ANAJURE emite nota de repúdio sobre invasão à Igreja Nossa Senhora do Rosário, em Curitiba

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A Assessoria Jurídica da Associação Nacional de Juristas Evangélicos – ANAJURE, no uso das suas atribuições, emite à sociedade brasileira a presente Nota de Repúdio decorrente da profanação realizada na Igreja Nossa Senhora do Rosário, em Curitiba.

No último sábado (05/02), ocorreu uma manifestação promovida pelo Núcleo Periférico de Curitiba em protesto pela morte do refugiado congolês Moïse Mugenyi[1]. A ação foi agendada para ocorrer no Largo da Ordem, em frente à Igreja do Rosário.

No entanto, em certo momento, o grupo de manifestantes se dirigiu para o interior da Igreja Nossa Senhora do Rosário, interrompendo uma celebração religiosa em curso[2], conforme relata a nota oficial da Arquidiocese de Curitiba[3].

Notícias locais[4] indicam que a iniciativa foi conduzida pelo vereador Renato Freitas (PT), que aparece em imagens discursando na igreja[5]. Após a invasão pela porta lateral do templo, os envolvidos passaram a proferir discursos e palavras de ordem no local sagrado, constrangendo os fiéis ali presentes, ignorando a solicitação do padre que desejava dar continuidade à celebração da missa.

A princípio, vale mencionar que a Constituição Federal de 1988 assegura a todos a possibilidade de se reunir pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, havendo prévio aviso à autoridade competente (art. 5º, inciso XVI). Contudo, a referida proteção constitucional não confere o direito de tomá-la como base para práticas abusivas.

Nesse sentido, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos estabelece no art. 21 que “o direito de reunião pacífica será reconhecido. O exercício desse direito estará sujeito apenas às restrições previstas em lei e que se façam necessárias, em uma sociedade democrática, no interesse da segurança nacional, da segurança ou da ordem públicas, ou para proteger a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas”.

Nota-se, portanto, que não é possível se utilizar do direito de reunião para transgredir a proteção fornecida a outros direitos. Nesse ponto, é necessário salientar que o ordenamento jurídico brasileiro, especificamente no Código Penal de 1940, prevê os chamados crimes contra o sentimento religioso, assim dispondo:

Art. 208. Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso: Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa. (grifo nosso)

Dessa forma, compreende-se que não é possível que um grupo, sob o pretexto de realizar uma manifestação, dirija-se ao interior de um templo religioso, interrompa uma cerimônia em curso e profane o espaço para proferir palavras de ordem. Longe de configurar legítimo exercício de direito fundamental, trata-se de prática suscetível de sanção penal.

Ressalte-se que a proteção contida no art. 208 do Código Penal de 1940 é uma decorrência do direito fundamental à liberdade religiosa, que, nos termos da Constituição, estabelece ser assegurado “o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias” (art. 5º, inciso VI).

Ainda, é imperioso destacar que o exercício de um direito, qual seja, o da livre manifestação, não pode ocorrer quando se viola outro direito constitucional, essencial à vida humana, que é a liberdade religiosa, bem como o direito a realizar culto. A manifestação poderia ocorrer em outro momento que não o da celebração da missa. A entrada dos manifestantes no interior da igreja no momento da reunião, de modo a proferir palavras ofensivas aos fiéis que ali estavam, conforme as evidência oriundas das imagens e vídeos divulgados nos veículos de mídia social, expõem uma grave violação aos locais de culto e a liturgia religiosa, o que é terminantemente proibido e deve ser combatido.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), por sua vez, assevera no seu art. 18 que “toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos”.

Neste aspecto é importante ressaltar as palavras de Rui Barbosa quanto a relevância da liberdade religiosa: “De todas as liberdades sociais, nenhuma é tão congenial ao homem, e tão nobre, e tão frutificativa, e tão civilizadora, e tão pacífica, e tão filha do Evangelho, como a liberdade religiosa”[6].

Diante da violação ao direito à liberdade de religião e da possível configuração do delito de perturbação de cerimônia religiosa, a ANAJURE manifesta o seu repúdio à profanação, salientando que o exercício de um direito não pode suplantar a prática de outro.

A ANAJURE repudia, ainda, a conduta do vereador Renato Freitas, que, no papel de representante popular, deveria pautar suas ações com base nos ditames constitucionais, mas assim não procedeu. Esse, inclusive, é um dever previsto no art. 3º, inciso V, do Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Vereadores de Curitiba/PR:

Art. 3º. São deveres fundamentais do Vereador, sem prejuízo de outros legalmente previstos:

(…)

V – respeitar e cumprir a Constituição da República, a Constituição do Estado, a Lei Orgânica do Município, as leis e as normas internas da Câmara Municipal;

A conduta de Freitas não observa o compromisso assumido como um representante do povo, no sentido de preservar a democracia e a harmonia no tecido social, conforme se vê no artigo 8º do Código municipal supramencionado.

Ademais, a versão do vereador[7] contraria a versão oficial da nota da Arquidiocese e com as imagens veiculadas na mídia. Tal medida, além de indecorosa, requer do Conselho de Ética e Decoro a análise da conduta, para avaliar a possibilidade de aplicação de penalidade ao vereador.

Ex positis, a Associação Nacional de Juristas Evangélicos – ANAJURE se posiciona nos seguintes termos:

a) Repudiando a invasão à Igreja Nossa Senhora do Rosário, ao sustentar que o ato de profanação do culto, de forma intolerante, agressiva e desrespeitosa, viola a proteção constitucional à liberdade religiosa;

b) Comunicando o envio de ofício para o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara de Vereadores de Curitiba, com solicitação de análise da conduta do vereador Renato Freitas, de modo que, inclinando-se o entendimento do Conselho nesse sentido, seja aplicada a penalidade devida ao vereador.

Brasília-DF, 07 de fevereiro de 2022.

 Assessoria Jurídica da ANAJURE

Dra. Edna V. Zilli
Presidente da ANAJURE

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[1] Disponível em: https://www.plural.jor.br/noticias/vizinhanca/curitiba-tera-ato-em-memoria-de-moise-mugenyi-neste-sabado-na-igreja-do-rosario/. Acesso em: 07 fev. 2022.

[2] Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/vereador-do-pt-lidera-invasao-de-igreja-catolica-durante-missa/. Acesso em: 07 fev. 2022.

[3] Disponível em: https://www.instagram.com/p/CZrdTqhrfij/?utm_medium=copy_link

[4] Disponível em: https://xvcuritiba.com.br/video-vereador-do-pt-comanda-invasao-na-igreja-do-rosario-em-curitiba-e-acabam-com-missa-2/. Acesso em: 07 fev. 2022.

Disponível em: https://tribunapr.uol.com.br/noticias/curitiba-regiao/vereador-de-curitiba-lidera-invasao-a-igreja-durante-a-missa-em-protesto-antirracismo/. Acesso em: 07 fev. 2022.

[5] Disponível em: https://www.instagram.com/p/CZnbhIbFGCd/7. Acesso em: 07 fev. 2022.

[6] BARBOSA, Rui. O Papa e o Concílio. Obras Completas de Rui Barbosa, Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, v. 4, 1977. p 419.

[7] Disponível em: https://www.instagram.com/tv/CZrnwIeg05q/?utm_medium=copy_link