Trata-se de uma garantia constitucional direcionada a quem objeta por razões religiosas, filosóficas ou ideológicas obrigações impostas pela Constituição, Lei ou Contrato, devendo prestar serviços alternativos, como forma de compensação.
A Declaração de Direitos da Virginia (1776) que precedeu a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América (1776), já introduzia o pensamento jurídico da mais completa liberdade religiosa na forma da consciência de cada um, sendo baluarte do pensamento democrático a garantia a escusa de consciência.
Estabelece o Art. 5º, VIII, da Constituição Republicana:
Art. 5º: (…) VIII – "ninguém será privado de seus direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se a invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei".
Reza o art. 143 da Constituição Brasileira:
Art. 143. O serviço militar é obrigatório nos termos da lei.
§ 1º – às Forças Armadas compete, na forma da lei, atribuir serviço alternativo aos que, em tempo de paz, após alistados, alegarem imperativo de consciência, entendendo-se como tal o decorrente de crença religiosa e de convicção filosófica ou política, para se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar.
§ 2º – As mulheres e os eclesiásticos ficam isentos do serviço militar obrigatório em tempo de paz, sujeitos, porém, a outros encargos que a lei lhes atribuir.
Através desta garantia constitucional ninguém é obrigado, nem mesmo pela própria Constituição, a agir contra sua consciência e contra seus princípios e axiomas religiosos.
São vários os exemplos de escusa de consciência. Os mais corriqueiros ocorrem no seio escolar, como daquele aluno do ensino fundamental que se opõe, em razão da formação familiar protestante, a participar de festas escolares eminentemente católicas, como é o caso das tradicionais “festas juninas” alusivas ao dia de São Pedro e São Paulo (dia 29 de junho), Santo Antônio (dia 13 de junho) e São João Batista (dia 24 de junho).
Neste caso a escola não poderá obrigar o aluno a participar do evento, entretanto, caso seja necessário a participação para realização de algum trabalho escolar, a organização educacional deverá proporcionar prestação alternativa, semelhante à tarefa dos demais alunos, sem quaisquer desproporcionalidade ou abusos, caso que também se incorria em afronta a liberdade de crença e ao princípio constitucional da isonomia.
Outro exemplo seria daquele vestibulando adventista (Igreja Adventista do Sétimo Dia) que não pode, por motivo de crença, prestar o vestibular entre o entardecer de sexta-feira e o entardecer de sábado, desta forma a Universidade/Faculdade deverá oferecer o dia seguinte ou o dia anterior para a realização do vestibular, e como prestação alternativa, manter o aluno no sábado, dia da prova, na Universidade, fazendo outras atividades permitidas para sua crença neste dia, sob pena de prejudicar o sigilo do conteúdo das provas do vestibular (cantando, orando, estudando a bíblia, etc.).
No mesmo diapasão, o serviço militar obrigatório, que, como visto acima, possui previsão expressa da objeção de consciência, todavia, também carente da prestação alternativa para objeção de escusa, através de disposição constitucional expressa no art. 143, § 1º.
Ensina o ilustre professor Celso Ribeiro Bastos:
“[é] o direito reconhecido ao objetor de não prestar o serviço militar nem de engajar-se no caso de convocação para a guerra, sob o fundamento de que a atividade marcial fere as suas convicções religiosas ou filosóficas. É verdade que o Texto fala em ‘eximir-se de obrigação legal a todos imposta’, e não especificamente em ‘serviço militar’. É fácil verificar-se, contudo, que a hipótese ampla e genérica do Texto dificilmente se concretizará em outras situações senão aquelas relacionadas com os deveres marciais do cidadão (…). Na redação atual, fica certo que em primeiro lugar há uma possibilidade de invocação ampla da escusa de consciência. Mas desde que feita valer para evadir-se o interessado de uma obrigação imposta a alguns ou a muitos, mas não a todos. É o que deflui a primeira parte do dispositivo: ‘ninguém será privado de qualquer dos seus direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política’. A regra não prevalece se a invocação se der diante de obrigação legal a todos imposta. Aqui o Texto oferece a possibilidade de uma prestação alternativa fixada em lei. Esta não apresenta ainda um cunho sancionatório. Limita-se a constituir uma forma alternativa de cumprimento da obrigação. Caso, contudo, haja recusa ainda do cumprimento, aí sim é que se abre a oportunidade para aplicação de pena de privação de direitos. De quais? O Texto aponta a resposta no art. 15, IV: perda ou suspensão dos direitos políticos. [1]
De qualquer sorte a prestação alternativa de compensação quando da objeção de consciência é mister constitucional, “anote-se que a prestação alternativa é um direito constitucionalmente assegurado. Não pode a autoridade se negar a oferece-lo. Contudo, uma vez concedido, o aluno não pode negar-se a executá-lo; pode apenas contestar aspectos relacionados ao conteúdo do próprio ato, como a proporcionalidade e a compatibilidade com a proteção à liberdade de culto. [2]
Assim sendo, a escusa de consciência remonta às declarações universais do homem construídas na busca da igualdade e da dignidade da pessoa humana. É uma garantia constitucional oponível a qualquer momento e, em qualquer esfera, desde que, o objetor se submeta a prestação alternativa equivalente, nem menor e, muito menos, nem maior que a obrigação escusada, sob pena de ferir de morte os princípios da liberdade religiosa e da isonomia, conquistada sob ávidas penas, após os horrores da idade média.
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Thiago Rafael Vieira
Advogado – OAB/RS 58.257; Especialista em Direito do Estado/UFRGS; Diretor para Assuntos Jurídicos do Conselho Diretivo Nacional da Associação Nacional dos Juristas Evangélicos (ANAJURE); Sócio Diretor do Vieira & Regina Sociedade de Advogados.
Jean Marques Regina
Advogado – OAB/RS, 59.445; Coordenador do corpo de juristas das Igrejas Históricas Brasileiras para estudos de Direito Eclesiástico; Diretor para Assuntos Denominacionais do Conselho Diretivo Nacional da ANAJURE – Associação Nacional de Juristas Evangélicos; Advogado Aliado da Alliance Defending Freedom (EUA); Membro do Conselho para a América Latina da CCLI (Christian Copyright Licensing International); Sócio Diretor do Vieira & Regina Sociedade de Advogados.
[1] BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22 ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 2001-2
[2] CARVALHO, Diogo da Cunha; CARVALHO, Roberto da Silva e CARVALHO, Rodrigo da Cunha. A Igreja e o Direito. Editora Sabre, Rio de Janeiro, 2006, p. 42.