O que aconteceu: Publicação de Decreto determinando lockdown sem qualquer ressalva às atividades religiosas que não geram aglomeração.
Onde: Pernambuco.
Quando: 11 de maio de 2020.
Provas: Decreto n. 49.017/2020
Parecer da ANAJURE:
A princípio, ressaltamos que a ANAJURE entende que a situação da saúde pública e privada em Pernambuco é de extrema gravidade – e por isso mesmo – concordamos com as medidas tomadas pelo Poder Público – para este momento -, mas entendemos também que as liberdades civis fundamentais não podem ser mitigadas ao arrepio da Constituição Federal e das demais leis vigentes no país.
O Decreto nº 49.017/2020, de 11 de maio de 2020, do Estado de Pernambuco, dispõe “sobre intensificação de medidas restritivas, de caráter excepcional e temporário, voltadas à contenção da curva de disseminação da Covid-19”. Dentre essas medidas, destaca-se a restrição à circulação de veículos e pessoas, prevista no art. 3º:
Art. 3º Fica estabelecida, no período de 16 a 31 de maio de 2020, a restrição de entrada, saída e circulação de veículos e pessoas nos municípios de Recife, Olinda, Camaragibe, São Lourenço da Mata e Jaboatão dos Guararapes. § 1º Apenas será admitida a circulação de veículos e pessoas que estejam em deslocamento para os fins de:
I – atendimento de necessidades essenciais de aquisição de gêneros alimentícios, medicamentos e produtos de higiene;
II – obtenção de atendimento ou socorro médico;
III – prestação ou utilização de serviços bancários ou atividades análogas;
IV – deslocamento ao aeroporto e terminais rodoviários;
V – desempenho de atividades e serviços considerados essenciais, indicados no Anexo I.
Assim, no período de 16 a 31 de maio, será permitida a circulação de veículos e pessoas, nos cinco municípios citados, apenas para as finalidades previstas no § 1º do artigo 3º, cujo inciso V faz referência a atividades e serviços considerados essenciais.
Em consulta ao Anexo I do Decreto nº 49.017/2020, vê-se que, dentre os 33 incisos elencando atividades essenciais, não há sequer menção ao exercício do direito fundamental à liberdade religiosa, constitucionalmente consagrado no art. 5º, VI.
Ora, é de conhecimento geral que, diante da suspensão temporária e excepcional das celebrações religiosas presenciais, a fim de evitar aglomerações e contribuir com as medidas para a contenção da curva de disseminação da Covid-19, o direito à liberdade de religião ou crença tem sido exercido por meio da realização de reuniões e cultos na modalidade eletrônica, através de “lives” e transmissões ao vivo nas redes sociais, mediante a prestação de serviços de assistência religiosa e capelania, bem como por meio de auxílio prestado aos necessitados, em campanhas de arrecadação de itens essenciais.
Em razão de diversos elementos de ordem estrutural e logística, há a necessidade de realização das cerimônias religiosas nos espaços dos templos: por exemplo, a presença de instrumentos musicais, o isolamento acústico existente nos locais de reunião, a disponibilidade de conexão via internet de maior velocidade, necessária às transmissões ao vivo, o suporte das equipes de mídia a líderes que não têm habilidade para manejar tecnologias, dentre outros fatores.
Quanto aos serviços de assistência religiosa e capelania, estes se revelam essenciais para o auxílio aos membros das comunidades da fé e a toda a sociedade. Nesta conjuntura de incertezas e medos, não pode ser esquecida a necessidade de oferta do suporte espiritual a qualquer pessoa que o solicite.
Da mesma forma, as ações de cunho social e filantrópico são cruciais, mormente em face das sombrias repercussões econômicas e sociais da pandemia e do chamado das comunidades de fé para demonstrações práticas de amor ao próximo.
Como no rol de atividades e serviços considerados essenciais – Anexo I – não há qualquer ressalva que proteja o exercício da liberdade religiosa, existe o risco de que ministros e líderes religiosos sejam impedidos de se deslocar para realizar (i) a gravação ou transmissão das cerimônias religiosas; (ii) serviços de capelania e assistência religiosa; e (iii) ações de cunho social e filantrópico.
Neste ponto, é fundamental ressaltar que as medidas de prevenção podem gerar alguma espécie de restrição à liberdade religiosa, mas não devem esvaziá-la, uma vez que se trata de direito fundamental protegido em diplomas diversos, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. 18), o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 18) e a Constituição Federal/1988 (art. 5º, VI).
Assim, é evidente que o Decreto do Estado de Pernambuco incorre em grave omissão, visto que não resguarda a execução de atividades inerentes à liberdade religiosa, como as citadas acima, e que não geram aglomeração, sendo passíveis de realização com a devida observância das normas de higienização.
Destaque-se, ainda, que o Decreto Estadual n. 49.017/2020 possibilitou a transmissão de aulas, sob os seguintes termos:
ANEXO – ATIVIDADES ESSENCIAIS
XXVII – preparação, gravação e transmissão de aulas pela internet ou por TV aberta, e o planejamento de atividades pedagógicas, em estabelecimentos de ensino;
Desse modo, entendemos que a ressalva que alcança a ministração de aulas também deve se aplicar aos cultos, missas e demais cerimônias de mesmo teor.
Diante do aduzido, considerando que as cerimônias religiosas, a prestação de assistência religiosa, os serviços de capelania e as ações de cunho social e filantrópico constituem elementos do núcleo essencial do direito à liberdade religiosa, sugerimos a modificação do Decreto para que conste no Anexo I (rol de atividades essenciais) um novo inciso com esta redação:
XXXIV – preparação, gravação e transmissão de cerimônias religiosas pela internet ou por TV aberta, em templos ou outros locais destinados a esse fim, prestação de serviços de assistência religiosa e de capelania e realização de ações de cunho social e filantrópico.
Ex positis, a ANAJURE conclui (i) alertando para a inconstitucionalidade da atual redação do Decreto n. 49.017/2020, do Estado de Pernambuco, em virtude de sua omissão em relação à liberdade religiosa; (ii) sugerindo a modificação da norma para que sejam excepcionadas as cerimônias religiosas transmitidas virtualmente, a assistência religiosa, a capelania e as ações de cunho social e filantrópico, possibilitando o deslocamento dos líderes e ministros religiosos para a respectiva atividade; (iii) informando que, na manhã de hoje (12/05), oficiou o Governo do Estado de Pernambuco sobre a matéria.
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Atualização em 13/05: O Governador do Estado de Pernambuco, Paulo Câmara, entrou em contato com o líder da Bancada Evangélica no Estado, o Deputado Cleiton Collins, para comunicar que na próxima sexta-feria (15) será emitido um novo decreto acerca do lockdown na região.
Desta feita, o documento considerará os ajustes que foram propostos pela ANAJURE, conforme ofício número 226, protocolizado pelo coordenador estadual da ANAJURE em Pernambuco, Dr. Eduardo Azevedo, no intuito de que a liberdade religiosa esteja garantida.
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Atualização em 15/05: O Governador do Estado de Pernambuco, Paulo Câmara, emitiu novo decreto (veja aqui) com as reformulações propostas pela ANAJURE.
Ontem (14/05), o pleito da ANAJURE foi atendido, por meio do Decreto n. 49.024/2020, que inseriu no anexo de atividades essenciais a preparação, transmissão e gravação de cerimônias religiosas. Abaixo, a transcrição do inciso que foi adicionado:
XXXVII – atividades de preparação, gravação e transmissão de missas, cultos e demais celebrações religiosas pela internet ou por outros meios de comunicação, realizadas em igrejas, templos ou outros locais apropriados.
A ANAJURE congratula o Governo do Estado de Pernambuco pela prontidão em alterar o Decreto n. 49.017/2020 e, deste modo, resguardar a necessária proteção da liberdade religiosa.
Leia a notícia sobre o novo decreto aqui.