Palavra do Diretor Para Assuntos de Refugiados e Ajuda Humanitária da ANAJURE, Dr. Jonas Moreno:
O refugiado não é um migrante econômico que deixa o seu país de origem em busca de melhores condições de vida. Ao contrário, o refugiado é alguém que perdeu tudo, menos a vida e que por isso foge para salvar o único bem que ainda lhe resta. O refugiado não é um terrorista, é alguém que foge do terror.
Diariamente são disponibilizadas várias opiniões nas redes sociais sobre a situação dos Refugiados na Europa. Para muitos, tudo que tem ocorrido, inclusive os atentados, foram apenas uma consequência do recebimento de refugiados provenientes de países muçulmanos como a Síria e o Iraque e que por isso o mais sensato seria fechar as fronteiras de uma vez.
Estaremos disponibilizando semanalmente vários textos que abordam o tema e certamente nos ajudarão a tirar conclusões mais próximas da realidade dos fatos e certamente, mais distante das emoções.
“O Estado Islâmico quer que você odeie os refugiados” – texto importante para nos ajudar a compreender um pouco mais sobre a situação dos Refugiados na Europa, por Adam Taylor, publicado no Washington Post.
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O Estado Islâmico quer que você odeie os refugiados
À medida que a crise de refugiados sírios deixa de ser um problema regional e se torna global, preocupações com a segurança têm sido extensivamente citadas como uma justificativa para a manutenção das fronteiras fechadas e a recusa de reassentar migrantes. Esse argumento tem sido formulado no momento da onda de ataques em Paris na sexta, após um passaporte sírio com o nome Ahamd al-Mohammad, de 25 anos e nascido em Idilb, foi encontrado perto do corpo de um homem bomba. As autoridades francesas afirmam que as digitais do homem bomba correspondem com as de alguém que passou pela Grécia no início de Outubro.
Se um dos terroristas de Paris realmente fez a sua jornada do Oriente Médio, pela Grécia e pelo Leste Europeu, isso levantará grandes questões no continente sobre as dezenas de milhares de outros refugiados viajando sozinhos por essa rota. Nos Estados Unidos, treze governadores afirmaram no meio da tarde de segunda-feira que eles não permitirão que refugiados sírios sejam reassentados em seus estados.
É inegável que o grande número de refugiados e migrantes alcançando a Europa represente algum tipo de ameaça à segurança – qualquer coisa envolvendo muitas pessoas chegando em situações caóticas como essa, representaria. Contudo, não é apenas injusto juntar todos os que estão chegando no mesmo saco – também é autodestruidor.
Todos os suspeitos do atentado à Partis aparentam ser cidadãos europeus. De fato, um grande número de cidadãos da França, Inglaterra e outras nações ocidentais têm viajado para a Síria e o Iraque para combater, sugerindo que o problema não é apenas os que estão vindo de lá, mas os que já estão aqui. Essas pessoas não necessariamente têm ligações familiares com o mundo muçulmano: Tem havido um grande número de europeus convertidos ao Islã que viajaram para se juntar ao Estado Islâmico e um vasto número de muçulmanos europeus têm repetidamente condenado as ações do Estado Islâmico.
Talvez um dos argumentos mais persuasivos contra comparar refugiados a terroristas é simples: é exatamente o que o Estado Islâmico quer.
Os mesmos refugiados entrando na Europa são geralmente os mesmos civis que enfrentam violência indiscriminada e injustiça cruel nos territórios controlados pelo Estado Islâmico no Iraque e Síria (embora, deve ser notado, muitos na Síria também têm sido ameaçados pelas ações brutais do governo sírio). Globalmente, estudos têm mostrado que os muçulmanos tendem a constituir a maior proporção de vítimas do terror, com países como a Síria e o Iraque registrando o maior índice.
Se os refugiados muçulmanos vêm à Europa e são bem vindos, isso desestrutura profundamente a legitimidade do Estado Islâmico. Aron Zelin, membro do Washington Institute for Near East Policy, tem ajudado a catalogar algumas das mensagens do Estado Islâmico aos refugiados chegando na Europa vindos do Oriente Médio. A mensagem dá a impressão de profundo desconforto e até mesmo ciúmes de que a população muçulmana que o Estado Islâmico cobiça tanto para o seu autoproclamado “califado” prefira viver nas terras “infiéis” do Ocidente.
“Você trocaria o que é melhor pelo que é menos?” é o título da mensagem do vídeo. Soa mais como uma pequena nota de um ex que levou um fora.
Escrevendo nas páginas de opinião do The Post esse final de semana, o analista de contraterrorismo Harleen Gambhir afirmou que o Estado Islâmico tem deliberadamente “preparado uma armadilha” para a Europa com os atentados de Paris:
A estratégia é explícita. O Estado Islâmico explicou que depois dos ataques de Janeiro à revista Charlie Hebdo que tais atentados “compeliriam os Cruzados a ativamente destruir a linha cinzenta por eles mesmos… Os muçulmanos no Ocidente irão rapidamente se encontrar entre uma das duas escolhas, ou eles apostatam… ou eles [emigram] para o Estado Islâmico e assim escapam da Cruzada impetrada pelos cidadãos e os governos.” O grupo calcula que um pequeno número de terroristas pode mudar profundamente a forma como a sociedade europeia vê os seus 44 milhões de membros muçulmanos e, como resultado, a forma como os muçulmanos europeus veem a si mesmos. Por meio dessa provocação, ele busca as condições necessárias para uma guerra apocalítica contra o Ocidente.
Alguns têm sugerido que o Estado Islâmico enviou deliberadamente algumas pessoas nessa rota para plantar a discórdia. Dada a disponibilidade de passaportes sírios falsos na Turquia e em outros lugares, é completamente razoável presumir que o passaporte encontrado próximo ao corpo de um dos homens-bomba de Paris tenha sido plantado ali para inflamar ainda mais a tensão na Europa – uma ideia fortalecida por relatos de que um diferente foi encontrado viajando com o mesmo passaporte na Sérvia.
O que parece praticamente certo é que o Estado Islâmico deseja que você equipare refugiados a terroristas. Por outro lado, quer que os refugiados equiparem o Ocidente a preconceito contra muçulmanos e estrangeiros.
A realidade é que muitos desses refugiados já estão recebendo boas vindas bem difíceis no Ocidente. Os refugiados sírios que chegam nos Estados Unidos enfrentam um escrutínio notável por múltiplas agências, incluindo o Centro de Triagem de Contraterrorismo do FBI, o Departamento de Estado, o Departamento de Segurança Nacional, o Centro de Contraterrorismo e o Departamento de Defesa. O processo de triagem pode levar anos, deixando refugiados legítimos no esquecimento. Vale a pena lembrar que piorar o recebimento pode ser exatamente o que o Estado Islâmico deseja.
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Por Adam Taylor, 19 de Novembro de 2015. Washington Post.
Disponível neste link.
Tradução: Igor Sabino l Membro do Projeto ANAJURE Refugees