Nota de Repúdio à performance La Bête, apresentada no Museu de Arte Moderna de São Paulo durante o 35º Panorama da Arte Brasileira

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Nota.
 

A ANAJURE – Associação Nacional de Juristas Evangélicos – vem, através do presente expediente, expor seu repúdio à performance La Bête, que foi apresentada na abertura do 35º Panorama da Arte Brasileira (27/09), ocorrida no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM). De acordo com reportagens em diversos portais de notícias e vídeo que circula nas redes sociais, durante a citada exposição, uma menina aparece sendo estimulada a tocar um artista que se apresentava completamente nu, deitado de barriga para cima, com a genitália à mostra.

I – Das violações ao regime jurídico constitucional e legal aplicado a crianças e adolescentes:

1.1 A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 227, afirma que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

O ordenamento jurídico brasileiro reconhece a necessidade de proteção especial a crianças e adolescentes, sobretudo em razão de sua imaturidade sexual e cognitiva. Nesse sentido, o Artigo 70 do ECA: “É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente”. Assim, à luz da vulnerabilidade da criança, ainda que o fato em questão conte com o provável consentimento materno, é obrigação da família, da sociedade e do Estado intervirem na defesa do incapaz.

A preocupação com a proteção da infância é demonstrada na proibição de conteúdos impróprios ou pornográficos para crianças e adolescentes, consoante a classificação indicativa. Neste sentido, a Lei nº 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) proíbe a exposição de mensagens pornográficas ou obscenas a crianças e adolescentes (artigos 78 e 79), em razão de sua imaturidade sexual e cognitiva. A violação destas regras importa, em tese, na prática da infração administrativa prevista no art. 257, do ECA.

Neste sentido, elucidativo o julgamento do caso abaixo:

INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. COMERCIALIZAÇÃO DE PERIÓDICO CONTENDO MATERIAL IMPRÓPRIO ÀS PESSOAS EM FORMAÇÃO, SEM AS CAUTELAS DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Comete infração administrativa, periódico que estampa fotografias de mulheres nuas, exibindo exuberantes dotes físicos em poses eróticas, comercializando-as sem as cautelas do caput do art. 78 do Estatuto da Criança e do Adolescente, porque despertada precocemente a sexualidade nas pessoas em formação, sendo potencialmente prejudicial a elas. Recurso improvido. (TJGO. C.M. Ap. Cív. nº 11-9/288. Rel. João Canedo Machado. J. em 16/09/1996).

Poder-se-ia contra argumentar que as disposições do ECA dizem respeito apenas a revistas e periódicos. Contudo, as revistas e publicações são apenas exemplos de canais em que se pode veicular mensagens de conteúdo impróprio. Com isso, queremos dizer que a mesma responsabilidade prevista para editoras recai sobre instituições que promovem, como é o presente caso, exibições artísticas em que se oferece algo mais grave que estampar fotografias de pessoas nuas sem a devida cautela, que é levar a própria criança para interagir com um indivíduo nu, o que pode, seguindo as palavras do julgamento supra, despertar “precocemente a sexualidade nas pessoas em formação, sendo potencialmente prejudicial a elas”.

A apresentação em comento expõe às crianças, que, na verdade, passam a ser protagonistas da apresentação, conteúdo erótico e abusivo. Portanto, é um ato de violência contra dignidade da criança fazer com que ela participe de uma manifestação artística que explora a nudez. Tratar como normalidade a figura humana despida, fora do seu contexto familiar, sem qualquer diferenciação de circunstâncias, em público, pode acarretar danos ao desenvolvimento psicológico e moral do pueril.

1.2 De acordo o ECA, a participação da criança ou adolescente em espetáculos públicos e seus ensaios somente será possível mediante prévia expedição do alvará judicial, ainda que a criança ou adolescente esteja acompanhada ou expressamente autorizada pelos seus pais ou responsável.

Art. 149. Compete à autoridade judiciária disciplinar, através de portaria, ou autorizar, mediante alvará:

II – a participação de criança e adolescente em:

a) espetáculos públicos e seus ensaios;

Portanto, a participação da criança ou adolescente em tais eventos e espetáculos, quando não autorizada pela Justiça da Infância e da Juventude, caracteriza a infração administrativa prevista no art. 258, do ECA, independentemente da autorização ou presença dos pais ou responsável.

A expedição da portaria ou alvará será o resultado de um procedimento judicial instaurado de ofício, pelo próprio Juízo, ou mediante provocação do Ministério Público, Conselho Tutelar ou outro interessado, que seguirá a regra genérica do art. 153, caput, do ECA, sendo obrigatória a intervenção do Ministério Público, inclusive sob pena de nulidade (cf. arts. 202 e 204, do ECA). Embora com maior liberdade de investigação dos fatos, será obrigatória a realização de vistorias e sindicâncias nos locais a serem atingidos pelas portarias e/ou onde serão realizados os eventos que contarão com a participação da criança ou adolescente (inteligência do disposto no art. 149, §1º, alíneas “c”, “d” e “e”, do ECA)[1].

1.3 A exposição contraria, ainda, o disposto na Convenção Sobre os Direitos da Criança, promulgada pela ONU em 1989, que determina: “A criança tem direito a um nível de vida adequado ao seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social”.  Tendo em vista evitar violações no que se refere a um oferecimento de nível de vida saudável, também encontramos que “Nenhuma criança pode ser sujeita a ofensas ilegais à sua honra e reputação” e que “A criança tem direito à proteção da lei contra tais (…) ofensas” (art. 16; 1 e 2).

1.4 Há também implicações de natureza penal que podem ser arguidas neste caso, dado o nível de constrangimento a que se submete as crianças. Vide o artigo 232 do ECA:

Art. 232. Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento:

Pena – detenção de seis meses a dois anos.

Neste tipo penal, o sujeito ativo pode ser o pai, mãe, tutor, guardião, dirigente da entidade de entidade de acolhimento familiar, policial, membro do Conselho Tutelar, Ministério Público ou Poder Judiciário, comissário de vigilância da infância e da juventude, professor, diretor de escola e/ou qualquer outra pessoa que detém autoridade em relação a criança ou adolescente, assim como as pessoas encarregadas de sua guarda (lato sensu) ou vigilância.

Igualmente importantes as disposições a seguir:

Art. 240.  Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente:

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

§ 1º Incorre nas mesmas penas quem agencia, facilita, recruta, coage, ou de qualquer modo intermedeia a participação de criança ou adolescente nas cenas referidas no caput deste artigo, ou ainda quem com esses contracena.

A lei pune com maior rigor aqueles que, prevalecendo-se de sua função ou da relação de parentesco ou proximidade com a criança ou adolescente, a induz à prática das condutas que o dispositivo visa coibir. Em qualquer caso, o eventual “consentimento” da vítima e/ou o fato de já ter se envolvido em situações similares no passado é absolutamente irrelevante para caracterização do crime[2].

II – CONCLUSÃO E ENCAMINHAMENTOS

A arte não pode ser um pretexto para abusar da dignidade humana das crianças e adolescentes, pessoas em desenvolvimento e com fragilidade psicológica. Por essa razão, a ANAJURE, nos conformes do seu objetivo institucional, repudia veementemente qualquer tentativa de induzir uma criança a participar de cenas com nudez explícita, tendo em vista que isso viola os seus direitos enquanto pessoa em desenvolvimento.

Ex positis, o Conselho Diretivo Nacional da ANAJURE – Associação Nacional de Juristas Evangélicos – no uso das suas atribuições estatutárias e regimentais, Resolve:

  • Enviar a presente Nota de Repúdio à administração do Museu de Arte Moderna de São Paulo;
  • Oficiar o Ministério Público do Estado de São Paulo, oficiar a Coordenadoria da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, e oficiar o Conselho Tutelar do Município de São Paulo, a fim de que sejam adotadas as medidas administrativas e judiciais cabíveis;

Brasília, 29 de setembro de 2017

 
Uziel Santana
Presidente da ANAJURE
Augusto Ventura
Diretor Jurídico da ANAJURE
 
____________________________________
[1] DIGIÁCOMO, Murillo José. Estatuto da criança e do adolescente anotado e interpretado. Curitiba, Ministério Público do Estado do Paraná. Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente, 2010.
[2] DIGIÁCOMO, Murillo José. Estatuto da criança e do adolescente anotado e interpretado, para. 981.

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