Desde 2015, os países que integram a União Europeia (UE) tem enfrentado uma grave crise migratória, decorrente principalmente de conflitos e instabilidades no Oriente Médio e no Norte da África. Como consequência disso, apenas no primeiro semestre deste ano, estima-se que cerca de 35.000 pessoas tentaram entrar no continente europeu atravessando o mar que separa a costa italiana do território líbio. Acrescenta-se, ainda, os milhares de deslocados forçados que tomaram rotas semelhantes com destino à Grécia nos últimos três anos, bem como aproximadamente um milhão de requerentes de refúgio na Alemanha.
A situação tem desencadeado uma série de discussões no âmbito da União Europeia, sendo apontada, inclusive, como uma das causas que levaram o Reino Unido, em 2016, a anunciar o seu interesse de se retirar do grupo. O tema tem sido pauta de diversas campanhas eleitorais no continente europeu, sobretudo na Alemanha, e voltou a chamar a atenção dos políticos e da mídia no início desse mês, quando o navio de assistência humanitária Aquarius, transportando mais de 600 migrantes, foi proibido de aportar na Itália e em Malta, vindo a atracar na Espanha após uma semana de negociações.
Na manhã da última sexta-feira (29/06), porém, após mais de dez horas de negociações, durante a cúpula da UE, os líderes europeus anunciaram um novo pacto migratório. O acordo, que visa diminuir o fluxo migratório em direção ao continente, prevê a criação de centros de acolhimento em países do Norte da África a fim de dissuadir os migrantes de realizarem a travessia marítima e fazer uma triagem prévia, entre os migrantes econômicos, aqueles que de fato se enquadram na definição de refugiado, conforme a definição presente na Convenção Relativa para o Estatuto dos Refugiados de 1951. De acordo com os diplomatas europeus, esses centros terão a coordenação do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) e da Organização Internacional para as Migrações (OIM). Até o momento, porém, ainda não há informações de como esses centros funcionarão.
A ANAJURE se pronunciou por meio de uma Nota Pública. Leia abaixo:
Diante dos fatos acima citados, a Frente Parlamentar Mista para Refugiados e Ajuda Humanitária e a ANAJURE – Associação Nacional de Juristas Evangélicos, por seus respectivos representantes, vem, através do presente expediente, expor aos governos dos países integrantes da União Europeia, a sua preocupação com as novas medidas anunciadas na última sexta-feira (29/06) para a contenção dos fluxos migratórios no Mar Mediterrâneo.
Louvamos a iniciativa dos principais líderes políticos da Europa de tornar a questão das migrações forçadas uma das pautas de discussão da última reunião do Conselho Europeu. Compreendemos a apreciamos o compromisso dos chefes de Estado do velho continente em manter a segurança de suas fronteiras e, ao mesmo tempo, combater as redes de tráfico humano em atuação no Mediterrâneo, uma vez que tais redes constituem uma grave ameaça à segurança de toda a comunidade internacional, sobretudo dos migrantes e refugiados.
Além disso, consideramos de grande importância a disposição demonstrada pelos países europeus em cooperar com os países do Norte da África e do Oriente Médio, juntamente com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e a Organização Internacional para as Migrações (OIM), a fim de buscar soluções duráveis para a atual crise de refugiados.
Cremos que esse estreitamento de laços entre os países situados ao Norte e ao Sul do mundo é fundamental para o fortalecimento do regime internacional de proteção aos refugiados, sobretudo em virtude do expresso reconhecimento das atribuições do ACNUR enquanto instituição internacional responsável por assegurar o cumprimento das normas e regras do atual regime. Contudo, tememos que “o conceito de plataformas de desembarque regionais” conforme discutido na cúpula, na prática, contrarie completamente esses objetivos.
Embora seja necessário coibir as rotas migratórias ilegais no Mar Mediterrâneo como uma maneira de combater o crime organizado e assim evitar que migrantes e solicitantes de refúgio sejam traficados e explorados, não se pode ignorar a necessidade legítima de muitos de buscar abrigo e segurança na Europa. A Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados – ratificada por todos os Estados-membros da EU – é clara, em seu Art. 1° (2) acerca do direito de qualquer indivíduo que esteja sendo perseguido ou possua um temor bem fundado de perseguição “por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas” de buscar refúgio em outro país caso se encontre “fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país”.
A criação de centros de triagem em países do Norte da África e do Oriente Médio como uma forma de frear a imigração ilegal para a Europa, contudo, dificultará ainda mais as possibilidades de que pessoas nas condições descritas pela Convenção de Genebra de 1951 exerçam seus direitos, conforme assegurados pelo Direito Internacional dos Refugiados. Além disso, tende a dar continuidade às práticas temporárias de criação de campos de refugiados, as quais, como já têm sido demonstrado em vários lugares da África e do Oriente Médio nas últimas décadas, tendem apenas a piorar ainda mais a situação, gerando um grande número de instabilidades políticas e sociais.
Soma-se a isso, a possibilidade de aumentar ainda mais as desigualdades entre os países do Norte e do Sul do mundo no que diz respeito à proteção internacional aos refugiados, uma vez que apenas os países menos desenvolvidos se veem obrigados a abrirem mão de sua soberania nacional a fim de acolher um grande número de migrantes e requerentes de refúgio.
Dessa maneira, a fim de garantir a manutenção e eficácia do atual regime internacional de refugiados, é imprescindível que os países europeus repensem as suas políticas nacionais de migração e que a UE chegue a novos consensos com relação à temática, sobretudo à luz dos termos de outros instrumentos jurídicos do bloco, como o Tratado de Dublim III.
Brasília- DF– Brasil, 29 de junho de 2018.
Deputado Federal Leonardo Quintão
Presidente da Frente Parlamentar Mista para Refugiados e Ajuda Humanitária – (FPMRAH)
Dr.Uziel Santana dos Santos
Presidente da Associação Nacional de Juristas Evangélicos – (ANAJURE)
Secretário da Frente Parlamentar Mista para Refugiados e Ajuda Humanitária – (FPMRAH)
Para saber mais informações sobre isso, escreva para o Secretário Executivo do ANAJURE Refugees, Igor Sabino, em [email protected]
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Redação ANAJURE