[Dr. Tercyo Dutra, Membro da ANAJURE no DF, e Dr. Michael Steffones, Vice-Coordenador da ANAJURE no DF]
Ontem (15), a ANAJURE pleiteou seu ingresso como Amicus Curiae na Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 5581, proposta pela Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep). A Requerente busca, dentre outros pedidos, a declaração de “inconstitucionalidade da interpretação, segundo a qual a interrupção da gestação em relação à mulher que comprovadamente tiver sido infectada pelo vírus zika e optar pela mencionada medida é conduta tipificada nos artigos 124 e 126, do Código Penal”, o que, na prática, significa ampliar as hipóteses legais de aborto.
Sobre este tema, a ANAJURE pleiteou sua participação no referido processo como Amicus Curiae[2], a fim de aclarar alguns elementos essenciais à formação de um juízo ponderado em prol da defesa das liberdades civis fundamentais: a garantia do direito à vida, desde sua concepção e o respeito à tripartição dos Poderes da República Brasileira, visto que não há hipótese legal para a interrupção antecipada da gravidez em tais situações.
Conforme se extrai da petição protocolada, desde a Constituição Federal, passando por normas internacionais, até as leis infraconstitucionais, o ordenamento jurídico brasileiro é pródigo em dispositivos legais que concedem direitos ao nascituro, não podendo este ter seu desenvolvimento intra-ulterino interrompido além dos limites já normativamente estabelecidos. Sobre isso, o Supremo Tribunal Federal já firmou sua posição, na ADI 3.510 e ADPF 54, quando consolidou sua jurisprudência fixando marcos de possível interrupção antecipada de gravidez, quais sejam, a inviabilidade do feto e sua incompatibilidade com a vida extra-ulterina, o que não pode ser demonstrada, com certeza razoável, nos casos de microcefalia decorrente de infecção materna por Zika vírus.
Neste sentido, pesquisas científicas e estatísticas realizadas em outros países, com surtos semelhantes ao que ocorreu no Brasil em 2015-2016, denunciam não haver um vinculo efetivamente demonstrado entre a contaminação materna por zika vírus e o acometimento de microcefalia nos respectivos fetos[3]. Até mesmo os trabalhos brasileiros atuais não são conclusivos quanto às situações que envolvem a nomeada síndrome congênita do zika [4]. Outrossim, ainda que houvesse tal causa-consequência necessária, isto não significa que aquele distúrbio neurológico fosse incompatível com a vida, pois noticiários e reportagens relatam diversos casos de crianças desenganadas que, a despeito da enfermidade, alcançaram progressos surpreendentes[5]. Destarte, a inexistência de um parecer conclusivo sobre os efeitos da infecção com o zika vírus e os desdobramentos para o desenvolvimento neurológico do feto põem em xeque qualquer decisão tendente a permitir a interrupção antecipada da gravidez em tais hipóteses.
Com base em todo o exposto, considerando a preservação da independência da atuação do Poder Legislativo, uma vez que a Constituição Federal não estendeu ao Poder Judiciário a função típica legiferante, de inovar no ordenamento jurídico, especialmente em temas de alta implicação moral e ética como o presente, a ANAJURE se alinha aos pareceres apresentados pela Presidência da República e pelo Senado Federal, quanto ao indeferimento do pedido inicial, pugnando, oportunamente, pela participação em sessões e audiências públicas para discussão do tema.
A petição foi assinada pelo Presidente e representante jurídico da ANAJURE Dr. Uziel Santana, acompanhado do Diretor Jurídico do Conselho Diretivo Nacional da ANAJURE, Dr. Acyr de Gerone, e da Diretora de Assuntos Parlamentares do Conselho Diretivo Nacional da ANAJURE, Dra. Edna Zilli. Vale destacar que a ANAJURE, em cumprimento aos seus objetivos institucionais, vem atuando incisivamente em defesa da vida há alguns anos, participando, inclusive, dos casos que tramitam no STF. Como exemplo, podemos citar a atuação na ADPF 442, tanto como amicus curiae, quanto na Audiência Pública promovida pela Corte; assim como também tem reiterado seu posicionamento público ao analisar questões jurídicas, como na Nota Pública e Parecer Técnico-Jurídico sobre decisão do STF favorável ao aborto até três meses de gestação e na Nota Pública sobre a PEC 181/2015 e a Proposta de Definir a Concepção como Início da Vida.
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[1] O termo em latim, que significa “amigo da corte” é utilizado para caracterizar indivíduos ou organizações que, de forma voluntária ou provocada, buscam oferecer esclarecimentos acerca de questões essenciais do processo.
[3] https://www.thelancet.com/journals/laninf/article/PIIS1473-3099(17)30412-7/fulltext
[4] https://www.biorxiv.org/content/10.1101/541268v1.abstract
[5] https://www.bbc.com/portuguese/brasil-40066353