OBSERVATÓRIO l CASO 46 – Paraíba – Liberdade Religiosa e de Culto

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O que aconteceu: Decreto Estadual suspendeu atividades religiosas presenciais, mas permitiu funcionamento de bares, restaurantes, academias e shoppings.

Onde: Estado da Paraíba.

Quando: 23 de fevereiro de 2021.

Documentos: Decreto n. 41.053, de 23 de fevereiro de 2021.

Parecer da ANAJURE:

No dia 23 de fevereiro de 2021, o Estado da Paraíba trouxe novas restrições voltadas ao enfrentamento da pandemia do coronavírus, sobretudo em razão do aumento dos casos em algumas regiões. Dentre as medidas previstas no Decreto n. 41.053/2021, destacamos a contida no art. 6º, que alcança a atuação das instituições eclesiásticas:

Art. 6º No período compreendido entre 24 de fevereiro a 10 de março de 2021, nos municípios que estejam classificados nas bandeiras vermelha e laranja, de acordo com o Plano Novo Normal, estabelecido pelo Decreto Estadual 40.304/2020 fica suspensa a realização de missas, cultos e quaisquer cerimônias religiosas presenciais.

Parágrafo Único – A vedação tratada no caput não se aplica a atividades de preparação, gravação e transmissão de missas, cultos e quaisquer cerimônias religiosas pela internet ou por outros veículos de comunicação, realizadas em igrejas, templos ou demais locais destacados para este fim, com restrição de presença apenas aos ministros e oficiais religiosos, músicos e o correspondente pessoal de apoio técnico.

A respeito disso, é importante frisar que, embora o contexto pandêmico demande cuidados e medidas preventivas, é necessário que as autoridades públicas observem os ditames constitucionais e evitem a imposição de restrições mais gravosas para um setor em comparação a outros. No caso paraibano, temos um exemplo de fixação de tratamento diferenciado para segmentos distintos. Enquanto as atividades religiosas estão suspensas na modalidade presencial, bares (art. 2º), restaurantes (art. 2º), academias (art. 7º, inciso II) e shoppings (art. 9º) têm permissão para receber pessoas em suas dependências durante a maior parte do dia.

Aqui, vale salientar as disposições constitucionais que resguardam o funcionamento das instituições religiosas. Nos termos do art. 5º, inciso VI, CRFB/88, “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. Nossa Carta Magna também prevê o princípio da laicidade estatal, consoante art. 19, inciso I: “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”. Mencione-se, ainda, a proteção conferida à liberdade religiosa por diplomas internacionais, como a Declaração Universal de Direitos Humanos (art. 18), o Pacto dos Direitos Civis e Políticos (art. 18) e o Pacto de San José da Costa Rica (art. 12).

Nota-se, portanto, que o nosso ordenamento jurídico confere robusta proteção às manifestações de religiosidade, assegurando a realização de cerimônias religiosas e afastando ingerências estatais. Como desdobramento dessa tutela, temos, como regra, a impossibilidade de fixação de obstáculos à realização das atividades eclesiásticas. Em circunstâncias excepcionais, como as enfrentadas em razão da pandemia, é possível que algumas limitações sejam aplicadas, sendo imprescindível, todavia, a observância de alguns critérios.

Nesse sentido, ressaltamos a necessidade de que se confira tratamento igualitário, de modo que não haja maior restrição às atividades religiosas. No caso em comento, vemos prejuízo ao referido critério quando constatamos que locais como bares e restaurantes – onde em parte considerável do tempo de permanência as pessoas sequer usam máscaras – têm a possibilidade de manter seu funcionamento presencial e as igrejas não recebem a mesma autorização.

Ademais, vale mencionar o critério da proporcionalidade, do qual se decorre a noção de que, em hipóteses de restrição aos direitos fundamentais, deve ser adotada a medida menos gravosa possível. Se o Governo Estadual entende que há a possibilidade manter o funcionamento de bares, restaurantes, academias e shoppings, adotando-se apenas medidas preventivas, como o uso de máscara, manutenção de distanciamento social, dentre outras, é imprescindível que se permita, também, a realização das atividades religiosas no formato presencial, respeitados os cuidados orientados aos demais setores que sejam aplicáveis.

Pelo exposto, a ANAJURE comunica que oficiará o Governo do Estado da Paraíba, propondo a modificação do Decreto expedido, de modo que haja a revogação do dispositivo que suspende as atividades religiosas presenciais.