Dois missionários brasileiros detidos em uma prisão no Senegal, durante cinco meses, sem julgamento, foram libertados sob fiança neste mês, mas ainda enfrentam acusações por administrarem um projeto sem autorização legal, voltado para jovens. Eles foram enganados por um falso advogado e presos. Porém, há outro problema por trás de tudo isso.
José Dilson da Silva é membro da Igreja Presbiteriana do Brasil e missionário, na capital senegalesa, Dakar. Zeneide Moreira, que trabalha para a Missão Servos, gerencia um abrigo para crianças de rua em Mbour, 80 quilômetros ao sul de Dakar.
A Associação Nacional de Juristas Evangélicos em Defesa das Liberdades Civis Fundamentais, ANAJURE, afirmou que é esperado um julgamento final do caso de Silva e Zeneide para a data de 30 dias após a sua libertação, ocorrida em 5 de abril.
Silva, que trabalha no Senegal desde 2005, também é responsável por uma escola particular em Dakar. Ele levantou o orfanato e Projeto Obadias em 2011, com o objetivo de tirar crianças das ruas, lhes oferecendo casa e comida, além de educação e atividades esportivas. Zeneide atua no abrigo como a “mãe” que muitos pequenos não têm.
O presidente da ANAJURE, Uziel Santana, falou à World Watch Monitor, agência internacional de notícias da Portas Abertas, que a queixa de conversões forçadas ao cristianismo foi sustentada por uma brecha legal: os projetos de Silva estavam operando sem as licenças necessárias.
Os problemas tiveram início quando um pai registrou queixa contra Silva por não ter aprovado que o seu filho, que acredita-se tenha 17 anos, aprendesse sobre os valores e princípios do cristianismo através do Projeto Obadias, o qual conta, hoje, com 200 crianças registradas. A mídia local noticiou que o adolescente “se recusou a participar de orações muçulmanas e estava agindo como um cristão”.
O filho de Silva, Jon, publicou um texto sobre isso na internet:
“Esse homem alegou que meu pai fundou uma associação com o intuito de prejudicar as crianças do Senegal. A acusação diz que ‘a organização funciona como um centro para receber crianças de ruas e estudantes do Alcorão, e recrutou 17 crianças para forçá-los a passar por um treinamento de dois a três meses para ofícios como carpintaria e costura.’"
Aparentemente, o missionário foi levado à delegacia de polícia para responder perguntas relacionadas a essa acusação, mas terminou sendo preso. Pouco tempo depois, Zeneide foi presa em Mbour. Eles permaneceram detidos na cidade de Thies, aguardando por acusações formais. Nesse meio tempo, o primeiro pedido de fiança foi negado.
Originalmente, eles foram acusados de tráfico de crianças e conspiração para violar a lei. Porém, as acusações de "exploração de menores" e "desvio juvenil”, de acordo com a ANAJURE, foram "mais tarde, provadas pelas próprias autoridades locais como infundadas".
No entanto, os dois missionários permaneceram em detenção, e as autoridades que os prenderam nunca defenderam diante de um juiz os argumentos legais que as levaram a mantê-los presos mesmo depois de sua inocência ter sido provada.
De acordo com o filho da missionária Zeneide, que iniciou uma petição online para a liberação de ambos, os dois foram mantidos em condições imundas, espaços superlotados e obrigados a dividir uma cela com presos já condenados.
"Meu pai está preso em uma cela extremamente suja, repleta de outros 35 detentos. As condições são bastante graves. Os missionários foram forçados a assinar papéis sem poder lê-los, foram colocados em salas que não tinham janelas ou um lugar para sentar ou dormir, cheia de mosquitos, onde faz muito calor. Minha mãe e meu irmão só podem visitar meu pai às segundas-feiras e sextas-feiras, durante 10 minutos. É difícil para eles vê-lo sendo tratado como um criminoso”, descreveu o filho de Silva, quando o cristão ainda não havia sido solto.
À World Watch Monitor, o presidente da ANAJURE, Uziel Santana, contou que Silva tentou obter as autorizações necessárias quando iniciou o Projeto Obadias, mas foi enganado por um falso advogado, que recebeu dinheiro para realizar o trabalho, mas não garantiu as licenças. Santana disse que o cristão deixou a questão de lado e assumiu as consequências do erro.
"O Projeto Obadias estava funcionando normalmente. Mesmo sem as autorizações, Silva não tinha ideia de que o projeto estava ilegal perante a legislação do Senegal, até o pai do menino registrar a queixa", confirmou Santana. "Na delegacia de polícia, porém, a questão sobre as licenças não foi fundamental", destacou ele. "O principal problema era a ‘cristianização’ do abrigo. Uma vírgula legal mal colocada dá margem a qualquer reclamação contra os cristãos."
Uziel Santana, presidente da ANAJURE, confirmou que a libertação dos missionários foi obtida após o juiz aceitar que o caso do projeto Obadias havia sido a primeira ocorrência na impecável ficha criminal deles.
Quando apresentamos provas de que eles não possuíam ocorrências em suas respectivas fichas criminais, ambos foram temporariamente libertados”, contou Uziel Santana, em relação ao processo dos missionários brasileiros José Dison da Silva e Zeneide Moreira.
“Eles deverão se apresentar na prisão de 15 em 15 dias e não podem sair do país. Dentro de 30 dias após a sua liberação, eles serão julgados.” Nesse meio tempo, segundo Santana, a ANAJURE está cuidando da legalização do Projeto Obadias.
A despeito do ocorrido, diversas fontes afirmaram que Silva esteve de bom humor durante o encarceramento, testemunhando de sua fé aos outros detentos. Em uma carta dirigida a sua esposa, Marli, ele escreveu: "Escreva a todos, até aos que estão no Senegal, que o inimigo irá colocar alguns na prisão, mas tudo será para a glória de Deus”.
A libertação dos dois missionários foi recebida com alegria e alívio por membros das comunidades cristãs da cidade de Thies. Um estrangeiro que frequenta os cultos dominicais da igreja batista disse à agência de notícias World Watch Monitor que houve lágrimas de alegria e um tempo de oração emocionante.
A prisão de obreiros cristãos estrangeiros sem um processo judicial levantou muitas questões em um país visto como modelo de democracia na África, também conhecido por sua cultura de tolerância.
Projeto Obadias
Silva, que trabalha no Senegal desde 2005, levantou o orfanato e Projeto Obadias em 2011, com o objetivo de tirar crianças das ruas, lhes oferecendo casa e comida, além de educação e atividades esportivas. Zeneide atua no abrigo como a “mãe” que muitos pequenos não têm.
Milhares de crianças no oeste africano, provenientes de famílias da zona rural pobres demais para criá-las, são enviadas para grandes cidades, ainda e tenra idade – aos 3 e 4 anos – para receberem ensino. Esse ensino consiste primariamente de aulas sobre o Alcorão. Esses “talibes” ou “estudantes do Alcorão” precisam mendigar nas ruas, sob a supervisão de talibes mais velhos, e estão sujeitos a diversos maus-tratos.
Na maioria das vezes, vivem em meio à pobreza. Em março, nove crianças morreram em um incêndio numa escola corânica em Senegal. Quando as crianças se tornam adolescentes, saem dos cuidados do imame e devem tomar conta de si mesmas e encontrar um emprego.
História de tolerância
O Senegal faz fronteira com o Mali e a Mauritânia, e 94% de seus 13 milhões de habitantes são muçulmanos. A convivência entre eles e a minoria cristã tem sido pacífica. O primeiro presidente do Senegal, Léopold Sédar Senghor (de 1960 a 1980) era católico, e recebeu a visita do papa João Paulo II em 1992.
Essa cultura de tolerância tem sido percebida de várias maneiras no Senegal: cristãos e muçulmanos são enterrados nos mesmos cemitérios de diversas cidades.
Entretanto, como em muitos países do oeste africano, o Senegal tem alto índice de pobreza e desemprego generalizado. O tráfico de seres humanos e a exploração infantil são sérios problemas sociais, a despeito da economia relativamente estável.
Nos últimos anos vêm sendo relatado alguns ataques contra cristãos. Sete igrejas evangélicas foram saqueadas ou incendiadas entre 2010 e 2011, incitando uma forte reação da Aliança de Evangélicos do Senegal. Seu presidente à época, pastor Eloi Sabel Dogue, condenou tais ataques e pediu que a lei fosse respeitada uma conferência de imprensa realizada em 1º de julho de 2011.
“Nem a Constituição do Senegal nem a Carta Africana de Direitos Humanos nem a Declaração de Direitos Humanos da ONU e, menos ainda, nossos valores culturais podem ser mencionados como justificativa para tais atos”, disse ele.
___________________________
Fonte: Portas Abertas Internacional