O que aconteceu: Decreto n. 16.620, de 06.04.2020, de Porto Velho/RO
Onde: Porto Velho/RO
Quando: 06.04.2020
Provas:
Decreto n. 16.620/2020
PARECER DA ANAJURE
O crescimento do número de pessoas infectadas com o coronavírus tem conduzido governantes país afora à tomada de medidas relativas ao combate da proliferação da COVID-19. Assim, alguns Decretos foram expedidos com imposições relacionadas ao isolamento social. Ocorre que, em determinados contextos, as regulamentações têm extrapolado a proporcionalidade, resultando na violação de direitos fundamentais.
Neste parecer, analisaremos o Decreto n. 16.620/2020, do Município de Porto Velho/RO, especificamente no tocante à disposição referente à proibição dos cultos religiosos. Vejamos:
Art. 3º. Ficam estabelecidas pelo prazo de 30 (trinta) dias, a contar do dia 23 de março de 2020, em todo o território do Município de Porto Velho, diante das evidências científicas e análises sobre as informações estratégicas em saúde, podendo ser prorrogado, conforme Lei Federal nº 13.979, de 06 de fevereiro de 2020 e Portaria nº 356, de 11 de março de 2020, do Ministério da Saúde, as seguintes medidas:
I – a proibição:
(…)
- b) da realização de eventos e de reuniões de qualquer natureza, de caráter público ou privado, incluídas excursões, cursos presenciais, e templos de qualquer culto, com mais de 5 (cinco pessoas), exceto reuniões de governança para enfrentamento da epidemia no âmbito municipal.
Embora a cautela seja a recomendação geral para este período, a disposição acima é excessivamente restritiva ao limitar a quantidade de indivíduos em encontros religiosos ao número de 05 pessoas. Assim, possui o condão de embaraçar atividades realizadas nas igrejas que não geram aglomeração de pessoas, a exemplo das transmissões virtuais dos cultos, adotadas por muitas instituições eclesiásticas como alternativa no contexto da pandemia.
A imposição presente no art. 3º, inciso I, alínea b, do Decreto Municipal n. 16.620/2020 pode fundamentar ações abusivas, como várias ocorridas em estados e municípios brasileiros[1], que resultam no fechamento de igrejas e interrupção de cultos, por parte das autoridades públicas, sem que haja aglomeração ou outro motivo de justifique.
Há, portanto, implicações diretas quanto ao exercício da liberdade religiosa. Neste ponto, mencione-se que a referida liberdade, assim como outros direitos fundamentais, podem se sujeitar a restrições, sendo imprescindível, no entanto, que, dentre outros aspectos[2], haja proporcionalidade. Nesse sentido, importante a explicação feita pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU:
O Comité assinala que o artigo 18.º, número 3 deve ser interpretado de forma estrita: não se permitem limitações por motivos que não estejam especificados nele, mesmo quando permitidos como limitações a outros direitos protegidos pelo Pacto, como o direito à segurança nacional. As limitações podem apenas ser aplicadas para os fins com que foram prescritas e têm de estar diretamente relacionadas e ser proporcionais à necessidade específica em que se baseiam. As restrições não podem ser impostas com propósitos discriminatórios ou aplicadas de uma forma discriminatória[3].
No caso sob análise, ante a delimitação de número máximo de 05 pessoas, temos configurada a ausência de proporcionalidade e a consequente violação ao direito fundamental à liberdade religiosa, assegurado à população por meio do art. 5º, inciso VI, da CF/88. Ao possibilitar que cultos sejam embaraçados, o Decreto n. 16.620/2020 também colide com a previsão constitucional referente à laicidade estatal (art. 19, inciso I, CF/88), que veda aos entes federativos obstruir cultos ou igrejas.
Ex positis, a ANAJURE entende pela inconstitucionalidade do Decreto n. 16.620/2020, em virtude da limitação excessiva e desproporcional do direito à liberdade religiosa, e pela incompatibilidade do disposto com a laicidade estatal.
Por fim, comunicamos que estabelecemos contato com as autoridades de Porto Velho/RO para tratar da matéria, recomendando a modificação do Decreto Municipal.
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[1] https://anajure.org.br/interrupcao-de-transmissao/; https://anajure.org.br/caso-06-joao-monlevade-mg-liberdade-religiosa/; https://anajure.org.br/caso-07-forquilhinha-sc-liberdade-religiosa/; https://anajure.org.br/caso-10-luis-correia-pi-liberdade-religiosa/
[2] Conforme pode se ver aqui: https://anajure.org.br/nota-publica-combate-ao-coronavirus-e-a-protecao-da-liberdade-religiosa/
[3] Comentário Geral n.22, Comité de Direitos Humanos da ONU.