CASO 34 – Dourados/MS – Liberdade Religiosa

O que aconteceu: Decreto restringiu excessivamente as atividades religiosas, limitando a realização da Santa Ceia, além de dispor restritivamente sobre a ocupação dos templos e sobre a duração das cerimônias religiosas.

Onde: Dourados/MS

Quando: 17 e 30 de julho de 2020.

Documentos: Decreto n. 2.771, de 17 de julho de 2020; e Decreto n. 2.788, de 30 de julho de 2020.

Parecer da ANAJURE

No último dia 30 de julho, foi publicado o Decreto n. 2.788/2020, do Município de Dourados/MS, no qual foi estabelecida a retomada de atividades dos templos de qualquer culto. O referido ato normativo fixou uma série de regras a serem observadas pelas organizações religiosas como condicionantes para manter o funcionamento.

Todavia, dentre as determinações presentes no Decreto Municipal supracitado encontram-se algumas de teor excessivo, que minoram o direito à liberdade religiosa, quais sejam: o distanciamento mínimo de 2 metros; o número máximo de 50 pessoas; o tempo máximo estipulado para duração da celebração religiosa; e a determinação do tipo de elemento entregue na Comunhão; (art. 1, incisos VI, VII XIII e XXI).

A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 5º, inciso VI, garante o livre exercício dos cultos religiosos e a proteção aos locais de culto e a suas liturgias, e, em seu art. 19, inciso I, determina que o Estado não pode embaraçar o funcionamento das organizações religiosas nem com elas estabelecer relação de dependência.

Assim, como regra, não cabe às autoridades públicas embaraçar o exercício das atividades religiosas. O contexto da pandemia, no entanto, trouxe algumas limitações decorrentes do combate à proliferação do coronavírus. Ocorre que eventuais restrições aplicadas aos direitos fundamentais devem ser as menos gravosas possíveis, em respeito ao princípio da proporcionalidade. Não foi o que aconteceu em Dourados/MS.

O Decreto n. 2.788/2020 interferiu na realização de um rito essencial à fé cristã, ao dispor que: “o Sacramento da Comunhão, deverá ser administrado diretamente nas mãos do fiel e apenas sob uma espécie (a hóstia consagrada)” (art.. 1º, inciso XXI). A redação do inciso não é clara, podendo gerar o entendimento de que a ceia protestante, por exemplo, não é permitida. A proibição, nesse caso, é inconstitucional e fere proporcionalidade. Isso porque há outros meios menos gravosos para combinar a adoção de precauções de ordem sanitária e a manutenção de aspectos fundamentais das confissões de fé, como a Santa Ceia. Em alguns lugares, por exemplo, as igrejas estão adotando kits pré-embalados com os elementos da Ceia. Assim, é urgente que o Município dialogue com as lideranças religiosas da cidade para modificar os termos atuais do Decreto de modo que contemple a realidade local e proteja o exercício da liberdade religiosa.

Ademais, o Decreto n. 2.788/2020 também fixou o distanciamento mínimo de 2 metros entre os fiéis. Sobre isso, a Organização Mundial de Saúde (OMS) tem apresentado outro parâmetro: afastamento mínimo de 1 metro entre os presentes[1]. Além de estipular um distanciamento superior ao recomendado pela OMS, restringiu a ocupação dos templos a, no máximo, 50 pessoas, desconsiderando, por exemplo, que templos com diferentes dimensões podem comportar números distintos de fiéis, com a devida observância de distanciamento entre os presentes.

A norma municipal ainda determinou que as cerimônias religiosas tenham, no máximo, 50 minutos de duração. Ocorre que não se apresenta qualquer embasamento para tal, fundamentação esta que é requerida pela Lei n. 13.979/2020, que traz normas gerais relativas à pandemia. Segundo a referida lei, as medidas restritivas adotadas pelas autoridades públicas somente poderão ser determinadas com base em evidências científicas (art. 3º, § 1º).

Resta, portanto, evidenciada a incompatibilidade do Decreto n. 2.788/2020 com o ordenamento jurídico pátrio, especialmente diante das limitações que pretende estabelecer no tocante ao exercício de um direito fundamental assegurado pela Constituição da República.

Ex positis, a ANAJURE se posiciona nos seguintes termos:

  1. Recomenda ao Município de Dourados/MS que altere o Decreto n. 2.788/2020 de modo a:
    a. Adequar a exigência de distanciamento mínimo aos termos recomendados pela OMS (qual seja: afastamento mínimo de 1 metro entre os fiéis);
    b. Revogar o dispositivo que estabelece o número máximo de 50 pessoas durante as atividades religiosas;
    c. Excluir a disposição que limita a duração das cerimônias religiosas a 50 minutos;
    d. Suprimir o inciso que limita a realização da Comunhão ao uso da Hóstia Consagrada.
  2. Recomenda ao Município que dialogue com as organizações religiosas da cidade para estabelecer, em comum acordo, as medidas preventivas que serão adotadas durante a realização das cerimônias religiosas;
  3. Informa que encaminhará às autoridades municipais ofício com as presentes considerações.

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[1] https://www.who.int/publications/i/item/practical-considerations-and-recommendations-for-religious-leaders-and-faith-based-communities-in-the-context-of-covid-19

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