NOTA PÚBLICA 12: Sobre a retomada gradual das atividades religiosas no Estado do Acre

O Conselho de Representação Estadual no Acre da Associação Nacional de Juristas Evangélicos – ANAJURE, no uso das suas atribuições, emite a presente Nota sobre a retomada das atividades religiosas no Estado do Acre.

Em 22 de junho, o Governo do Acre publicou o Decreto n. 6.206/2020[1], no qual dispôs sobre a criação do Pacto Acre Sem COVID[2], “destinado a viabilizar a harmonia entre o desenvolvimento econômico, o direito de proteção à saúde e os valores sociais do trabalho, tendo por finalidade precípua a efetiva proteção do direito à vida” (art. 1º).

No art. 10, o Decreto anunciou que “o Comitê de Acompanhamento Especial da COVID-19 publicará Resolução com enquadramento dos setores e das atividades comerciais autorizadas a funcionar, de acordo com cada um dos Níveis de Risco estabelecidos neste Decreto”. No art. 11, explicou que as diretrizes presentes na Resolução orientarão os Municípios, que deverão expedir decretos para autorizar o funcionamento de qualquer atividade, bem como instituir protocolos sanitários.

A referida Resolução[3] foi publicada no dia 03 de julho de 2020, apresentando no Anexo I o enquadramento dos setores e das atividades comerciais autorizadas a funcionar em conformidade com os Níveis de Risco fixados no Decreto n. 6.206/2020. Destacaremos abaixo a regulamentação aplicável a algumas atividades:

Antes de uma análise comparativa, devemos salientar que um Decreto posterior trouxe alteração que será incorporada às disposições acima descritas. Trata-se do Decreto Estadual n. 6.422[4], de 22 de julho de 2020, que alterou o Decreto n. 5.496/2020[5] para autorizar eventos religiosos em templos ou locais públicos, com no máximo 20% de sua lotação. Assim, as localidades inseridas nas fases de emergência e de alerta poderão realizar as cerimônias religiosas observando a referida porcentagem. Em comparação à previsão anterior, temos um avanço, uma vez que o Decreto n. 5.496/2020 apenas suspendia os eventos religiosos, sem mais detalhes.

No entanto, quando analisamos a regulamentação das atividades religiosas nas fases posteriores da flexibilização e os termos impostos para outros setores, percebemos que ainda existe tratamento mais gravoso para os eventos religiosos, havendo necessidade de correção.

Por exemplo, na “fase de atenção”, as reuniões das instituições eclesiásticas retornam com 30%, enquanto shoppings podem ter ocupação de até 60% e bares e restaurantes podem contar com 50% das mesas ocupadas. Na “fase de cuidado”, a disparidade persiste, com igrejas limitadas a 60%, enquanto shoppings, restaurantes e bares poderão ter ocupação de até 80%.

Vale destacar que as diretrizes estaduais estão sendo incorporadas pelos Municípios, a exemplo da cidade de Rio Branco, que instituiu, por meio do Decreto Municipal n. 488/2020[6], Protocolo de Vigilância Sanitária em conformidade com o Pacto Acre sem COVID. Assim, cabe, também, a tais Municípios adequar os seus Decretos e Protocolos, de modo que não haja tratamento mais gravoso para as atividades religiosas. Com a modificação gerada pelo Decreto Estadual n. 6.422, é necessário, ainda, que as autoridades locais atualizem suas normas aos termos fixados rela regulamentação do Estado.

Nesse contexto, é preciso que os governantes estejam cientes de que a liberdade religiosa é direito fundamental, resguardado pela Constituição Federal, no art. 5º, inciso VI: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. Nosso ordenamento jurídico também consagra a laicidade estatal, vedando à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público” (art. 19, inciso I, CRFB/88).

Assim, como regra, não cabe ao Poder Público intervir na realização das cerimônias religiosas. O contexto da pandemia, no entanto, trouxe algumas limitações, em virtude da necessidade de preservação da saúde das pessoas. Essas restrições, contudo, não podem ser especificamente mais gravosas para as organizações religiosas, como tem ocorrido no Acre. Embora se reconheça a fragilidade do setor econômico após os impactos gerados pela pandemia, não é possível que a consideração do aspecto financeiro resulte em menosprezo de outros elementos de grande relevância para a sociedade, como a espiritualidade. A economia, certamente, é importante, mas não se pode ignorar que a liberdade religiosa é direito fundamental garantido constitucionalmente.

Pelo exposto, a ANAJURE informa que oficiará o Estado do Acre e o Município de Rio Branco/AC nos seguintes termos:

  • Congratulará o Governo do Estado pela modificação contida no Decreto n. 6.422, de 22 de julho de 2020;
  • Recomendará que o Governo do Estado do Acre e o Município de Rio Branco/AC modifiquem, respectivamente, a Resolução n. 02, de 03 de julho de 2020 e o Decreto Municipal n. 488/2020, para que haja a fixação de parâmetros equânimes para as igrejas e outros setores comerciais com atividades já flexibilizadas, sob pena de postura contrária configurar ofensa à laicidade, à liberdade religiosa e à isonomia.

 

Rio Branco-AC, 24 de julho de 2020.

 

Dr. Uziel Santana
Presidente da ANAJURE

Dr. Felipe Augusto Carvalho
Diretor Executivo da ANAJURE

Dr. Marcos Vinícius Marques Luiz
Coordenador da ANAJURE no Acre

 

___________________

[1] Disponível em: <http://acre.gov.br/wp-content/uploads/2020/06/DECRETO-N%C2%BA-6-206-DE-22-06-2020-PRORROGAC%CC%A7A%CC%83O.pdf>. Acesso em: 21 jul. 2020.

[2] Disponível em: <http://acre.gov.br/wp-content/uploads/2020/06/PACTO-ACRE-SEM-COVID-22.06.2020.pdf>. Acesso em: 24 jul. 2020.

[3] Disponível em: <http://covid19.ac.gov.br/static/docs/pacto/resolucao_02.pdf>. Acesso em: 21 jul. 2020.

[4] Disponível em: <http://diario.ac.gov.br/download.php?arquivo=KEQxQHI3IyEpRE8xNTk1NTY3NTYxNTkwMi5wZGY=>. Acesso em: 24 jul. 2020.

[5] Disponível em: <https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=391186>. Acesso em: 24 jul. 2020.

[6] Disponível em: <http://www.riobranco.ac.gov.br/images/stories/2020/CORONAVIRUS/488-%202020%20-%20PROTOCOLO%20VIGILANCIA%20SANITARIA%201.pdf>. Acesso em: 24 jul. 2020.

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