ANAJURE emite Nota Pública referente a Súmula do Conselho Federal da OAB sobre violência contra pessoas LGBTQI+

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O Conselho Diretivo Nacional da Associação Nacional de Juristas Evangélicos – ANAJURE vem, através do presente expediente, apresentar sua posição sobre súmula editada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que estabelece a impossibilidade de inscrição, nos quadros da Ordem, de bacharel em Direito envolvido em circunstância de violência contra as pessoas LGBTQI+.  

Na última segunda-feira (10/06), o Conselho Pleno da OAB[1] decidiu, em Sessão Ordinária, editar a Súmula n. 11/2019, nos seguintes termos:

Súmula 11/2019. INIDONEIDADE MORAL. VIOLÊNCIA CONTRA PESSOA LGBTI+. ANÁLISE DO CONSELHO SECCIONAL DA OAB. Requisitos para a inscrição nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil. Inidoneidade moral. A prática de violência contra pessoas LGBTI+, em razão da Orientação Sexual, Identidade de Gênero e Expressão de Gênero, constitui fator apto a demonstrar a ausência de idoneidade moral para inscrição de bacharel em Direito nos quadros da OAB, independente da instância criminal, assegurado ao Conselho Seccional a análise do cada caso concreto[2].

Cabe salientar, nesse ponto, que a idoneidade moral é requisito exigido pelo Estatuto da OAB (Lei n. 8.906/1994 – EAOAB) para que o bacharel em Direito se inscreva nos quadros da Ordem[3]. Averiguada a inaptidão nesse aspecto, impede-se o exercício da advocacia.

O esforço da OAB voltado ao combate à violência é louvável. Sob tal norte, o Conselho Pleno editou súmulas de teor semelhante, estabelecendo sanção contra agressores de mulheres, crianças, adolescentes, idosos e pessoas com deficiência física ou mental (Súmulas n. 9 e 10/2019). A ANAJURE, defensora das liberdades civis fundamentais, alinha-se ao combate de toda forma de violência e discriminação, mas destaca a necessidade de se estabelecer parâmetros e garantias quanto à apreciação das condutas que podem ser enquadrados como violência, para efeitos de declaração de inidoneidade moral de um indivíduo.

Nesse sentido, a súmula em comento, ao repudiar a violência contra pessoas LGBTQI+, estabelece a desnecessidade de se submeter o caso à instância criminal para que se proíba a inscrição do bacharel nos quadros da OAB (“…independente da instância criminal, assegurado ao Conselho Seccional a análise do cada caso concreto.”).

Entendemos que essa previsão pode dar azo a privações do exercício profissional baseadas em denúncias infundadas, que podem, inclusive, não terem sido sequer apreciadas pela autoridade policial, delegando-se o “julgamento” da conduta para o âmbito administrativo de cada seccional. Essa situação pode acarretar um grave prejuízo ao bacharel que busca exercer um direito constitucionalmente assegurado (Art. 5º, XIII, CF/88[4]), mas que, sem um devido processo legal, tenha o registro na OAB negado em virtude de declaração de inidoneidade moral por uma seccional da Ordem, frise-se, sem instauração de um inquérito policial, tampouco manifestação judicial.

Dada a gravidade do motivo ensejador da declaração de inidoneidade moral, a saber, o cometimento de violência, entendemos que a conduta deve ser, sim, submetida ao crivo da justiça criminal, dado o rigor e segurança jurídica de um processo penal, quando comparado à apuração realizada em âmbito administrativo, em cumprimento aos princípios da legalidade e da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, II e XXV, CF/88[5]).

Sobre a matéria em apreço, há, inclusive, julgados dos tribunais brasileiros fixando a interpretação que exige a existência de condenação por crime infamante para que se configure a ausência de idoneidade moral, seguindo o disposto no EAOAB[6]. Vejamos:

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. INSCRIÇÃO NO QUADRO DA OAB. INDEFERIMENTO. ACÓRDÃO BASEADO EM FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS E INFRACONSTITUCIONAIS. AUSÊNCIA DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SÚMULA 126/STJ.

1. Discute-se nos autos o indeferimento da inscrição no quadro de advogados da OAB/PE de candidato que está respondendo a processos criminais.

2. Hipótese em que o TRF da 5ª Região analisou a questão sob enfoque constitucional e infraconstitucional, segundo o qual fere o princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da Constituição Federal) o indeferimento da inscrição de candidato que está respondendo a processos criminais, já que o art. 8º, inciso VI, § 4º, do Estatuto da OAB exige a condenação por crime infamante, ou seja, exige a presença de decisão transitada em julgado.

3. Fundamento constitucional não atacado pela via do recurso extraordinário. Incidência da Súmula 126/STJ.

Agravo regimental improvido.

(STJ, AgRg no REsp 1.288.479/PE, rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, Segunda Turma, j. 07/02/2012, DJe 13/02/2012)

 

ADMINISTRATIVO. INSCRIÇÃO NOS QUADROS DA OAB/SP. INIDONEIDADE MORAL. ART. 8º DA LEI Nº 8.906/94. PROCESSO CRIMINAL. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. APLICAÇÃO. REMESSA OFICIAL DESPROVIDA. – De acordo com o artigo 8º da Lei nº 8.906/94, para que seja deferida a inscrição como advogado, é necessária a comprovação de idoneidade moral, requisito que não é atendido por quem tiver sido condenado por crime infamante. In casu, a documentação acostada aos autos comprova que foi ajuizada em 31/08/2001 ação civil de improbidade administrativa em face do impetrante, bem como instaurada ação criminal, ainda em trâmite. Assim, restou evidente que a decisão administrativa extrapolou o comando legal, dado que não observou o requisito estampado no § 4º do artigo 8º da Lei n.º 8.906/94, que exige condenação criminal definitiva – Remessa oficial desprovida.

(TRF-3 – ReeNec: 00109649520024036100 SP, Relator: JUIZ CONVOCADO FERREIRA DA ROCHA, Data de Julgamento: 07/02/2019, QUARTA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:27/02/2019)

 

AÇÃO ORDINÁRIA. OAB. INSCRIÇÃO NO QUADRO DE ADVOGADOS. NÃO DEFERIMENTO. INIDONEIDADE MORAL. NÃO OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS. DANO MORAL. DANO MATERIAL NÃO COMPROVADO. (…) A inscrição do requerente nos quadros da OAB foi indeferida por ter a 2ª Câmara do Conselho Seccional em São Paulo entendido que ele não possuía o requisito da idoneidade moral (fl. 444). 2. Na forma do § 3º do art. 8º da Lei nº 8.906/94, a declaração de idoneidade moral depende de decisão por parte de, no mínimo, 2/3 dos votos de todos os membros do conselho permanente, o que, de fato, não restou observado. Consoante disposto no § 4º deste mesmo artigo, é necessário que haja condenação por crime infamante para considerar-se que o candidato à inscrição no quadro de advogados não atende ao requisito da idoneidade moral. Observa-se, pelos documentos acostados aos autos às fls. 71/184, que a denúncia contra o autor existente foi rejeitada pelo juízo da 7ª Vara Criminal da comarca de São Paulo, sendo certo, portanto, que sobre o requerente não paira qualquer condenação por crime infamante. 3. Após o deferimento do recurso do requerente pelo Conselho Federal da OAB, os autos retornaram ao Conselho Seccional que, de acordo com o que restara determinado, instaurou incidente para fins de apuração da idoneidade moral, garantindo-se ao autor o direito à ampla defesa (fl. 170). 4. Ao final, restou determinado, pelo Conselho Seccional da OAB, o prosseguimento do processo de inscrição, tendo sido esta finalmente deferida e o autor prestado o compromisso em junho de 2001 (fls. 1214/1216). 5. O autor requereu a sua inscrição no quadro de advogados da OAB em julho de 1998 (fl. 902), tendo-se passado três anos até o seu deferimento, período durante o qual o requerente se viu privado, devido ao não cumprimento, pelo Conselho Seccional da OAB, do disposto no art. 8º e parágrafos da Lei nº 8.906/94, do exercício da advocacia. 6. Ademais, o indeferimento da inscrição devido à atribuição, ao autor, da prática de conduta que, supostamente, revelaria a ausência de idoneidade moral para ingressar no quadro de advogados (fl. 452), acabou por afetar-lhe a reputação, a honra subjetiva, o que é suficiente para gerar o dano moral, e, portanto, o dever de indenizá-lo. 7. É certo que a decisão acerca da idoneidade ou não daqueles que requerem a inscrição no quadro de advogados da OAB encontra-se dentro da esfera da discricionariedade deste órgão, desde, no entanto, que tal decisão se paute dentro dos limites da legalidade, o que não ocorreu no presente caso, uma vez que não foram observadas as normas dos §§ 3º e 4º do art. 8º da Lei nº 8.906/94. (…)

(TRF-3 – AC: 32967 SP 2003.61.00.032967-0, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MARCONDES, Data de Julgamento: 19/08/2010, TERCEIRA TURMA)

Os julgados acima expostos demonstram, portanto, a necessidade de prudência na negativa de inscrição nos quadros da OAB, pois a insegurança jurídica derivada da previsão sumular pode privar o indivíduo do exercício de sua profissão e ensejar, inclusive, danos morais. Nesse sentido, destacamos, em especial, o último julgado colacionado, pois apresenta circunstância pertinente à presente discussão: após o curso de processo criminal, houve a rejeição da denúncia pelo Judiciário, o que demonstra o que temos defendido, isto é, a necessidade de um posicionamento conclusivo do caso concreto pelo Estado-juiz, no âmbito penal, para que os fatos sejam apurados com o devido rigor e segurança jurídica, rejeitando-se qualquer injusta limitação de direitos na busca pela inscrição de registro funcional.

Ante o exposto, a ANAJURE rechaça qualquer conduta violenta, principalmente quando exercidas por bacharéis em Direito, dos quais se espera zelo na sujeição aos ditames legais protetores da dignidade da pessoa humana. Entretanto, entende que a negativa de inscrição nos quadros da OAB deve estar sujeita a crivo cauteloso, e, portanto, tendo em vista a redação atual da Súmula 11/2019, que prescinde da jurisdição penal, e acarreta potencial insegurança jurídica provocada por decisões díspares em cada seccional, a ANAJURE posiciona-se contrariamente à Súmula 11/2019 do Conselho Pleno da OAB, recomendando a sua alteração quanto à imprescindibilidade da análise prévia e exaustiva da jurisdição penal, antes da rejeição da inscrição do bacharel em Direito nos quadros da Ordem, com fundamento na ausência de idoneidade moral por violência contra pessoas LGBTI+ em razão da orientação sexual, identidade de gênero e expressão de gênero.

Brasília, 14 de junho de 2019.

Dr. Uziel Santana

Presidente do CDN da ANAJURE


[1] https://www.oab.org.br/noticia/57279/conselho-pleno-decide-que-agressores-de-pessoas-lgbti-nao-poderao-integrar-quadros-da-oab

[2] Diário Eletrônico. Ordem dos Advogados do Brasil. Ano I, N.º 114, 12 de junho de 2019, p. 1. https://deoab.oab.org.br/pages/materia/71033

[3] Lei 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil): Art. 8º Para inscrição como advogado é necessário: (…) VI – idoneidade moral;

[4] Art. 5º (…) XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.

[5] Art. 5º (…) II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

[6] Art. 8º (…) § 4º Não atende ao requisito da idoneidade moral aquele que tiver sido condenado por crime infamante, salvo reabilitação judicial.

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