O código do mal

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Encontra-se em curso no Senado Federal o projeto de reforma do Código Penal que pretende autorizar profundas violações à dignidade de crianças e adolescentes brasileiros. O projeto é de autoria do Senador José Sarney (PLS 236/2012) e propõe: 

  1. Permitir a usuários e dependentes de droga consumir e produzir todos os tipos de droga (crack, cocaína, maconha);
  2. Legalizar o assédio e estímulo à prostituição, inclusive de adolescentes, por organizações e pessoas;
  3. Permitir relação sexual de adultos com menores de até 12 anos de idade.

Introdução

O Código penal brasileiro, atualmente em vigor, entrou em vigência em 1940 e, desde então, sofreu diversas atualizações. Todavia, permaneceram anacronismos e paradoxos que merecem reforma:

  • desproporcionalidade da pena para crimes;
  • atecnicidade na descrição de condutas típicas;
  • sistematização deficiente face à jurisprudência e legislação especial, entre outros.

Não há dúvida de que é necessária a reforma do Código Penal. Porém, foram inseridas em seu âmbito absurdas medidas que atentam contra a dignidade humana e a ordem pública.  Vejamos as principais aberrações jurídicas propostas e que afetam mais intensamente crianças, adolescentes e jovens:

1. Permitir a usuários e dependentes de droga cultivar e produzir drogas em casa (cocaína, crack, maconha, etc.)

Em 2006 a legislação antidrogas brasileira foi alterada profundamente, suavizando com penas alternativas – nunca a prisão – o porte de drogas para uso pessoal. Ou seja, a partir de 2006, não há mais prisão de usuário de droga no Brasil. Quem é flagrado na posse de entorpecente é encaminhado para o registro de ocorrência, e em seguida liberado. Fica apenas o registro legal para fins de posterior aplicação de medidas como prestação de serviços ou atividades de reeducação.

Pois bem. Já se passaram mais de 6 anos desde a implantação desta profunda alteração no regime legal dos usuários de droga. Quais foram os resultados sociológicos desta alteração? Ocorreu diminuição do consumo de drogas ou do tráfico? E entre os jovens, diminuiu ou aumentou o consumo?

A reforma proposta não contém uma vírgula sequer sobre estas questões cruciais.

Não apresentam nenhum dado científico ou pesquisa que demonstre a eficácia da alteração legislativa de 2006. Nada!

 Eis os fundamentos da proposta do Senador José Sarney:

A Comissão optou pela tendência mundial mais à frente da nossa lei, descriminalizando o uso próprio e propondo, tal como em outras legislações modernas, uma certa quantidade de droga para a indicação do uso próprio, a ser estabelecida pela autoridade administrativa competente. É, no entanto, reprimido o uso ostensivo de droga se em locais públicos nas imediações de escolas ou outros locais de concentração de crianças e ou adolescentes, ou na presença destes.

 É um absurdo descriminalizar completamente o porte de droga para uso pessoal, permitir aos dependentes de droga produzir a droga em sua casa, e até mesmo que tragam consigo quantidade de droga equivalente ao consumo de 5 dias.

Este último preceito – trazer consigo o equivalente  ao consumo de 5 dias – copia  dispositivo da lei portuguesa de 2001. Em Portugal a quantidade é a de até 10 dias de consumo.

Nenhum país continental adotou política semelhante. Austrália, Rússia ou EUA, por exemplo.

Esta norma é um incentivo ao tráfico.

Vale relembrar aqui a questão sócio-cultural. Nem a Holanda, nem Portugal – países inspiradores desta aberração – possuem milhares de quilômetros de fronteira com países produtores de droga, como o Brasil.

Imagine como ficarão as áreas de fronteira do Brasil com a Bolívia, Paraguai ou Colômbia. Moradores de regiões próximas poderão se deslocar diariamente para estes países e trazer quantidades de droga, alegando que é para consumo pessoal, quando na verdade serão “mulas” contratadas para esta finalidade.

Se eventualmente apreendidos com meio quilo de cocaína ou maconha, poderão  alegar que é para consumo próprio!! Esta norma não apenas vai incentivar o tráfico, como também a utilização intensiva de mão de obra barata (desempregados, usuários, dependentes, etc.) para servi-lo.

Um traficante poderá alugar um ônibus com 50 passageiros e transportar licitamente 25kg de cocaína  para o Brasil, sem que a polícia possa fazer nada!

Os donos de bocas de fumo não poderiam imaginar uma lei melhor para seu negócio.

Minhas considerações se fundamentam até mesmo em estudos de uma instituição inglesa favorável à liberação das drogas – a Fundação Open Society – com sede em Londres, cujo objetivo institucional é influenciar autoridades inglesas à liberação do consumo de drogas.

Pois bem, até mesmo esta instituição pró-drogas, após pesquisar os resultados da descriminalização em diversos países, constatou o aumento do consumo de entorpecentes entre os jovens, em países que adotaram este modelo de legislação permissiva às drogas.

Interessante observar que os estudos científicos apresentados revelam que as causas mais diretas para o consumo de droga são:

  • a  situação sócio-econômica precária;
  • a disparidade de renda da população;
  • níveis deficientes de apoio a jovens e à família.

São estes exatamente os problemas sociais brasileiros, que na Holanda ou Portugal são bem diferentes. Nestes países – repito, países que serviram de modelo para a proposta brasileira de liberação de drogas – a população é bem mais envelhecida, e a renda per capita muito superior à do Brasil, assim como a escolaridade e o índice de desenvolvimento humano.

2. Legalizar a exploração econômica da prostituição alheia por grupos organizados e autorizar adulto a manter sexo com menores de até 12 anos de idade.

A reforma propõe a legalização da exploração da prostituição alheia por organizações ou pessoas, ao descriminalizar a figura da casa de prostituição, e reduzir a idade mínima para sexo com menores, de 14 (limite atual) para 12 anos de idade.

Vou tratar estas propostas em conjunto, porque do ponto de vista do tráfico de pessoas e da exploração sexual de crianças e adolescentes as alterações compõe um todo, cujo  resultado será um só: incentivo ao tráfico humano, à exploração sexual de crianças e adolescentes e à pedofilia no Brasil.

O Brasil é um dos principais destinos de turismo sexual no mundo. Tivemos uma CPI no Congresso Nacional sobre o tema. Isto é público e notório, e deveria ser do conhecimento daqueles que elaboraram o projeto de reforma do Código Penal.

O turismo sexual é um atividade organizada, e as casas de prostituição são a face visível de uma grande rede econômica ilícita.

Uma das maiores  fontes de renda das máfias internacionais é a exploração sexual por meio de casas de prostituição. Em 2000, quando coordenei procedimentos investigatórios envolvendo atividades das máfias italiana e espanhola no Brasil, tive a oportunidade de acompanhar interceptações telefônicas realizadas pela polícia italiana que revelavam o portfólio de investimentos do crime organizado europeu:

  • frutas no caribe
  • caça-níqueis na América do Sul; e
  • prostituição em diversos países.

Portanto, consciente ou não, a proposta de reforma do Código Penal brasileiro atende a uma demanda do crime organizado: a legalização da prostituição.

O incentivo ao tráfico de pessoas será uma consequência imediata.

A Holanda é um exemplo vivo. Neste país há farto material de estudo sociológico revelando um resultado direto da legalização da prostituição: o aumento do tráfico de mulheres de países pobres para se prostituirem na Holanda.

Mas não é só isto.

A reforma também permite o incentivo e estímulo à prostituição de adolescentes a partir de 12 anos de idade!!

Só será crime induzir ou instigar à prostituição se a vítima for criança com 11 anos de idade ou menos.

A iniquidade da proposta é patente.

A redução da idade de consentimento sexual de 14 para 12 anos terá um reflexo imediato no turismo pedófilo – do qual o Brasil também é um dos tristes expoentes no mundo: as menores de 12 a 14 anos se tornarão as estrelas da prostituição e exploração sexual. E tudo dentro da lei.

Estaremos atendendo a uma das principais  reivindicações do movimento pedófilo organizado: a autonomia de vontade a menores para praticar sexo com adultos.

Observamos nesta proposta outro achismo da reforma ao propor a redução da idade:

“Além disso, é comum que pré-adolescentes iniciem a vida afetiva aos 13 anos, o que coloca o direito penal atual defasado em relação às alterações de comportamento.”

Esta justificativa nem parece elaborada por juristas. Primeiro, porque não há a figura legal de pré-adolescente, mas apenas criança e adolescente. Segundo porque menciona o início da vida afetiva (sexual) aos 13 anos, mas contraditoriamente estabelece o limite mínimo para o sexo com menores de 12 anos.

Onde estão os estudos científicos, a base sociológica que fundamenta esta afirmação? E as repercussões desta medida face à infância desprotegida? Será que levou-se em consideração as conclusões da CPI da exploração sexual de crianças e adolescentes?

Ao que parece os  elaboradores da reforma buscaram inspiração nos prostíbulos imundos e em ambientes degradados, onde sexo com menores é normal e até incentivado.

Só para comparar, no Canadá a idade mínima para manter sexo com menores é 16 anos de idade, e nos Estados Unidos varia entre 16 e 18 anos de idade, em média. Vale lembrar, que nenhum deles é destino internacional de turismo sexual com menores, como o Brasil.

Uma menina de 12 anos é bem diferente de uma de 14 anos de idade. 2 anos fazem muita diferença no amadurecimento psicológico de uma adolescente. Estudantes do primeiro ano de pedagogia ou psicologia poderiam ter auxiliado os elaboradores do projeto a compreender este dado científico.

Em suma, esta proposta desconsidera o quadro de absoluta violação dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes brasileiras expostas à exploração sexual no Brasil.

Conclusão

Ao invés de combater o mal, propõe-se legalizá-lo.

A proteção da infância e o combate a todas as formas de tráfico humano devem nortear nossas leis.

A mera proposta de legalização da exploração da prostituição ou de sexo com menores, ou ainda a liberação total das drogas, representa um abalo na credibilidade e eficácia da proteção de crianças e adolescentes.

Espero que juristas e cidadãos brasileiros se unam em defesa da infância para impedir a aprovação – sequer análise – destas propostas que ferem de morte a dignidade da pessoa humana.

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Por Dr. Guilherme Schelb – Promotor de Justiça em Brasília (1991-1995), Mestre em Direito Constitucional, Especialista em Segurança Pública com experiência em investigações criminais na América do Sul, EUA e Europa, e Membro Honorário da ANAJURE.

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