CASO 40 – Paraná – Liberdade de locomoção

O que aconteceu: Decreto do Estado do Paraná instituiu, diariamente, das 23 horas às 05 horas da manhã, a proibição provisória da circulação de pessoas em espaços e vias públicas.

Onde: Estado do Paraná.

Quando: 1 e 3 de dezembro de 2020.

Documentos: Decreto Estadual n. 6.284, de 1 de dezembro de 2020 e Decreto Estadual n. 6.296, de 3 de dezembro de 2020.

Parecer da ANAJURE

O Decreto Estadual nº 6.284, de 1º de dezembro de 2020, dispôs:

Art. 1º Institui, no período das 23 horas às 05 horas, diariamente, proibição provisória de circulação e aglomeração em espaços e vias públicas como medida de enfrentamento à pandemia da COVID-19.

Art. 2º Excetua-se do previsto no art. 1º a circulação em razão de serviços e atividades essenciais, sendo entendidos como tal todos aqueles definidos no Decreto nº 4.317, de 21 de março de 2020.

Art. 3º Este Decreto entrará em vigor no dia 02 de dezembro de 2020, com vigência de quinze dias, prorrogáveis ou não.

Dias depois, o Decreto Estadual n. 6.296, de 3 de dezembro de 2020, na mesma linha, manteve a restrição de circulação em espaços e vias públicas, das 23h às 05h, ressalvando os serviços e atividades essenciais previstos no Decreto n. 4.317/2020. As limitações ao direito de locomoção foram postas sob a justificativa de se evitar a propagação do coronavírus.

Primeiramente, é imperioso salientar que o direito de ir e vir constitui liberdade fundamental consagrada no artigo 5º, inciso XV, da Carta Magna. Como regra, a liberdade de locomoção é assegurada no território nacional, excepcionando-se apenas os contextos de estado de sítio e de defesa, devidamente instituídos pela União, com base nos artigos 136 a 139 da CRFB, sendo estas as únicas hipóteses nas quais esse direito pode ser flexibilizado.

Também com o objetivo de proteger esse direito, a Convenção Americana de Direitos Humanos estabelece o seguinte:

Artigo 22.  Direito de circulação e de residência

  1. Toda pessoa que se ache legalmente no território de um Estado tem direito de circular nele e de nele residir em conformidade com as disposições legais.
  2. Toda pessoa tem o direito de sair livremente de qualquer país, inclusive do próprio.
  3. O exercício dos direitos acima mencionados não pode ser restringido senão em virtude de lei, na medida indispensável, numa sociedade democrática, para prevenir infrações penais ou para proteger a segurança nacional, a segurança ou a ordem públicas, a moral ou a saúde públicas, ou os direitos e liberdades das demais pessoas.

Como se percebe, o Pacto de São José da Costa Rica expressamente prevê que somente por lei é possível restringir o direito de ir e vir, sendo inviável que um decreto estabeleça essa espécie de limitação.

Ainda que o Supremo Tribunal Federal, na ADI 6341, tenha reconhecido que os estados, o Distrito Federal e os municípios têm competência para legislar sobre medidas preventivas relacionadas ao combate ao coronavírus, isso não importa em poderes ilimitados para estabelecer restrições a direitos fundamentais, violando a Constituição e os tratados internacionais que o Brasil se obrigou a cumprir.

Importante lembrar que a liberdade de locomoção recebe especial tutela porque é, evidentemente, um instrumento indispensável para o exercício de outras liberdades fundamentais. A previsão de permissão excepcional da circulação para a execução de atividades essenciais, por si só, não afasta essa violação, especialmente quando se considera que a medida foi decretada pelo prazo de quinze dias, prevista, ainda, a possibilidade de prorrogação.

Sobre a temática, ao apreciar a Suspensão de Liminar nº 1.315/PR, em decisão monocrática, o Ministro Dias Toffoli, do STF, entendeu que o toque de recolher decretado no município paranaense de Umuarama padeceu de inconstitucionalidade. À época, Toffoli ponderou que: “referidos decretos carecem de fundamentação técnica, não podendo a simples existência da pandemia que ora assola o mundo, servir de justificativa, para tanto”, determinando a suspensão da referida previsão. Ora, se esse raciocínio se aplica a restrições impostas em um município, muito mais razão assiste para considerar indevida a aplicação de restrições impostas em um estado inteiro.

O que se possibilita, no contexto pandêmico, é a restrição de uso de determinados espaços públicos, tomando por base fundamentos sanitários concretos. Não há autorização, contudo, para a desconsideração das diretrizes formais e materiais inerentes aos atos jurídicos e legislativos praticados. Além da patente inconstitucionalidade, decorrente da inobservância dos parâmetros da Carta Magna, a restrição à liberdade de ir e vir não encontra previsão na Lei n. 13.979/2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência decorrente do coronavírus.

 Por todo exposto, a ANAJURE entende como indevida a restrição à liberdade e ir e vir constante no Decreto n. 6.284/2020, e, posteriormente, no Decreto n. 6.294/2020, ambos do Estado do Paraná, diante da inobservância do compêndio normativo de maior força no ordenamento jurídico brasileiro, a Constituição Federal, dos diplomas internacionais e, ainda, da Lei n. 13.979/2020, recomendando a revogação do Decreto expedido. Comunica, por fim, que oficiará as autoridades estaduais sobre a matéria.