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Ajustes finais quanto às relações entre o ensino, a religião e a ciência
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Esta é a quarta e última parte da análise completa da reportagem “Criacionismo ou evolução? Papel da religião é debatido nas escolas”[1], publicada pela Revista Galileu. Depois de demonstrarmos a importância do ensino religioso, tecer alguns comentários sobre a relação entre o poder público e a religião e revertermos a falácia do suposto conflito ciência versus fé, chegamos ao último trecho do artigo comentado.
Nesta seção, o autor do referido texto (i) traz uma abordagem pedagógica que entende ser o modelo que melhor privilegia a diversidade e valoriza a verdade e a moral de cada povo; (ii) arremata a (pseudo)disputa entre a razão e a crença, dando a vitória àquela primeira; e (iii) pesa a ironia e usa da pragmática, enquanto artifício linguístico, para culpar a religião pelo atraso no desenvolvimento da sociedade brasileira. Analisaremos ponto a ponto.
(I) Abordagem Pedagógica que privilegia a diversidade:
Embora a diversidade seja um dado social empírico e facilmente verificável, com o qual os indivíduos terão de lidar, gostando disso ou não, e ainda haja outros termos importantes a se analisar, mas que não são o objetivo do presente comentário, como pluralismo, multiculturalismo, interculturalismo, etc., o detalhe, neste momento, são os pressupostos da forma pela qual tais assuntos são tratados no relato apresentado pela reportagem citada.
Relata uma discussão colegial sobre o clássico “Divina Comédia”, na qual “Ao longo da aula, os estudantes estarão livres para levantar discussões sobre ética e moral”. Caracteriza isto como uma abordagem pedagógica antroposofista, segundo a qual “a religião é uma questão democrática” e, portanto, “os alunos aprendem as mitologias grega, nórdica, egípcia e chinesa antes de chegar às crenças monoteístas e à ciência”, pois, inobstante a antroposofia tenha raiz cristã, “não há ensino de dogmas de nenhum gênero”.
Sim, levantar discussões sobre ética e moral com alunos entre 14 a 17 anos é algo importante. Sim, ajuda-los a aumentar sua maturidade cultural e espiritual, para que possam tomar suas decisões livres é essencial. Sim, as escolas não-confessionais devem ser o máximo neutras possível quanto à apresentação dos conteúdo e das diversas correntes interpretativas da realidade em sala de aula. Sim, o compromisso de uma escola não-confessional não deve ser o ensino de dogmas religiosos – sobre este relação em escolas confessionais, detalharemos em outro momento.
Entretanto, é preciso destacar que não há como professores serem neutros em salas de aulas, pois eles são pessoas críticas e pensantes e o processo de aprendizado da cultura por meio da educação pressupõe uma bagagem de vida e conhecimento a ser transmitido, razão pela qual o compromisso do docente deve ser com a honestidade intelectual e não com a imparcialidade das opiniões, sendo este um dos principais pontos de tensão sobre o projeto do “Escola sem Partido”.
Neste sentido, o próprio autor do texto comentado, a abordagem pedagógica, a escola e o professor deixam a entender os seus pressupostos pedagógicos: um materialismo iluminista antimetafísico e antirreligioso, ao fazer uma escala evolutiva desde uma época fantasiosa (“mitologias grega, nórdica…”) até o ápice da iluminação científica – como se esta não precisasse de dogmas e convenções para ser explicada e a religião, especialmente o cristianismo, não tivesse uma explicação racional ou mesmo prescindiste desta para explicar a realidade da vida. Defendem, portanto, que não há ensino de dogma, mas a verdade é que há sim dogmas filosóficos.
Outrossim, a obra “Divina Comédia” é considerado pela quase totalidade dos pesquisadores, literários e estudiosos um marco na historiografia humana e um dos maiores clássicos da literatura mundial. Dito isto, sejamos sinceros… quantos alunos brasileiros, independente da classe socioeconômica, entre 14 a 17 anos, têm maturidade pessoal suficiente para fazer uma leitura livre e levantar suas próprias discussões sobre ética e moral tomando por base um texto tão rico e complexo? Certamente uma minoria bem reduzida! Ainda mais considerando a baixíssima qualidade da educação brasileira, conforme o ranking atual do Fórum Econômico Mundial[2].
A presente crítica não é direcionada à postura da escola, do professor ou da teoria de ensino aplicada, que podem ter qualquer postura, desde que não seja ilegal, pois a Constituição Federal garante o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas (art. 208, III) e ai de nós se não fôssemos a favor da pluralidade, diversidade, liberdade e democracia. Entretanto, o que é inaceitável é que o autor do presente texto comentado ponha esta postura como padrão ideal de neutralidade filosófica, quando, na verdade, é uma abordagem materialista, relativista e contrária a absolutos.
Ademais, é oportuno reforçar que, diferente do que se poderia supor, a diversidade não deve ser objetivo a ser perseguido, mas sim, a liberdade (no caso, a liberdade religiosa), que é o direito humano fundamental, consagrado nos textos legais desde séculos passados. Na medida em que os indivíduos (a) respeitam a religião, crença e consciência alheia, sem constrangimentos reprováveis; (b) denunciam práticas religiosas que afrontam a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais; e (c) impõem a tolerância para com o diferente como um padrão de comportamento; a diversidade, em meio às discordâncias democráticas, éticas e saudáveis, será um efeito natural percebível (e desejável) na sociedade.
Assim, portanto, a abordagem pedagógica antroposofista é válida dado a liberdade pessoal e institucional, mas a escola, os profissionais e os comentaristas precisam ser claros com os clientes, pais e alunos, que, por sua vez, devem ser maduros para compreender estas considerações.
(II) Prevalência da razão sobre a crença:
Para encerrar o assunto com “chave de ouro”, o autor cita o astrofísico Neil deGrasse Tyson – “o bom da ciência é que ela continua sendo verdade mesmo que você não acredite nela” – e Roseli Fischmann – “Há o medo de que, ao ter acesso a certos conhecimentos, os fiéis possam escapar das mãos da religião. As religiões precisam ter um pouco mais de fé nelas mesmas”.
Entretanto, ele esquece (ou não sabe, ou não leva em consideração propositadamente) todo o background histórico, detalhado no último comentário que publicamos desta série (parte 03), e que o desenvolvimento da ciência moderna só foi possível graças aos esforços de crentes diligentes e que traziam implicações práticas a sua fé, motivando até mesmo a revolução industrial, que deu o maior boom de progresso de qualidade de vida do ocidente.
Estas opiniões de que os fiéis debandarão a sua fé quando descobrirem o mundo mágico da ciência são falácias que só agregam três tipos de pessoas: (a) aqueles que nunca creram realmente, visto que a fé não deve ser superficial, mas uma convicção íntima e forte; (b) aqueles que não sabem realmente no que e porquê creem, sendo, portanto, levados por qualquer sofisma; e (c) aqueles que desconhecem os meandros do progresso científico, como as falhas, as contradições, os eventos inexplicáveis, e repousam sobre ele uma segurança que não pode garantir. E isto é verdade, especialmente, no que tange à fé cristã no Deus criador, imanente e providente.
Pelo exposto, podemos parafrasear Neil deGrasse Tyson: o bom do cristianismo é que ele continua sendo verdade mesmo que você não acredite nele.
(III) Culpar a religião pelo atraso no desenvolvimento brasileiro:
Quase como um anexo ao texto, o autor coloca a seção “PAPAI DO CÉU NA REUNIÃO DE PAIS”, onde coloca uma linha do tempo demonstrando que “Faz quase 500 anos que a religião está, de alguma forma, no currículo oficial das escolas públicas brasileiras”.
Olhando os dados, podemos inferir alguns pontos que passaram desapercebidos pelo autor:
(a) não havia ensino formal nas terras recém-descobertas antes da fundação da escola pelos jesuítas, em 1549, trazendo mais erudição e expectativas de desenvolvimento;
(b) a catequização, em si mesmo, não é algo a ser combatido, pois ela faz parte da liberdade religiosa de proselitismo da fé católica, inobstante tenham havido erros nesse processo histórico que devem ser rechaçados;
(c) os portugueses imergiram o território que seria o Brasil em uma rota de desenvolvimento que inexistia antes e, para tanto, precisaram carregar a parte religiosa da sua cultura;
(d) a fato da religião católica apostólica romana ser a confissão oficial do primeiro império brasileiro é uma expressão da cultura ordinária naquele momento histórico, não sendo de forma alguma uma agressão (1824), mesmo não sendo este um status jurídico ideal;
(e) a laicização do ensino (1891 – 1988) acompanha a progressiva secularização da sociedade brasileira, mas, de modo algum, obstaculiza a liberdade religiosa, que alcança o seu ápice na constituição atualmente em vigor; e
(f) o acordo realizado entre o Brasil e a Santa Sé, em 2008, não altera a Constituição Federal, mas o parágrafo1º, do artigo 11 prevê que “O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação” e isto está em completa consonância com as demais normas nacionais e internacionais, assim como os Direitos Humanos Fundamentais.
Neste sentido, é um fato atestado por vários relatórios nacionais e internacionais que há algumas décadas a educação brasileira continua sendo pífia a irrelevante no cenário mundial, ficando atrás de países de igual ou pior desenvolvimento sócio-econômico, conforme o próprio relatório supracitado do Fórum Econômico Mundial, porém é muito precipitado acusar o ensino religioso ou mesmo a presença de pressupostos ou dogmas de fé (declarados ou não) de serem os culpados disto.
Na verdade, uma olhada na história da educação europeia e americana verá que quanto mais foi valorizado o esforço científico de busca pela verdade real atrelado às noções de espiritualidade e fé (especialmente a de ordem cristã), houve um crescimento exponencial qualitativo na atividade desempenhada e no resultado obtido. Vide, por exemplo, os resultados de destaque mundial de instituições vinculadas à fé, como, por exemplo, as universidades de Harvard, Cambridge e Oxford, localizadas em cidades inteiras erigidas ao redor de igrejas e que têm influenciado e sustentado o pensamento da civilização ocidental nos últimos séculos.
Por todo o exposto não apenas neste comentário, mas na tetralogia escrita e publicada, é forçoso reconhecer que a relação entre religião, ciência e ensino não é de rivalidade, mas sim, de cooperação mútua, inobstante tenham havido alguns percalços na história. Para reconhecer isto, entretanto, é preciso retirar as lentes humanistas e materialistas da leitura da realidade, pois estas não esgotam a vida humana e retiram o fenômeno religioso da equação. Devemos reconhecer que alguns cuidados precisam ser tomados, como, por exemplo, valorizar a liberdade individual e a tolerância, aprender a lidar com a diversidade e ter empatia com o próximo, mas isto não justifica assumir uma perspectiva antirreligiosa, antes, pelo contrário, significa imbuir-se da herança histórica e aprender a lidar com os desafios do presente.
Assim, desfeitos os equívocos da reportagem da Revista Galileu, seguiremos em frente com novos temas nas próximas semanas.
Equipe de pareceristas do PAIEC
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[1] http://revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2017/05/criacionismo-ou-evolucao-papel-da-religiao-e-debatida-nas-escolas.html
[2] A educação primária brasileira está na posição 120 de um total de 138 países analisados, ficando atrás de outros como a Jamaica (nº 50), Índia (nº 57), Equador (nº 74), Serra Leoa (nº 80), Namíbia (nº 106) e Quênia (nº 115)[2]. Quanto à educação superior e o treinamento para o mercado de trabalho, apesar de ter subido para a posição 80, o Brasil está atrás do Cazaquistão (nº 57), Tailândia (nº 62), Romênia (nº 67) e Azerbaijão (nº 78). Para verificação de todos estes e outros dados, vide: http://reports.weforum.org/global-competitiveness-index/competitiveness-rankings/#series=GCI.A.04.02
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