O comentário de Rachel Sheherazade e o discurso de censura

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O que há por trás da discussão travada na sociedade nos últimos dias em torno da jornalista cristã?

Rachel Sheherazade

Dois eventos envolvendo violência chamaram a atenção do Brasil nos últimos dias: o assaltante que foi preso e amarrado nu a um poste por um grupo de jovens, no Flamengo, Rio de Janeiro; e a morte do cinegrafista da TV Bandeirantes, Santiago Andrade, atingido por um rojão enquanto cobria o confronto entre manifestantes e policiais durante protesto também no Rio de Janeiro. 

O primeiro caso recebeu maior repercussão em virtude dos comentários da jornalista do SBT Rachel Sheherazade, que mandou aqueles que se apiedaram do rapaz amarrado ao poste, que adotassem um bandido. Isso foi o suficiente para ser acusada – de forma estridente – de apologia ao crime, violação aos direitos humanos, preconceito e incitação ao ódio.

Mas, afinal de contas o comentário de Sheherazade foi tão inconsequente e violento a ponto de justificar o linchamento moral contra a sua pessoa? O que há por trás da discussão travada na sociedade nos últimos dias? Esses dois pontos de indagação podem nos ajudar a compreender as nuanças do contexto sociocultural brasileiro, as ideologias por trás dos discursos, as cosmovisões conflitantes e – o mais importante – as táticas da guerra cultural em andamento. 

Vivemos, como afirmou Dallas Willard em A Conspiração Divina (p. 29), sufocados por slogans, em que acontecimentos, coisas e informações nos afogam, nos subjugam, desorientando-nos com ameaças e possibilidades acerca das quais a maioria de nós não sabe o que fazer. Ele diz que “comerciais, slogans, bordões políticos e pretensiosos rumores intelectuais atulham o nosso espaço mental e espiritual. As nossas mentes e os nossos corpos ‘pegam’essas coisas como um terno escuro pega fiapos”. 

Por isso, a leitura e o entendimento do que há por trás de tantos slogans e de tanta informação, indo na raiz dos pressupostos subjacentes às ideias, é essencial para que o cristão coloque em prática o principio bíblico do discernimento.

Quanto ao comentário, em artigo publicado na Folha de S. Paulo no dia 11.2.14, sob o título “Ordem ou barbárie”, a própria jornalista reafirmou compreender (e não aceitar) a atitude desesperada dos justiceiros do Rio. Ela também observou que embora não respalde a violência, a legislação brasileira autoriza qualquer cidadão a prender outro em flagrante delito, e além disso o Direito ratifica a legitima defesa no artigo 22 do Código Penal. 

Ainda que o Estado seja ineficiente e a segurança pública esteja em frangalhos, não é concebível aceitar a ideia do retorno da sociedade ao estágio da vingança pessoal, sob pena de legitimar o barbarismo, a desorganização social e a quebra da autoridade estatal na aplicação da justiça. Nesse ponto, o comentário de Sheherazade é passível de crítica (assim como qualquer outro), mas não de censura, acusação de incitação ao ódio ou de apologia criminosa, afinal ela deixou bem claro ter compreendido (e não endossado) a ação dos justiceiros. Em ética isso se chama senso moral, materializado por nossos sentimentos positivos ou negativos, a exemplo da raiva, remorso, indignação, vergonha, solidariedade, compaixão, altruísmo etc. Diante de tamanha impunidade que grassa no meio social é compreensível, mas não justificável, o sentimento de revolta contra bandidos que roubam, matam e danificam os cidadãos do bem, provocando a reação das vítimas além dos limites legais.

Mas, a opinião da âncora do jornal SBT Brasil foi interpretada como uma espécie de heresia social, um crime capital cometido por pessoas desprovidas de senso de responsabilidade e controle emocional. Pediram a cabeça da jornalista. Seu comentário foi repudiado. O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro solicitou à Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) a abertura de investigação por suposta violação aos direitos humanos e ao código de ética da classe profissional.

A resposta desproporcional e raivosa por uma parte da sociedade contra a opinião da moça é algo que salta aos olhos. E o motivo da gritaria midiática também é notório. Há algum tempo os comentários conservadores de Sheherazade, na contramão de uma mídia dominada pelo liberalismo, tem irritado os defensores do pensamento politicamente correto. Sheherazade é a pedra no sapato do esquerdismo social. Seus posicionamentos firmes contra manifestações arruaceiras, carnaval patrocinado pelo poder público e rolezinhos, somente para citar algumas de suas opiniões, a colocaram em rota de colisão contra aquela turma de jornalistas e supostos intelectuais que idolatram Marx e dizem amém para Engels. E, ironicamente, como escreveu Olavo de Carvalho, “a reação indignada contra os populares que ousaram "fazer justiça com as próprias mãos" partiram especialmente de pessoas que, quatro décadas atrás, faziam exatamente isso”.

Os ataques, portanto, não se destinaram especificamente para o comentário jornalístico; mas para a própria Sheherazade. Essa é a tática utilizada pela esquerda para tentar vencer um debate: crie um estereótipo caricato do seu oponente para que as pessoas não ouçam o que ele diz. Um artigo publicado na internet exemplifica essa sórdida estratégia: “Ela é loira, magra, com cara de “séria”, cristã e mãe de família. Ao mesmo tempo é uma pessoa “firme”. Quer justiça. Mesmo que seja feita pelas próprias mãos. Quer o fim dos “marginaizinhos”, dos “vândalos de shopping”. (esse lugar para a família). Raquel Sheherazade, a apresentadora o SBT, é a cara da classe média/alta brasileira “de bem”. Pessoas com ódio no coração. Mas que, como ela, afirmam estar do lado dos cidadãos “do bem”. É como se o fato dela ser magra, com cara de “séria”, cristã, mãe de família e da classe média a transformasse numa espécie de desqualificada, fora dos padrões de um sociedade pluralista e relativista.

O direcionamento dos ataques por motivos ideológicos fica ainda mais evidente quando observamos que críticas semelhantes e com a mesma intensidade não são dirigidas, por exemplo, a apresentadores de programas policiais, ainda que de repercussão nacional, que reiteradamente proferem comentários bem mais intensos e “justiceiros” do que aquele exposto por Sheherazade. Qual seria a diferença – do ponto de vista do jornalismo – entre a opinião da apresentadora do SBT e dos demais apresentadores? Nenhuma. Mas, um amigo me justificou que Sheherazade posa de intelectual, e por isso seus comentários têm mais peso do que os demais. Por essa lógica, poderíamos entender que a jornalista deve ser censurada exatamente por expor suas ideias com convicção. Ou seja: é proibido pensar!

Obviamente que o argumento é frágil. Mas é preciso entender que essa discussão não vem em um vácuo, ela faz parte do embate cultural, dentro de um ambiente de pluralismo e relativismo sem precedentes. 

Pode parecer absurdamente estranho que no interior dessa sociedade plural e inclusivista os próprios apologetas da diversidade se fechem dentro de seu mundo utópico enquanto rejeitam os outros mundos. D. A. Carson, em seu recente livro O Deus Amordaçado, capta bem o espírito do nosso tempo, chamando esse pluralismo de filosófico ou hermenêutico que gera muitas abordagens em apoio de uma postura: a saber, que qualquer noção de que uma declaração ideológica ou religiosa em particular é intrinsecamente superior a outra é necessariamente errada. A efeito, diz Carson, o único credo absoluto é o credo do pluralismo, que nasce a partir de uma nova hermenêutica de desconstrução, cujo principal alvo a ser atingido é o “fundamentalismo/conservadorismo”

Em outras palavras, os detratores de Sheherazade, apesar de sustentarem teoricamente a tolerância social, são intolerantes práticos, que não suportam comentários e opiniões que contrariam suas cosmovisões e esmigalham suas ideias infundadas. Toda conduta deve ser aceita e qualquer ponto de vista moral merece espaço na mesa pública. Menos os conservadores, é claro, “fundamentalistas e defensores da moralidade judaico-cristã. Contraditoriamente, esses parecem não ter direito a nenhum tipo de tolerância. Essa é a visão cínica e hipócrita dos progressistas.

Rachel Sheherazade, volto a dizer, é passível de crítica, assim como qualquer outra pessoa. Mas, a censura contra a sua opinião e a manipulação da mídia em seu desfavor são coisas que estão muito além da mera crítica contraditória e da divergência no reino das ideias. É um verdadeiro linchamento moral, como se ela própria tivesse violentado e amarrado o rapaz ao poste, ou cometido coisa ainda pior. Os valores são tão invertidos que até a expressão “pessoas do bem”, vejam só vocês, passou a ser considerada como preconceituosa e descabida, um tipo de elitismo da classe média. 

E esse tipo de tática é desprezível.

Cabe agora um comentário final. O apoio ao pensamento conservador não significa que aqueles que defendam um ponto de vista social de direita, diga-se de passagem, estejam isentos de erros e devam ser apoiados sempre. Isso porque, como escreveu Charles Colson, a integridade precede a lealdade; pois a lealdade, não importa o quão admirável seja, pode ser perigosa se investida em uma causa indigna. Já a integridade vem do verbo grego integrar, que significa tornar-se unido para formar um todo completo ou perfeito, e por isso nossas ações devem ser coerentes com nossos pensamentos. 

Por isso mesmo, discernimento e sabedoria bíblica (Pv. 2.6; 21.30) são imprescindíveis para separar o joio do trigo, a fim de refutarmos apropriada e oportunamente comentários que desbordam das Escrituras e da cosmovisão cristã. Até na esfera social, em assuntos relacionados à política, mídia e direito, é preciso agir como os bereanos (At. 17.11), examinando se aquilo que ouvimos confere ou não com as Escrituras.

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FONTE: CPAD News

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