No Dia Internacional dos Migrantes, compreensão ao invés de medo

migrante

Em 18 de dezembro é celebrado o Dia Internacional dos Migrantes. O Dia Internacional dos Migrantes de 2018, intitulado “Migração com dignidade”, reconhece que “tratar todos os migrantes com dignidade é um dos requisitos fundamentais com o qual devemos lidar, antes mesmo de qualquer outra tentativa relacionada à migração”. De fato, essa  dignidade inerente deve ser o princípio fundamental dos direitos e critérios humanos para avaliar leis, políticas e ações governamentais.

Quem é um migrante? Não há uma definição uniforme de um migrante. No entanto, um migrante é geralmente definido como alguém que muda do seu país de residência habitual, independentemente do motivo para fazê-lo. Existe uma diferença entre um migrante e um refugiado. De acordo com a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 (Convenção de 1951 sobre Refugiados), um refugiado é uma pessoa que

“temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual em conseqüência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele”.

Todos os refugiados são migrantes, mas nem todos os migrantes são refugiados. A Convenção dos Refugiados de 1951 impõe várias obrigações aos estados em relação ao tratamento dos refugiados. No entanto, as principais obrigações são muito mais antigas e derivam da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o documento marco que reafirma a dignidade humana para todos em todos os lugares. Por exemplo, no Artigo 14, afirma que “Todo ser humano, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países”. 
A crise dos refugiados afeta pessoas de muitos países. No entanto, a situação daqueles oriundos da Síria, Afeganistão, Iraque, Paquistão, Eritréia, Nigéria, Irã e Ucrânia (e mais recentemente o Myanmar) é a que recebe mais atenção. A crise também afeta uma diversidade de grupos étnicos e religiosos. A única coisa que todos os refugiados têm em comum é que eles se encontraram em zonas de conflito ou  tiveram que fugir para salvar suas vidas em virtude de qualquer outro perigo. Dependendo das circunstâncias individuais, alguns grupos de refugiados podem enfrentar obstáculos extras que os impedem de acessar os serviços necessários disponíveis para os refugiados. Isto é particularmente visível no caso de grupos minoritários.
A ONU estima que o número total de migrantes internacionais aumentou de 175 milhões em 2000 para mais de 244 milhões em 2015. A atual crise de refugiados, a pior desde a Segunda Guerra Mundial, já levou mais de 65 milhões de pessoas a se deslocarem à força e criou outros 22 milhões de refugiados em todo o mundo. Muitos Estados receberam mais refugiados do que sua infra-estrutura é capaz de suportar (confortavelmente). Este é certamente o caso da Alemanha, que recebeu mais de um milhão de requerentes de asilo. Somente em 2016, houve 745.545 pedidos de asilo na Alemanha e mais de 890.000 em 2015. Apesar da generosidade da Alemanha e de outros estados, a demanda por portos seguros para aqueles que fogem das zonas de guerra é muito maior e muito difícil de ser satisfeita.
Em resposta à crise dos refugiados e à falha na resposta, em 17 de dezembro de 2018, a Assembléia Geral da ONU adotou o Pacto Global sobre Refugiados, um modelo que deve fornecer uma resposta robusta e sistemática para enfrentar os desafios vividos pelos refugiados e pelas comunidades anfitriãs. O Pacto Global sobre Refugiados visa aliviar as pressões sobre os países anfitriões, fomentar a autossuficiência dos refugiados, expandir o reassentamento e outros caminhos de admissão, bem como condições de ajuda que permitam que os refugiados retornem a seus países de origem. Este é um desenvolvimento que já era esperado, tendo em vista a situação dos refugiados em todo o mundo e, mais notavelmente, a situação dos refugiados muçulmanos Rohingya em Bangladesh.
Atrocidades genocidas no Myanmar levaram ao deslocamento de mais de 700.000 muçulmanos Rohingya. Esses refugiados fugiram para Bangladesh. Entre aqueles que buscam um refúgio seguro em Bangladesh estão aproximadamente 500.000 crianças Rohingya. Muitos chegam com ferimentos visíveis causados por tiroteios, esfaqueamento ou incêndio, e muitos outros com lesões ocultas na forma de trauma. Muitas das meninas foram vítimas de abusos e violência sexual. Meninos (e também homens) foram sequestrados e levados embora. Eles agora temem ser mortos. Este não é o destino que qualquer pai desejaria para seus filhos. Este não é o destino que alguém iria querer para si mesmo – ser abusado, desumanizado e forçado a fugir.
A curto prazo, os refugiados em Bangladesh precisam de abrigo adequado, alimentação e assistência médica (seja por lesões físicas ou psicológicas). No entanto, a longo prazo, eles precisam de um lugar onde possam reconstruir suas vidas. Atualmente, voltar para casa no Myanmar não é possível por causa das preocupações de segurança. A violência e a perseguição dos Rohingya na Birmânia continuam. O governo myanmarense não é capaz de assegurar que eles podem retornar com segurança. A situação não vai melhorar até que o governo myanmarense finalmente reconheça formalmente os muçulmanos Rohingya como cidadãos e não como imigrantes ilegais. A situação não vai mudar até que todas as minorias tenham garantido o gozo dos direitos em igualdade com a maioria.
O caso dos muçulmanos Rohingya em Bangladesh é um exemplo extremo da atual crise de refugiados. A situação dos refugiados, mas também dos migrantes, requer uma melhor compreensão. As razões para o seu deslocamento nunca são fáceis de entender. O caso dos muçulmanos Rohingya no Myanmar é único, pois mostra como eles têm a sua cidadania negada e são tratados como imigrantes ilegais, sendo submetidos a extrema perseguição, o que acabou resultando em uma campanha genocida contra o grupo minoritário e forçou-os a buscar refúgio em Bangladesh. O caso dos muçulmanos Rohingya no Myanmar é a história de como um grupo erroneamente percebido como imigrantes ilegais se tornou refugiado. A linha é tênue. Compreensão, não medo, é a chave.
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Ewelina Ochab, ativista de Direitos Humanos e autora do livro “Never Again: Legal Responses to a Broken Promise in the Middle East.”
Publicado originalmente em: Forbes

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