CASO 38 – Apiaí/SP – Liberdade Religiosa

O que aconteceu: Decreto Municipal que regulamenta a retomada das atividades religiosas trouxe algumas diretrizes excessivas.

Onde: Apiaí/SP.

Quando: 09 de setembro de 2020.

Documentos: Decreto n. 154, de 19 de agosto de 2020Decreto 162, de 09 de setembro de 2020.

Parecer da ANAJURE

O Decreto nº 162/2020 do Município de Apiaí, no estado de São Paulo, publicado em 09/09/2020, dispôs sobre a retomada de eventos esportivos de automobilismo e motociclismo na cidade, além de prever várias diretrizes para realização de cultos e atividades religiosas.

No que diz respeito às questões de cunho religioso, extrai-se do referido Decreto, três pontos que impactam a liberdade religiosa. São eles: 1) Proibição da entrada nos templos de pessoas menores de 14 (quatorze) e maiores de 60 (sessenta) anos; 2) Distanciamento mínimo de 1,5m; e 3) Limitação do horário presencial de culto, missa ou outra cerimônia religiosa a 90 (noventa) minutos.

De início, é importante destacar a relevância do direito à liberdade religiosa, que se constitui como um dos elementos basilares do ordenamento jurídico brasileiro e encontra previsão legal no artigo 5º, incisos VI e VIII, da Constituição Federal. Considerando que a fé e o exercício da crença são elementos subjetivos e imprescindíveis à vida do cidadão, tem-se que eventuais limitações devem ser realizadas de forma consistente e ponderada. Todavia, três trechos do Decreto nº 162/2020, do Município de Apiaí/SP, reproduzem vedações equivocadas. Trataremos de cada uma delas, individualmente. Veja-se:

1) Proibição da entrada de menores de 14 (quatorze) e maiores de 60 (sessenta) anos:

Crianças, adolescente e idosos estão impedidos, a teor do aludido Decreto, de frequentar os cultos e cerimônias religiosas. Tal proibição, no entanto, não vem sendo aplicada a outras atividades. O Decreto Municipal n. 154, de 19 de agosto de 2020, regulamentou o funcionamento do comércio, de restaurantes, lanchonetes e bares, de academias e de salões de beleza, fazendo referência aos protocolos sanitários de operação do Plano São Paulo, mas não estabeleceu, nessas hipóteses, a restrição de acesso às crianças e aos idosos. Assim, visualiza-se uma violação à isonomia, visto que a exigência está sendo aplicada apenas ao setor religioso, merecendo modificação. Outra razão para alteração do trecho é que o protocolo setorial do Estado de SP para as atividades religiosas não trouxe a referida vedação de acesso aos idosos e às crianças.

2) Distanciamento mínimo de 1,5m:

O Decreto em comento também previu distanciamento mínimo de 1,5 metro entre os fiéis. Contudo, tal previsão mostra-se desproporcional, havendo documento emitido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), voltado para líderes religiosos e comunidades de fé no contexto da pandemia, com a recomendação de distância mínima entre os fiéis de, pelo menos, 1 metro.

Considerado o princípio da proporcionalidade, que orienta a adoção das medidas menos gravosas possíveis, quando se trata de restrição de direito fundamental, temos que melhor se amoldaria à proteção da liberdade religiosa, sem descuido das medidas de prevenção decorrentes da Covid-19, a adoção do distanciamento proposto pela OMS.

3) Duração das atividades presenciais não poderá exceder 90 (noventa) minutos:

De início, é imprescindível trazer à luz a proibição de que os entes federativos interfiram nos cultos religiosos, conforme o artigo 19, inciso I, da CRFB/1988: “I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”.

Pelo dispositivo legal acima mencionado, que reproduz o princípio da laicidade estatal, tem-se que os entes federativos, no caso em voga, o Município, não podem interferir no exercício da liberdade religiosa através dos cultos. Excepcionalmente, pode ser flexibilizada a realização de cultos, diante de situações de calamidade pública, onde se verifiquem riscos contundentes a segurança, a ordem, a saúde pública, a moral pública ou aos direitos das demais pessoas, conforme o artigo 18, item 3, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e artigo 12, item 3, do Pacto de San José da Costa Rica.

No Decreto nº 162/2020 do Município de Apiaí/SP não houve menção a nenhum argumento plausível, ou justificativa idônea que fundamente a limitação temporal a realização do culto. Enfatize-se que sequer foi feita menção no aludido Decreto de qualquer parâmetro científico que possa justificar essa limitação de cultos a 90 (noventa) minutos.

Novamente cita-se o documento emitido pela Organização Mundial da Saúde, intitulado: “Considerações práticas e recomendações para líderes religiosos e comunidades baseadas na fé no contexto do COVID-19”, que não estabeleceu nenhuma necessidade de se limitar o tempo das cerimônias religiosas.

Merece destaque o fato de que não se encontrou em outros atos normativos do Poder Executivo Municipal de Apiaí/SP a mesma restrição a outros setores, não havendo delimitação de tempo de permanência em restaurantes, bares, academias, dentre outros locais. Fere-se, novamente, a isonomia.

Diante do exposto, a ANAJURE recomendará ao Município de Apiaí, por meio de Ofício, a modificação do Decreto nº 162/2020, de forma que:

  1. Seja suprimida a vedação de entrada de menores de 14 anos e de maiores de 60 anos nas cerimônias religiosas;
  2. Adeque-se a distância mínima entre os fiéis ao recomendado pela OMS, ou seja, 1 metro;
  3. Revogue-se a disposição que impõe prazo máximo de 90 minutos para a realização dos cultos.