O Conselho Diretivo Nacional da Associação Nacional de Juristas Evangélicos – ANAJURE, no uso das suas atribuições, emite à sociedade brasileira a presente Nota, sobre as declarações do Ministro André Mendonça sobre os homossexuais.
Na manhã de ontem (03/12), o Ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, pronunciou-se no Twitter sobre o posicionamento cristão perante a homossexualidade. Transcrevemos abaixo as afirmações do Ministro:
Respeito os homossexuais. Aliás, respeito é um princípio cristão! Contudo, isso não significa que o cristão deva concordar ou não possa questionar o homossexualismo com base em suas convicções religiosas. O próprio STF assim reconheceu. Os direitos às liberdades de expressão e religiosa são inalienáveis!!! Por isso não aceito o processo de perseguição a que está sendo submetida a cantora e evangelista Ana Paula Valadão. Espero que a Justiça garanta os direitos desta cidadã brasileira, assim como tem garantido os direitos à liberdade de expressão de quem pensa em sentido contrário.
Mendonça se refere, nas postagens, ao julgamento da ADO 26, relativa à criminalização da homofobia. Na ocasião, o STF ressaltou que a repressão à homofobia não restringe o exercício da liberdade religiosa, nem impede que os religiosos possam se posicionar e pregar em conformidade com seus livros sagrados, vedando-se, apenas, discursos de ódio, incitações à discriminação, à hostilidade e à violência contra pessoas LGBT. Vejamos os termos assentados pela Corte:
A repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe ou limita o exercício da liberdade religiosa, qualquer que seja a denominação confessional professa, a cujos fiéis e ministros (sacerdotes, pastores, rabinos, mulás ou clérigos muçulmanos e líderes ou celebrantes das religiões afro-brasileiras, entre outros) é assegurado o direito de pregar e de divulgar, livremente, pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, o seu pensamento e de externar suas convicções de acordo com o que se contiver em seus livros e códigos sagrados, bem assim o de ensinar segundo sua orientação doutrinária e/ou teológica, podendo buscar e conquistar prosélitos e praticar os atos de culto e respectiva liturgia, independentemente do espaço, público ou privado, de sua atuação individual ou coletiva, desde que tais manifestações não configurem discurso de ódio, assim entendidas aquelas exteriorizações que incitem a discriminação, a hostilidade ou a violência contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero.
Especificamente sobre a liberdade de expressão, o Supremo ainda fixou, na ADO 26, que há espaço no regime democrático para o dissenso, permitindo-se manifestações que gerem discordâncias ou, até mesmo, repúdio por parte da sociedade. Nas palavras do Tribunal:
O verdadeiro sentido da proteção constitucional à liberdade de expressão consiste não apenas em garantir o direito daqueles que pensam como nós, mas, igualmente, em proteger o direito dos que sustentam ideias (mesmo que se cuide de ideias ou de manifestações religiosas) que causem discordância ou que provoquem, até mesmo, o repúdio por parte da maioria existente em uma dada coletividade. O caso “United States v. Schwimmer” (279 U.S. 644, 1929): o célebre voto vencido (“dissenting opinion”) do Justice OLIVER WENDELL HOLMES JR.. É por isso que se impõe construir espaços de liberdade, em tudo compatíveis com o sentido democrático que anima nossas instituições políticas, jurídicas e sociais, para que o pensamento – e, particularmente o pensamento religioso – não seja reprimido e, o que se mostra fundamental, para que as ideias, especialmente as de natureza confessional, possam florescer, sem indevidas restrições, em um ambiente de plena tolerância, que, longe de sufocar opiniões divergentes, legitime a instauração do dissenso e viabilize, pelo conteúdo argumentativo do discurso fundado em convicções antagônicas, a concretização de valores essenciais à configuração do Estado Democrático de Direito: o respeito ao pluralismo e à tolerância.
Logo, a sustentação feita pelo Ministro de que um cristão tem o direito, com base na liberdade religiosa e de expressão, de posicionar-se criticamente a respeito da homossexualidade está albergada pela decisão do STF. Mais do que isso, encontra arrimo, também, nos diplomas internacionais de direitos humanos e na Carta Magna brasileira.
A liberdade de expressão está prevista nos artigos 19, da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) e do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP), e no art. 5º, inciso IV, da Constituição Federal de 1988. Na DUDH, encontramos os seguintes dizeres: “Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão”.
Semelhantemente, a liberdade religiosa também encontra previsão na DUDH (art. 18), no PIDCP (art. 18) e na Constituição brasileira (art. 5º, IV). A Declaração Universal dos Direitos Humanos assim consagra: “Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, penso ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos”.
Percebe-se que esse direito abrange não apenas a convicção interna do crédulo, seus atos pessoais e sua manifestação privada, mas também a dimensão pública, proclamatória e oponível contra quaisquer pessoas, sendo-lhe facultada a liberdade de expressão, manifestação, reunião, ensino, etc.,[1] mesmo quando tais posicionamentos não sejam unânimes. Desse modo, é possível que cristãos e outros religiosos sustentem seus preceitos de fé, inclusive sobre sexualidade, não somente no âmbito de seus templos, mas também na esfera pública. Constituem limites para tais manifestações a incitação ao ódio, a imposição de tratamento vexatório e a prática de agressões. Nesse sentido, no julgamento do Recurso Ordinário em Habeas Corpus n. 134.682/BA, o Ministro Edson Fachin, relator do caso, concluiu que: “no contexto religioso, a tentativa de persuasão pela fé, sem contornos de violência ou que atinjam diretamente a dignidade humana, não destoa das balizas da tolerância”. Ou seja, não há preconceito, nem discriminação se o religioso limitar-se a reconhecer a distinção entre os padrões éticos e morais da religião que professa e aqueles subscritos por quem mantém práticas homossexuais, explanando, na sua visão, o desvio e a inviabilidade na manutenção destas condutas.
No caso sob análise, não se constata, nas palavras do Ministro da Justiça, discurso que extrapole os limites constitucionais, uma vez que Mendonça apenas ressaltou o livre exercício da liberdade religiosa e da liberdade de expressão, explicando que não há óbice ao posicionamento cristão a respeito da homossexualidade, frisando, inclusive, a necessidade de manutenção do respeito no trato de tais temas.
Ex Positis, a ANAJURE salienta que as declarações do Ministro André Mendonça estão em consonância com as normas nacionais e internacionais, bem como com recente decisão do STF, na ADO 26, no que diz respeito à liberdade religiosa e de expressão, além de chamarem atenção para a necessidade de tutela do discurso religioso, do pluralismo e do debate democrático.
Brasília-DF, 04 de dezembro de 2020.
Dr. Uziel Santana
Presidente da ANAJURE
Dr. Felipe Augusto Carvalho
Diretor Executivo da ANAJURE
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[1] MACHADO, Jonatas Eduardo Mendes. Liberdade religiosa numa comunidade constitucional inclusiva. Dos direitos da verdade aos direitos dos cidadãos. Coimbra: Coimbra, 1996.