NOTA PÚBLICA SOBRE PROJETO DE LEI QUE PROPÕE A CONSTRUÇÃO DE BATISTÉRIO PÚBLICO EM ARAUCÁRIA/PR

A Assessoria Jurídica da Associação Nacional de Juristas Evangélicos – ANAJURE, no uso das suas atribuições, emite à sociedade brasileira a presente Nota Pública sobre o Projeto de Lei n. 38/2022, que sugere ao Poder Executivo a construção de um Batistério Público Municipal em Araucária/PR.

I – Síntese fática

Os vereadores Ricardo Teixeira e Ben Hur Custódio de Oliveira propuseram, em fevereiro de 2022, o Projeto de Lei n. 38/2022, que autoriza o Poder Executivo a construir um tanque batismal em espaço público a ser definido. O local contaria com vestiários, iluminação e estacionamento. A proposta ainda menciona que a construção poderia ser feita em parceria público-privada e que o espaço seria utilizado de modo gratuito para a realização de cerimoniais de batismo de igrejas cristãs que assim desejem.

Na justificativa, os parlamentares alegaram que muitas igrejas não possuem um local para os seus batismos, de modo que o projeto apresentado viria para suprir essa necessidade das denominações evangélicas. Na primeira sessão em que o projeto foi analisado, houve a formação de uma maioria favorável à sua aprovação. Nos próximos dias, o PL passará por nova análise que definirá sua aprovação ou não.

Considerando a conexão do tema com a liberdade religiosa, a ANAJURE aproveita o ensejo para emitir a presente análise jurídica.

II – Análise do caso

Para tratar do caso descrito, é importante ir à disposição do texto constitucional que rege as relações entre Estado e instituições religiosas, fornecendo contornos para a laicidade estatal consagrada no Brasil:

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;

Nota-se que os entes federativos estão impossibilitados pela Constituição de instituir ou subvencionar cultos religiosos e igrejas. Trata-se de uma dimensão da laicidade que impõe ao Poder Público um dever de abstenção. Isso não significa, contudo, que o Estado deva se portar como um opositor das organizações religiosas. Nesse aspecto, a distinção feita pelo Professor Jorge Miranda quanto à laicidade e ao laicismo é elucidativa:

Laicidade significa não assunção de tarefas religiosas pelo Estado e neutralidade, sem impedir o reconhecimento do papel da religião e dos diversos cultos. Laicismo significa desconfiança ou repúdio da religião como expressão comunitária e, porque imbuído de pressupostos filosóficos ou ideológicos (…), acaba por pôr em causa o próprio princípio da laicidade.

Em nosso ordenamento jurídico, uma das formas de manifestação desse reconhecimento do papel da religião e dos diversos cultos é a colaboração de interesse público firmada entre Estado e instituições religiosas. Isso evidencia que não há uma barreira absoluta à interação entre os dois campos.

No presente caso, o desafio de análise é averiguar se a construção de um batistério municipal constituiria uma subvenção vedada pelo texto constitucional ou uma interação viável entre política e religião. Nesse aspecto, é importante salientar, a princípio, a existência de elementos culturais em nosso país que são permeados por aspectos da religiosidade e que, não raro, colocam política e religião em contato.

A título de exemplo, o Cristo Redentor está situado no Morro do Corcovado, que faz parte do Parque Nacional da Tijuca, região administrada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), uma autarquia em regime especial. O fato de se tratar de uma área sob o controle do poder público não implicou numa desconsideração da relevância cultural e religiosa do monumento do Cristo Redentor. Diante disso, não há debates atuais, por exemplo, sobre a remoção do monumento por se tratar de uma área administrada pelo Estado, pois há um reconhecimento de que o Cristo Redentor é um dos principais símbolos do país, contendo expressivo valor cultural, turístico e religioso. Trata-se de um monumento que evidencia, até mesmo, um aspecto identitário da população brasileira, que é a valorização da religiosidade.

Em relação ao caso em apreço, referente à construção de um batistério municipal, há certa dificuldade de se visualizar como a iniciativa se compatibilizaria com a laicidade estatal. Em primeiro lugar, pontua-se que não seria absolutamente inviável que o poder público se engajasse na construção, proteção e/ou manutenção de uma obra que valorizasse ou homenageasse a religiosidade da população – a ANAJURE, inclusive, já discorreu a respeito disso em outras oportunidades. Por outro lado, a partir do momento em que a justificativa para a construção de um determinado monumento se desvincula de elementos identitários e simbólicos que permeiam as vivências da população e passa a ser a viabilização de ritos específicos de um determinado grupo religioso, há a extrapolação dos limites da laicidade estatal. Isso ocorre porque, conforme visto, a Constituição veda expressamente a subvenção de igrejas ou cultos religiosos, o que abrange o investimento em estruturas para a realização de ritos religiosos, como é o caso do batistério.

IV – Conclusão

Pelo exposto, a Associação Nacional de Juristas Evangélicos – ANAJURE (1) se manifesta desfavoravelmente à aprovação do Projeto de Lei n. 38/2022, compreendendo que a proposta de construção de um Batistério Público Municipal em Araucária/PR não é compatível com as disposições constitucionais atinentes à laicidade estatal; (2) por consequência, recomenda aos vereadores da Câmara do Município paranaense que reconsiderem a viabilidade do projeto de lei.

 

Brasília-DF, 27 de junho de 2022.

Assessoria Jurídica da ANAJURE