Dr. Uziel Santana fala sobre o lançamento institucional da ANAJURE na Revista Teologia Brasileira das Edições Vida Nova.
Presidente da ANAJURE e autor do livro “Um Cristão do Direito num País Torto” (Editora VINACC, 2012), o Dr. Uziel Santana é ainda jurista, conferencista, professor efetivo da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e professor visitante da Facultad de Derecho da Universidad de Buenos Aires. No próximo ano, estará defendendo em Paris na prestigiosa École des Hautes Études en Sciences Sociales – curiosamente a mais importante escola acadêmica de formação da intelectualidade esquerdista, homossexual, feminista e abortista do mundo pós-moderno – sua tese sobre a passagem da cosmovisão de “deveres humanos fundamentais” para “direitos humanos fundamentais”. Nesta entrevista, ele fala sobre o lançamento institucional da ANAJURE – Associação Nacional de juristas Evangélicos.
1 – Quando e como surgiu a ANAJURE, Dr. Uziel?
Em 2007, no bojo das sérias discussões e preocupações a respeito do PL 122/2006 – que criminalizava toda e qualquer manifestação contrária ao homossexualismo, inclusive apenando, com prisão, pastores, padres, cientistas, jornalistas, e etc., que se posicionassem desfavoravelmente à prática homossexual – juristas evangélicos, em primeiro lugar, do nordeste, começaram a discutir a criação de uma entidade que estivesse disposta a defender as liberdades civis fundamentais, em especial, no caso cristão, a nossa liberdade religiosa e de expressão. Isso porque, definitivamente, a possibilidade de aprovação de projetos legislativos como o PL 122/2006 – entre outros – estava levando o nosso país a um cenário típico do mundo islâmico-oriental: um cenário de perseguição ao cristianismo e aos seus valores. O que eu chamo, na mesma perspectiva que ocorreu na Alemanha nazista, de “cristeinfrein”, isto é, a formação de políticas públicas de desconstrução do ethos cristão e de perseguição às instituições e pessoas do segmento cristão. Assim, nos últimos 5 anos, esse grupo de juristas começou a se reunir, com adesões de todo o país (agora temos um grupo representativo de mais de 20 estados), e a formatar o que é hoje a ANAJURE. Em 18 de agosto deste ano, em Campina Grande-PB, onde tudo começou durante um dos Encontros para a Consciência Cristã da VINACC, fundamos a nossa associação, sendo que agora no dia 29/11 estaremos fazendo o lançamento nacional da mesma no centro político do país, o Congresso Nacional.
2 – O que pretende a ANAJURE e quais são os seus objetivos institucionais?
Os nossos objetivos institucionais estão claros: defenderemos, a qualquer preço, as liberdades civis fundamentais, em especial, a liberdade de expressão, a liberdade religiosa, a liberdade de imprensa e as garantias típicas de um Estado Democrático de Direitos que visam à não intromissão do Estado nos assuntos de ordem privada e familiar. Poucos sabem, mas, historicamente, a formação do próprio Estado Democrático de Direito é uma das conquistas do cristianismo, em especial, do protestantismo. Foram os padres da Escola de Salamanca, nos séculos XIV e XV, e, ato contínuo, os reformadores protestantes do século XV que, em teoria e na prática, estabeleceram os princípios e preceitos gerais do que modernamente se convencionou chamar de direitos humanos fundamentais. Assim, é nesta mesma linha que a ANAJURE contribuirá para que, em nosso país, tais valores e princípios não venham a ser mitigados – como de resto se tentou nos últimos anos – ou desconstruídos através de políticas públicas anticristãs e autoritárias, típicas do atual fenômeno latino-americano de (de)formação de democracias totalitárias (terminologia do filósofo da UFRGS, Prof. Dr. Denis Rosenfield).
3 – Nesta mesma linha, Dr. Uziel, vimos que no site institucional da ANAJURE (www.anajure.org.br) o senhor comenta que vocês não apenas defenderão e promoverão os Direitos Humanos Fundamentais, mas também os Deveres Humanos Fundamentais. O que significa isso?
Quando estudamos a história do Estado moderno e dos Direitos Humanos Fundamentais, percebemos que, nitidamente, a Democracia (e os valores que ela enseja), certamente, num mundo – como nós cristãos sabemos – “decaído pelo pecado original”, é a melhor solução política para a vida comunitária. Nesse sentido, as liberdades civis fundamentais dos cidadãos perante o Estado e os seus semelhantes são, de fato, uma grande conquista da humanidade. Conquista essa que deve ser celebrada, respeitada, promovida e defendida, como a ANAJURE pretende. Tal conquista se emoldura como direitos inalienáveis e invioláveis da condição humana. Direitos Humanos Fundamentais esses que dão a possibilidade de qualquer um de nós, livremente, quanto à religião, optar por ser cristão, muçulmano, ateu, agnóstico e etc.; politicamente, de esquerda, de direita, de centro e etc.; quanto ao status civile, casado ou solteiro; quanto à sexualidade, seguir o padrão natural da vida humana ou ser homossexual; quanto à cultura, ser “politicamente correto” ou “politicamente incorreto”, e etc. Ou seja: no Estado Democrático de Direito e sob a égide dos Direitos Humanos Fundamentais, eu posso, livremente, ser o que desejo ser, sem que alguém ou nada me imponha ser o que eu não quero ser. Agora, se tudo isso é bem verdade, e bandeira de luta da ANAJURE, também é certo que – e isso infelizmente, na modernidade e pós-modernidade da humanidade restou esquecido – para com Deus, para com a natureza e para com o meu semelhante eu também, além de direitos fundamentais, tenho Deveres Humanos Fundamentais. Aliás, na própria teoria jurídica dos Direitos Fundamentais, falamos em “gerações” ou “dimensões” do Direito, e a dimensão dessa época pós-moderna é timbrada no princípio máter da “solidariedade”. Nesta dimensão atual, há uma preocupação e respeito maior para com o meio-ambiente, por exemplo. Ora, o que é isso se não o entendimento de que nós seres humanos e cidadãos temos deveres humanos fundamentais seja para com Deus, seja para com a natureza, seja para com a sociedade, seja para com os semelhantes? Infelizmente é aqui que os principais movimentos sociais que trabalham com os direitos humanos falham, porque enfocam apenas a dimensão de direitos, sem se preocupar com a dimensão dos deveres. A ANAJURE, nesse sentido, trabalhará e dará ênfase às duas dimensões, porque a responsabilidade do indivíduo em hipótese alguma pode ser elidida da equação que monta o Estado Democrático de Direito.
4 – Como trabalhará a ANAJURE, nesta perspectiva do que tem nos dito o senhor?
Neste momento, o Conselho Diretivo Nacional está desenvolvendo o que chamamos de Planejamento Sistemático de Atuação, o nosso PSA. Neste planejamento, estarão previstos os programas, projetos e atividades da ANAJURE para os próximos anos, especialmente, tendo em vista a conjuntura política e social do Brasil. Por exemplo, em 2014 e 2016, teremos a Copa do Mundo e as Olimpíadas no nosso país. Eventos desta magnitude, certamente, tem grandes impactos e repercussões, não somente na ordem econômica, mas também social e política. Nesse sentido, sabendo do que tem acontecido, quando da realização de eventos esportivos como esses, em outros países, teremos um programa especial contra a prostituição e violência infanto-juvenil. Não mediremos esforços para proteger nossas crianças e adolescentes do chamado “turismo sexual”. Do mesmo modo, no âmbito econômico e político, desenvolveremos um programa de tolerância zero contra a corrupção, tendo em vista as vultosas somas de dinheiro e interesses que estão circulando no país por conta desses dois eventos. No campo da defesa dos direitos humanos fundamentais, em especial, da liberdade religiosa e de expressão, já instituímos no nosso site a “Petição de Assistência” para todo aquele indivíduo ou instituição que esteja sendo objeto de violação em suas liberdades civis fundamentais. O interessado escreve e subscreve a petição on-line e imediatamente, sem custos de honorários, a ANAJURE abre um procedimento administrativo para apurar o abuso ou violação de direito. A partir disso, tomaremos as medidas jurídicas cabíveis ao caso, seja fazendo a defesa administrativa, seja fazendo a defesa judicial. Além disso, como já temos feito de modo informal nos últimos anos, continuaremos a fornecer pareceres técnicos e propostas legislativas para os deputados e senadores das frentes parlamentares que se coadunam com os objetivos institucionais da ANAJURE. Do mesmo modo, proporemos aos Governos Federal, Estadual e Municipal políticas públicas que visam ao fortalecimento do sistema de liberdades civis fundamentais. Destarte, todos esses são apenas exemplos de atuação da ANAJURE. Quero reafirmar, aqui, que, neste sentido de atuação, a ANAJURE é uma instituição de caráter não-denominacional e suprapartidária. Mais claramente: não somos ligados a igrejas, nem a partidos políticos.
5 – Vimos que já está programado, além do evento de lançamento institucional do dia 29/11 no Congresso Nacional, o 1º ENAJURE (Encontro Nacional de Juristas Evangélicos). Fale-nos um pouco deste evento, Dr. Uziel.
Pois é. O 1º ENAJURE é uma realização da ANAJURE em parceria com a VINACC – Visão Nacional para uma Consciência Cristã, uma das entidades que primeiro fomentou e apoiou o surgimento da nossa associação. Mais informações sobre o ENAJURE pode-se encontrar no nosso site ou no site do 15º Encontro para a Consciência Cristã. O evento será realizado de 09 a 12 de fevereiro de 2013, no Garden Hotel de Campina Grande – PB, com a presença dos principais juristas evangélicos do país, assim como de grandes juristas internacionais que trabalham em instituições parceiras da ANAJURE, como é o caso da Dra. Vilma Balmaceda, dos EUA, uma das conselheiras mundiais da Advocates International, da Dra. Lidia Garcia Torralba, vice-presidente da Federación Inter Americana de Juristas Cristianos e do Dr. Piero Tozzi, representante da ADF – Alliance Defending Freedom para a América Latina. As inscrições são gratuitas e podem ser feitas nos sites da ANAJURE e do Encontro para uma Consciência Cristã.
6 – Falando em entidades internacionais, a ANAJURE já nasce firmando importantes parcerias com entidades congêneres no mundo jurídico cristão, não é mesmo?
Exatamente. Nos últimos cinco anos, temos contatado e trabalhado, antes mesmo da institucionalização da ANAJURE, com juristas cristãos e suas respectivas instituições, de todo o mundo. Foi desta forma que estreitamos os laços com a Alliance Defending Freedom, através do Dr. Piero Tozzi – que é Senior Legal Counsel Global da ADF – e que vem ao Brasil justamente para participar do ENAJURE e estreitar os laços entre as nossas instituições. Da mesma forma o foi com a Dra. Vilma Balmaceda e a Dra. Lidia Garcia Torralba, ambas vinculadas à Advocates International e à Federación Inter Americana de Juristas Cristianos, com o Dr. Nicolás Lafferriere e a Dra. María Ines Frank do Centro de Bioética Persona y Familia da Argentina, dois acadêmicos de grande naipe e com um grande amor pelas causas que são objeto da atuação da ANAJURE. Recentemente, também, recebemos um convite da CSW (Christian Solidarity Worldwide) e da RLP (Religious Liberty Partnership) – as principais entidades que lutaram pela libertação do pastor iraniano Youssef Nadarkhani – através da Dra. Anna Lee Stangl – que é do CSW Advocacy Officer for Latin America – para a ANAJURE ser membro da RLP e participar em 2013 do encontro anual da rede que será em Istambul na Turquia. Com tudo isso, graças a Deus, a ANAJURE já nasce com um importante respaldo internacional para trabalharmos nossas questões em termos de Brasil. Neste sentido, por exemplo, a ADF e o CBPF, a nosso pedido, estão produzindo cartas contestadoras do projeto de reforma do Código Penal a fim de que apresentemos ao Congresso Nacional junto com as nossas propostas para a reforma.
7 – Este ano o senhor publicou o livro “Um Cristão do Direito num País torto”, do que trata a publicação? A ANAJURE, nesse sentido, buscará “endireitar” o nosso país?
Esta é uma simples contribuição nossa ao meio cristão e acadêmico – minha principal área de atuação –, onde analisamos e discutimos assuntos que dizem respeito à realidade jurídico-política do Brasil dos últimos anos. Temas como a maioridade penal, a homofobia, a pornografia, a pedofilia, a família, a pós-modernidade, o laicismo, a fidelidade partidária, os direitos e deveres humanos fundamentais, a objeção de consciência, os valores da sociedade pós-moral em que vivemos, e as ações julgadas pelo STF no campo dos costumes, são estudados e analisados por nós com o objetivo de contribuirmos para o desvelamento de algumas realidades não ditas pela imprensa oficial. Graças a Deus, a aceitação do público tem sido muito boa, de modo que a primeira edição já está praticamente esgotada. Sobre a ANAJURE, não sei se ela buscará “endireitar” o Brasil, o que sei é que tentaremos, com muita humildade e firmeza, lutar pelas liberdades civis fundamentais e pela promoção dos direitos e deveres fundamentais. Esta, certamente, com fé em Deus, será a nossa marca contributiva.