O que aconteceu: Resposta do prefeito de Porto Alegre/RS, em entrevista para uma rádio, gerou discussão sobre a existência de discriminação religiosa na fala proferida.
Onde: Porto Alegre/RS
Quando: 08/05/2020
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Áudio da entrevista:
PARECER DA ANAJURE
O prefeito de Porto Alegre/RS, Nelson Marchezan, concedeu entrevista à Rádio Gaúcha, ocasião em que foi perguntado quanto às restrições estabelecidas para evitar aglomeração nas igrejas da cidade e sobre a pressão para a reabertura dos templos religiosos.
O caso passou a repercutir nas redes sociais, gerando revolta em muitos evangélicos que compreenderam que o prefeito teria afirmado que as igrejas evangélicas desejam abrir apenas para faturar. Verificamos o áudio da entrevista e constatamos que o Sr. Nelson Marchezan afirmou, conforme se verá abaixo, que há uma parte – “uma parte pequena” – pressionando para que haja uma retomada dos cultos presenciais. Não houve declaração do prefeito no sentido de que todas as igrejas evangélicas estivessem pressionando em prol do retorno com base em motivações financeiras. Vejamos a transcrição de trecho da entrevista:
REPÓRTER: (…) Tem um outro setor, que é bastante polêmico, e eu sei que o senhor vem sendo pressionado e até agredido pelo cuidado que vem tendo com esse, que é o setor das igrejas. Eu, quando era criança, aprendi que Deus está em todo lugar e que a gente pode rezar em todo lugar, rezar em casa. Mas é bastante impressionante a pressão que o senhor sofre para reabertura das igrejas. Não da igreja católica, não das sinagogas, que esses até têm expressado uma compreensão com o fechamento, mas, principalmente, de algumas igrejas evangélicas. Eu queria que o senhor explicasse para os nossos ouvintes porque se mantém essa restrição nas igrejas de evitar aglomerações, já que também é uma orientação do decreto estadual do governador Eduardo Leite.
PREFEITO DE PORTO ALEGRE: Olha, a sua pergunta foi já muito elucidativa… a própria pergunta. Ontem à noite, eu fiz um grupo de WhatsApp de uma parte dos meus familiares, aqui do Rio Grande do Sul, e coloquei lá algumas explicações, porque, realmente, uma parte pequena – não é a maior parte, não são todas as religiões, não são todos os movimentos religiosos espirituais, é uma parte – tem utilizado os meios de comunicação, alguns meios de comunicação também, para fazer acusações em relação a, vamos dizer assim, à minha integridade ou à forma que eu trabalho, de ser uma pessoa corrupta. Eu acho que tem várias acusações com relação a mim que podem até ser verdadeiras, talvez eu não seja competente em alguma área, talvez eu tome decisões que não agradem um setor, mas corrupção não seria algo que possa pairar na minha história. Infelizmente, uma estrutura de comunicação, liderada por igrejas, tem feito isso de uma forma absolutamente sem pudor, sem moral, e eu diria sem nenhum princípio de nenhuma religião, acredito, que pudesse orientar a população a se religarem com algo espiritual. Então, eu registro isso aqui, porque nesse momento eu ter que me preocupar com isso, ter que buscar ações judiciais, para proteger a minha família, o meu nome, de uma forma… assim é uma preocupação a mais, uma preocupação inadequada, injusta e por um motivo torpe, que é reunir pessoas para faturar. Só pode ser essa a explicação. Todas as outras igrejas, cultos e religiões entenderam isso, e tem feito, e, às vezes, até dito, explicitamente: “a decisão prefeito é essa, e nós apoiamos, nós temos outras formas de manter a espiritualidade, a religiosidade, e a relação dos fiéis deles com Deus ou com seus credos”. A igreja, o culto, o ambiente, ele é um ambiente que reúne 10, 20, 30, 40, 50, 60, 1.000, 2.000 pessoas, né? Num mesmo local, num mesmo horário, e muitas pessoas com idade avançada, e com um difícil critério de higienização, né? Então, vamos dizer porque que nós liberaríamos, neste momento, um ambiente que reúne 30 pessoas ao mesmo tempo, se nós não liberamos uma escola, que reúne 30 pessoas, num determinado período, para cumprir uma fase importante da sua vida, de desenvolvimento intelectual ou de desenvolvimento até motor, cognitivo ou desenvolvimento da estrutura cerebral, como é o caso do ensino infantil. Será que as pessoas que vão em algum culto não podem, por algumas semanas e meses, ter seu momento espiritual, religioso, de uma outra forma, por vídeo? As igrejas estão liberadas para que elas possam fazer transmissão ao vivo ou gravar cultos e passar a sua mensagem. Existem inúmeras ferramentas de acesso, hoje, aos fiéis. Neste momento, me parece que aquelas igrejas que se preocupam com a vida – e me parece que esse foi o ensinamento de Jesus, e me perdoem se eu estou entrando em outra área também, que talvez eu não seja o melhor professor aqui – mas o ensinamento de Jesus foi sobre o amor à vida, à vida do seu próximo, foi por isso que ele veio aqui e deu a vida por nós todos. Então, uma igreja que hoje despreza o cuidado com a vida, por algum outro motivo mais fútil, me parece, não é o exemplo. Eu fico muito triste até de ter que estar respondendo a essa pergunta. Nós não temos a previsão para o mês de maio de liberar, e não vai ser com agressões pessoais, não vai ser com ameaças ou com recados, não vai ser com influência na câmara de vereadores, não vai ser dessa forma, que nenhuma decisão – nenhuma decisão na prefeitura de Porto Alegre – que passar por minha decisão, vai ser tomada.
Percebemos, portanto, que a fala se dirige a um grupo específico que estaria exercendo pressão para retomar as cerimônias religiosas presenciais. Não há uma atribuição, deste comportamento, à totalidade de igrejas evangélicas nem um discurso discriminatório voltado aos evangélicos. Ressalte-se, no entanto, que a referência a todo um grupo religioso, a exemplo dos evangélicos, como forma de tratar fato relacionado apenas a um grupo específico, pode incorrer em generalização, dando margem a questionamentos.
Ademais, o grupo que entendeu ser destinatário da mensagem do prefeito, caso tenha se ofendido, poderá discutir judicialmente a fala proferida e suscitar a necessidade de reparação.
Quanto à postura das igrejas, no presente contexto de restrição, entendemos que deve ser voltada para a cooperação com o poder público, em conformidade com os princípios com os quais temos nos alinhado em nossas manifestações públicas[1]. Inclusive, esta tem sido a conduta de muitas comunidades eclesiásticas que, a despeito de todas as dificuldades ocasionadas pela pandemia, têm desempenhado um papel social louvável no apoio aos mais vulneráveis.
Pelo exposto, concluímos que a fala do prefeito não constitui uma discriminação aos evangélicos e orientamos as igrejas a cooperarem com o poder público, pautando a sua atuação, dentre outros fatores, pela busca do bem comum.
[1] https://anajure.org.br/carta-aberta-aos-poderes-da-republica-sobre-a-atuacao-evangelica-na-esfera-publica/; https://anajure.org.br/anajure-convoca-igrejas-e-lideres-religiosos-ao-engajamento-solidario-com-os-mais-vulneraveis/.