Como cristão turco, Ender Peker está acostumado a enfrentar hostilidade de religiosos mulçumanos, particularmente porque vive no sudoeste conservador da Turquia. Assim, ele ficou chocado, no outono passado, quando um Imã pediu-lhe para assumir a distribuição de comida em um campo de refugiados próximo.
"Ele disse a mim: 'Eu quero que você converse com eles e distribua comida a eles.' Ele estava feliz por me dar essa responsabilidade", Peker contou ao World Watch Monitor.
O "eles" que o Imã se referiu são os Yezidi iraquianos. Como uma religião monoteísta que inclui elementos das antigas religiãos iranianas, cristianismo e islamismo, Yezidis são tão não-ortodoxos que a maioria dos muçulmanos os tem tradicionalmente ridicularizados como "adoradores do diabo". Então quando, juntamente com outros iraquianos fugitivos dos ataques do Estado Islâmico, Yezidis traumatizados escaparam para a Turquia aos milhares, no último verão, eles ficaram com medo de viver entre muçulmanos iraquianos em campos de refugiados estabelecidos pelo governo nacional turco.
Então, a Igreja Protestante Diyarbakir entrou em cena para ajudar os Yezidis logo depois que eles chegaram, muitos vivendo em um parque da cidade. O governo local colocou outros em escolas vazias e edifícios municipais. Membros de igrejas os visitaram, doando cobertores e comida.
Em Agosto, a igreja ajudou o governo local a estabelecer o primeiro campo de refugiados Yezidi em um antigo galpão de avião. Membros doaram 50 grandes tendas que tinham sido usadas em seus acampamentos de verão.
Esta oportunidade foi inesperada para uma igreja turca tão pequena, com apenas 65 membros. Mas começou um processo de reconciliação entre a minúscula comunidade protestante e as autoridades locais que tinham sido desconfiados com a igreja, e até hostis em um passado recente.
"Eles pensaram que nós viríamos oferecer ajuda, e então sair rapidamente. Nós ficamos. Eles nos cumprimentaram por fazermos o que dissemos que faríamos", disse Peker.
Peker é de um grupo de estrangeiros e cristãos turcos provendo ajuda substancial e contínua para os Yezidis. Quase todos os seus esforços de ajuda são canalizados através da Igreja Protestante Diyarbakir, um eixo para o cristianismo evangélico na região. Liderada pelo pastor Ahmet Guvener, a igreja tem ajudado a levantar centenas de milhares de dólares de igrejas turcas e estrangeiras para ajudar os refugiados.
Os Yezidis inicialmente rejeitaram ajuda de trabalhadores do governo na Turquia, devido ao seu trauma persistente dos ataques do Estado Islâmico. Em Julho de 2014, os jihadistas do Estado Islâmico atacaram sua casa histórica do Mt. Sinjar, no norte iraquiano, onde milhares de homens, mulheres e crianças iraquianas da religião Yezidi foram mortos, estuprados e escravizados. Os extremistas consideraram os Yezidis como infiéis que, de acordo com a lei islâmica, deveriam ser mortos.
"Por causa da dor que eles sofreram, eles nos temem. Eles consideram alguém que se chama muçulmano, como um destruidor." Davut Kesen, um coordenador de ajuda do governo aos refugiados, disse ao World Watch Monitor.
Um acampamento Yezidi em Silopi, abrigando umas poucas centenas de famílias refugiadas, está localizada próxima a uma mesquita. Ciente das sensibilidades, o governo local falou ao Imã para não anunciar a chamada para oração da mesquita, em consideração aos moradores do acampamento.
Os cristãos turcos tiveram problemas quando aproximaram-se pela primeira vez dos Yezidi, que mal falavam com qualquer trabalhador do governo, além do mínimo necessário.
"Quando outros membros da igreja e eu estávamos ajudando os Yezidi na primeira montagem das largas tendas no acampamento, eles não falaram conosco", disse Guvener. "Mas quando lhes disseram que nós não éramos mulçumanos, eles imediatamente se abriram. Eles nos abraçaram, sorriram, e até brincaram."
A Igreja Diyarbakir continua a servir os 30.000 Yezidis que se estabeleceram no sudoeste turco. Ela também tem sido capaz de prover comida, roupas, abrigo, utilidades do lar, e outras formas de ajuda para famílias muçulmanas Kurdish, que fugiram da cidade síria de Kobani.
Através desses esforços de ajuda, portas se abriram para os membros da igreja melhorarem sua relação com oficiais na região. Líderes do governo local lhes falaram que estão "profundamente gratos" pela ajuda da igreja, disse Ricardo Pessoa, um voluntário do ministério de ajuda aos refugiados.
Os prefeitos das cidades próximas Kocaköy e Silvan começaram a trabalhar em estreita colaboração com a comunidade cristã. Foi permitido a um grupo estrangeiro de cristãos dar aulas de inglês na escola estatal de ensino médio em Kocaköy e até compartilhar sobre a sua fé, um ato raramente tolerado na Turquia. Os prefeitos têm até feito várias visitas de cortesia à Igreja Diyarbakir.
"Deus nunca causa o mal, mas Ele pode fazer coisas maravilhosas usando a igreja em situações difíceis", disse Guvener ao WWM. "Nos últimos oito meses, as atitudes das pessoas para com os cristãos mudaram completamente."
De Agosto a Janeiro deste ano, a Igreja Diyarbakir tem entregado, literalmente, toneladas de comida aos refugiados, incluindo mais de 30.000 quilos de arroz, lentilhas, feijão e vegetais. Eles também forneceram milhares de artigos de vestuário masculino, feminino e infantil.
Membros da igreja também visitaram acampamentos perto da vila de Suruç, perto da fronteira com a Síria. Mais de 120.000 refugiados vivem nessa região sozinhos.
Um passado conturbado
Guvener, um convertido do Islã, supervisiona uma pequena igreja para os padrões ocidentais, mas enorme para os padrões protestantes turcos, onde a média das congregações é entre 20 e 30 membros. A maioria, ex-muçulmanos.
A Igreja Protestante Diyarbakir está localizada no distrito historicamente cristão da cidade de Lalebey. As ruas estreitas revestidas de tijolos tornam viagens de carro quase impossíveis. Ela fica bem em frente à comunidade da Igreja ortodoxa síria Virgem Maria. Guvener mantém uma boa relação com o padre local, Fr. Yusuf Akbulut.
O aquecimento das relações entre o funcionalismo turco e os protestantes locais é uma mudança surpreendente do passado recente. Em 2013, o cidadão americano Jerry Mattix foi colocado na lista negra turca por seu trabalho voluntário com a Igreja Diyarbakir. Ele serviu a igreja por doze anos antes de ter negado um visto, sob o fundamento de que o Estado o considerou uma "ameaça à segurança nacional".
De 2011 a 2013, pelo menos seis outras famílias cristãs estrangeiras que viviam no sudoeste turco foram deportadas ou tiveram negadas renovações para permissão de residência sem nenhuma razão citada.
O próprio Guvener enfrentou dificuldades com o governo local por mais de uma década. Em 2002, ele foi levado a julgamento em um tribunal criminal por fazer mudanças arquitetônicas "ilegais" no centro do ministério de louvor da igreja de três andares e obstruir um local histórico. Se o juiz não tivesse rejeitado o caso, Guvener poderia ter enfrentado de dois a cinco anos de prisão. Em 2004, o tribunal retirou todas as acusações contra Guvener por abrir uma "igreja ilegal".
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FONTE: World Watch Monitor
TRADUÇÃO: Gustavo Buriti l ANAJURE