OBSERVATÓRIO l CASO 47 – Pernambuco – Liberdade Religiosa e de Culto

O que aconteceu: Decreto Estadual restringiu a realização das atividades religiosas a determinados dias da semana.

Onde: Estado de Pernambuco.

Quando: 1º de março de 2021.

Documentos: Decreto n. 50.346, de 1º de março de 2021.

Parecer da ANAJURE

No dia 02 de março de 2021, o Estado de Pernambuco disponibilizou em seu Diário Oficial o Decreto n. 50.346/2021, que estabelece novas medidas restritivas em relação a atividades sociais e econômicas para fins de combate da pandemia do coronavírus.

O art. 4º do referido Decreto trouxe a seguinte proibição:

Art. 4º Fica vedado, até o dia 17 de março de 2021, inclusive, o exercício de atividades econômicas e sociais:

I – de segunda à sexta-feira, das 20h até as 5h do dia seguinte; e

II – aos sábados e domingos, em qualquer horário.

§1º As restrições previstas no caput não se aplicam às atividades indicadas no Anexo Único.

Vale salientar, inicialmente, que o Anexo Único faz referência, no inciso XXIII, às “atividades de preparação, gravação e transmissão de missas, cultos e demais celebrações religiosas pela internet ou por outros meios de comunicação, realizadas em igrejas, templos ou outros locais apropriados”. Desse modo, tais atividades ficam devidamente excepcionadas da proibição constante no art. 4º. Por outro lado, cerimônias religiosas presenciais têm a sua realização inviabilizada durante qualquer horário do final de semana, momento em que tradicionalmente ocorrem.

Diante disso, importa realçar, inicialmente, as disposições constitucionais que resguardam o funcionamento das instituições religiosas. Nos termos do art. 5º, inciso VI, CRFB/88, “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. Nossa Carta Magna também prevê o princípio da laicidade estatal, consoante art. 19, inciso I: “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”. Mencione-se, ainda, a proteção conferida à liberdade religiosa por diplomas internacionais, como a Declaração Universal de Direitos Humanos (art. 18), o Pacto dos Direitos Civis e Políticos (art. 18) e o Pacto de San José da Costa Rica (art. 12).

Nota-se, portanto, que o nosso ordenamento jurídico confere robusta proteção às manifestações de religiosidade, assegurando a realização de cerimônias religiosas e afastando ingerências estatais. No caso pernambucano, o óbice imposto pelo Decreto estadual diz respeito ao dia de realização das celebrações religiosas. Quanto a isso, é preciso salientar que as confissões religiosas possuem dias específicos em que seus adeptos se reúnem para executar suas cerimônias, motivados por convicções de fé. A Igreja Adventista do Sétimo Dia, reconhecendo a observância do sábado como sinal distintivo de lealdade a Deus, destaca a precedência que as atividades regulares na igreja possuem, nesse dia, perante outras tarefas, admoestando seus fiéis ao ato de congregar-se[1]. No judaísmo, a observância do Shabat confere proeminência ao período compreendido entre o pôr do sol da sexta e do sábado, numa alusão ao descanso divino após o trabalho de criação.  Ainda a título de exemplo, no cristianismo, o domingo é tido como o Dia do Senhor, por decorrência da ressurreição de Cristo, ocorrida nesse dia da semana. Assim, é nesta ocasião em que diversos cristãos de todo o mundo se reúnem para celebrar o acontecimento que alicerça a fé cristã.  Em virtude das razões de crença e consciência envolvidas nas celebrações realizadas em dia específico, não é possível que a prática da cerimônia em momento alternativo se equipare à execução no dia religiosamente designado.

Desse modo, entendemos que o Decreto n. 50.346/2021 extrapola a razoabilidade e fere as disposições constitucionais referentes à liberdade religiosa e à laicidade estatal quando limita a realização dos cultos a determinados dias da semana. Ressalte-se que a liberdade religiosa protege a auto-organização das igrejas e as suas liturgias, não cabendo ao Estado determinar em quais dias as igrejas poderão realizar as suas cerimônias. Para fins de prevenção ao contágio, é possível que as autoridades públicas fixem critérios objetivos, como o distanciamento e a taxa de ocupação nos templos. Em Pernambuco, isso foi feito por meio de protocolo para as cerimônias religiosas[2]. No entanto, uma vez estabelecidos tais critérios, não cabe ao Governo se imiscuir em questões como o dia de realização das cerimônias religiosas, especialmente porque, observadas as medidas de prevenção, não haveria maior risco de contágio em um dia ou em outro.  Para os indivíduos religiosos, porém, a observância de um dia específico da semana para realização dos cultos é essencial, um dever de consciência.

Pelo exposto, a ANAJURE (1) comunica que oficiará o Governo do Estado de Pernambuco, propondo a modificação do Decreto expedido, de modo que fique a cargo das instituições religiosas decidir, conforme seus preceitos de fé, em qual dia se reunirão; (2) recomenda, por fim, prudência e cautela aos líderes evangélicos, de forma que haja, por parte das igrejas, observância das medidas de prevenção à Covid-19 orientadas pelas autoridades, sobretudo, diante do avanço da doença no país e, especialmente, em Pernambuco.

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[1] https://www.adventistas.org/pt/institucional/organizacao/declaracoes-e-documentos-oficiais/observancia-sabado/

[2] https://www.pecontracoronavirus.pe.gov.br/wp-content/uploads/2021/01/protocolo_cerimonias-religiosas.pdf