Realizado entre os dias 7 e 8 deste mês em Canoas/RS, o XIV Fórum de Teologia da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) teve como tema central “Cristianismo e Estado Laico: Tensões e Interlocuções na Contemporaneidade” e reuniu cerca de 250 pessoas em suas palestras. Entre os convidados do evento estiveram o Dr. Jean Regina (Diretor de Assuntos Institucionais da ANAJURE), que ministrou sobre Estado laico ou laicista? O estatuto da dimensão espiritual da existência, e o Dr. Thiago Vieira (Diretor de Assuntos Denominacionais da ANAJURE), que falou sobre o tema Imunidade Tributária das Organizações Religiosas.
Buscando aclarar conceitos errôneos de laicidade, liberdade religiosa e demais temas ligados à questão, o Dr. Jean Regina apresentou o panorama mundial do desaparecimento da dimensão espiritual da arena pública, de onde a fé foi repelida para ter influência apenas na prática privada, tanto no contexto internacional quanto na realidade brasileira: "A partir do momento em que não há mais o reconhecimento da soberania de Deus sobre o mundo e o homem, sendo Ele a fonte do poder supremo, e fazendo o poder emanar 'de baixo', do povo, ou seja, do próprio homem, uma série de princípios de Direito Natural são agredidos. A secularização crescente dos últimos três séculos, especialmente com a ruptura traumática da Igreja e Estado na França, foi outorgando ao mundo junto com os valores de republicanismo e democracia um conceito de 'laicidade' antirreligiosa, de hostilidade e pouco ou nenhum reconhecimento à dimensão espiritual da existência humana. Paralelamente, o processo de formação dos Estados Unidos da América trouxe um outro modelo de laicidade com reconhecimento e proteção ao pleno exercício da religiosidade, embora se consagrasse a neutralidade do Estado quanto à profissão de uma fé oficial. Por fim, o Brasil, ainda em processo de consolidação de sua democracia, também busca responder à questão da laicidade enquanto processo conciliador de sua história de tolerância e espírito brando de seu povo à multiplicidade religiosa, embora com vozes fundamentalistas e integristas que querem tensionar o tema “religião” a um processo dialético cultural, opondo lados e construindo um ambiente de hostilidade ao elemento religioso como sendo espinhoso demais para uma convivência sadia."
Em mesa redonda com o Prof. Jorge Trindade (Livre docente da ULBRA e Doutor em Direito e Psicologia) e com a Dra. Maria Aparecida Silveira (coordenadora da Faculdade de Direito da ULBRA – Canoas), o Dr. Thiago Vieira abordou acerca da Imunidade Tributária das Organizações Religiosas – suporte civil ao conceito “templos de qualquer culto” da Constituição da República. Ele sustentou que o suporte da imunidade é, muito antes de qualquer benefício do Estado para com as religiões, o reconhecimento da natureza metafísica da religião – e, portanto, da dimensão espiritual da existência humana. "Assim sendo, o Estado se vê limitado à dimensão material da vida, regulando o convívio social e tendo sobre o povo que o constitui o direito à exação fiscal para o fim de cumprir sua missão institucional que é a promoção do bem comum. Por sua vez, a Igreja, enquanto organização que se preocupa com o sentido metafísico da vida humana, age em esfera distinta à do Estado, onde este não pode agir, posto que não conhece esta esfera e não é competente para se pronunciar a respeito ou regular as relações humanas quanto a esta dimensão da vida. Desta forma, a Igreja existe em igualdade de condições com o Estado na busca de seu fim institucional, que também o bem comum, embora na dimensão espiritual. Por conta disto, o fundamento da liberdade religiosa se vê claramente posto na imunidade tributária, que é o primeiro e mais importante sinal da laicidade do Estado, sem a qual voltaríamos ao Estado confessional ou viveríamos o Estado ateu, o primeiro marcado pela interferência direta do Estado na dimensão espiritual da vida e o segundo pela negação da existência de tal espaço. É graças à imunidade tributária que o Estado não poderá embaraçar o livre exercício da fé, marcando, assim, o conceito adequado de Laicidade onde há neutralidade religiosa do Estado, e proteção à expressão religiosa de seus cidadãos", afirmou o Dr. Thiago.
Dra. Maria Aparecida fixou os elementos de direito em jogo, situando os presentes quanto aos direitos fundamentais que são tutelados no exercício da construção da democracia a partir da liberdade religiosa. O Prof. Jorge Trindade buscou trazer os fundamentos hermenêuticos e exegéticos que o julgador deve levar em consideração ao conhecer dos temas relacionados à religião quando suscitado o conflito entre jurisdicionados.
Ao longo do Fórum aconteceram ainda diversas abordagens teológicas sobre as tensões existentes, buscando adequar conceitos e reconhecer as necessidades de uma maior interlocução da Teologia com a sociedade para que seus valores possam ser conhecidos e carregados nas normas jurídicas.