei do Mississipi. Ao discorrer sobre os fundamentos para tal, a Corte norte-americana destacou que, até pouco tempo antes da decisão proferida em Roe, não havia disposições nas Constituições estaduais ou pronunciamentos de cortes federais ou estaduais que reconhecessem a existência de um direito ao aborto. Na verdade, a prática era comumente classificada como crime.

Além disso, a Corte salientou que não há nenhuma disposição constitucional que confira o direito ao aborto, realçando que a defesa da prática é associada a outros direitos, como a privacidade ou a liberdade, mas não conta com uma proteção específica do texto constitucional. A Corte ainda asseverou que não há, no corpo de precedentes judiciais, decisões que embasem o reconhecimento de um direito ao aborto, bem como rejeitou argumentações no sentido de que pronunciamentos judiciais em prol de direitos como a autonomia pudessem representar precedentes-base para o aborto.

Feitas tais considerações, a Corte sustentou que “sem qualquer base constitucional, histórica ou jurisprudencial, Roe impôs ao país inteiro um conjunto detalhado de regras para a gravidez, dividida em trimestres, muito semelhante ao que se poderia esperar encontrar em um estatuto ou regulação”. A isso, acrescentou: “O esquema produzido em Roe se assemelhava a uma legislação, e a Corte forneceu o tipo de explicação que se esperaria de um órgão legislativo”.

Após firmar esses fundamentos, a Corte concluiu nos seguintes termos: “O aborto apresenta uma profunda questão moral. A Constituição não proíbe os cidadãos de cada Estado de regulamentar ou proibir o aborto. Roe e Casey arrogaram essa autoridade. O Tribunal anula essas decisões e devolve essa autoridade ao povo e seus representantes eleitos”.

Com a decisão proferida, o aborto não se torna absolutamente proibido nos Estados Unidos da América, mas há uma reversão do que havia anteriormente, que era a impossibilidade de que os Estados decidissem proibir o aborto em seus territórios. Com o novo posicionamento, a Corte deixa a decisão sobre a permissão ou proibição do aborto para os representantes eleitos pela população, num movimento de autocontenção de sua própria atividade.

Pelo exposto, a ANAJURE:

  1. Congratula a Suprema Corte dos Estados Unidos pela decisão proferida, visto que reconhece o Legislativo como o âmbito adequado para a definição de questões que produzem impacto sobre a população do país, privilegiando, assim, o debate democrático; e
  2. Manifesta a expectativa de que as próximas discussões que ocorrerão no âmbito do poder legislativo dos estados norte-americanos resultem na tutela do direito à vida, considerando a sua ampla proteção em diplomas de direitos humanos e a sua íntima conexão com a dignidade da pessoa humana.

Brasília-DF, 24 de junho de 2022.

 

Dra. Edna V. Zilli
Presidente da ANAJURE

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[1] https://www.supremecourt.gov/opinions/21pdf/19-1392_6j37.pdf

[2] https://www.nytimes.com/article/mississippi-abortion-law.html?

[3] https://www.nytimes.com/live/2022/06/20/us/roe-wade-abortion-supreme-court/roe-wade-overturned-supreme-court?smid=url-share