OBSERVATÓRIO l CASO 48 – Rondônia – Liberdade Religiosa e de Culto

O que aconteceu: Decreto Estadual restringiu a realização das atividades religiosas a determinados dias da semana.

Onde: Estado de Rondônia.

Quando: 06 de março de 2021.

Documentos: Decreto n. 25.859, de 06 de março de 2021.

Parecer da ANAJURE

No dia 08 de março de 2021, o Estado de Rondônia disponibilizou em seu Diário Oficial o Decreto n. 25.859/2021, datado de 06 de março de 2021, que “Institui o Sistema de Distanciamento Social Controlado para fins de prevenção e de enfrentamento à pandemia causada pelo coronavírus, no âmbito do estado de Rondônia, reitera a declaração de estado de calamidade pública em todo o território estadual e revoga o Decreto n° 25.853, de 2 março de 2021”.

O art. 18, caput, do referido Decreto trouxe a seguinte proibição:

Fica determinada a restrição de funcionamento de todos os estabelecimentos comerciais, NO PERÍODO DAS 21H (VINTE E UMA HORAS) DA SEXTA-FEIRA ATÉ ÀS 6H (SEIS HORAS) DA SEGUNDA-FEIRA, inclusive proibição de locomoção e circulação de pessoas, nos municípios enquadrados nas Fases 1 e 2.

Nos termos do inciso X, do art. 18, a vedação acima transcrita se aplica, também, às cerimônias religiosas. Desse modo, naqueles momentos em que as cerimônias religiosas tradicionalmente ocorrem, isto é, o final de semana, elas se encontram proibidas, ressalvadas apenas as “atividades religiosas para rotinas administrativas internas e aconselhamento individual”.

Diante disso, importa realçar as disposições constitucionais que resguardam o funcionamento das instituições religiosas. Nos termos do art. 5º, inciso VI, CRFB/88, “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. Nossa Carta Magna também prevê o princípio da laicidade estatal, consoante art. 19, inciso I, vedando à União, Estados ou Municípios: “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”. Mencione-se, ainda, a proteção conferida à liberdade religiosa por diplomas internacionais, como a Declaração Universal de Direitos Humanos (art. 18), o Pacto dos Direitos Civis e Políticos (art. 18) e o Pacto de San José da Costa Rica (art. 12).

Nota-se, portanto, que o nosso ordenamento jurídico confere robusta proteção às manifestações de religiosidade, assegurando a realização de cerimônias religiosas e afastando ingerências estatais. No caso de Rondônia, o óbice imposto pelo Decreto estadual diz respeito ao dia de realização das celebrações religiosas. Quanto a isso, é preciso salientar que as confissões religiosas possuem dias específicos em que seus adeptos se reúnem para executar suas cerimônias, motivados por convicções de fé. A Igreja Adventista do Sétimo Dia, reconhecendo a observância do sábado como sinal distintivo de lealdade a Deus, destaca a precedência que as atividades regulares na igreja possuem, nesse dia, perante outras tarefas, admoestando seus fiéis ao ato de congregar-se[1]. No judaísmo, a observância do Shabat confere proeminência ao período compreendido entre o pôr do sol da sexta e do sábado, numa alusão ao descanso divino após o trabalho de criação.  Ainda a título de exemplo, no cristianismo, o domingo é tido como o Dia do Senhor, por decorrência da ressurreição de Cristo, ocorrida nesse dia da semana. Assim, é nesta ocasião em que diversos cristãos de todo o mundo se reúnem para celebrar o acontecimento que alicerça a fé cristã. Em virtude das razões de crença e consciência envolvidas nas celebrações realizadas em dia específico, não é possível que a prática da cerimônia em momento alternativo se equipare à execução no dia religiosamente designado.

Desse modo, entendemos que o Decreto n. 25.859/2021 extrapola a razoabilidade e fere as disposições constitucionais referentes à liberdade religiosa e à laicidade estatal quando limita a realização dos cultos a determinados dias da semana. Ressalte-se que a liberdade religiosa protege a auto-organização das igrejas e as suas liturgias, não cabendo ao Estado determinar em quais dias as igrejas poderão realizar as suas cerimônias. Para fins de prevenção ao contágio, é possível que as autoridades públicas fixem critérios objetivos, como o distanciamento e a taxa de ocupação nos templos. Em Rondônia, isso foi feito por meio da limitação quanto ao número de pessoas contida no mesmo decreto (artigo 15, inciso II), que regulamenta a realização das atividades religiosas em outros dias da semana. No entanto, uma vez estabelecidos tais critérios, não cabe ao Governo se imiscuir em questões como o dia de realização das cerimônias religiosas, especialmente porque, observadas as medidas de prevenção, não haveria maior risco de contágio em um dia ou em outro. Para os indivíduos religiosos, porém, a observância de um dia específico da semana para realização dos cultos é essencial, um dever de consciência.

Pelo exposto, a ANAJURE (1) comunica que oficiará o Governo do Estado de Rondônia, propondo a modificação do Decreto expedido, de modo que fique a cargo das instituições religiosas decidir, conforme seus preceitos de fé, em qual dia se reunirão; (2) recomenda, por fim, prudência e cautela aos líderes religiosos, de forma que haja, por parte das igrejas, observância das medidas de prevenção à Covid-19 orientadas pelas autoridades, sobretudo, diante do avanço da doença.

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[1] https://www.adventistas.org/pt/institucional/organizacao/declaracoes-e-documentos-oficiais/observancia-sabado/