O Conselho Diretivo Nacional da Associação Nacional de Juristas Evangélicos – ANAJURE – no uso das suas atribuições estatutárias e regimentais, vem, através do presente expediente, expor aos órgãos e entidades públicas e à sociedade brasileira o seu posicionamento sobre as mudanças propostas no parecer apresentado pelo Senador Tasso Jereissati, Relator da PEC n. 6/2019, no tocante à reforma da previdência.
I – DA SÍNTESE DOS FATOS
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n. 6/2019 foi apresentada pelo Presidente da República, com a finalidade de modificar o sistema de previdência social e estabelecer regras de transição e disposições transitórias.
A discussão a respeito da reforma da previdência ganha proeminência em vista do cenário de transição demográfica pelo qual o Brasil passa, com mudança nos arranjos sociais e familiares. Tais situações promovem o aumento da expectativa de vida e o crescimento da população idosa, em contraponto a uma queda da taxa média de fecundidade, o que significa progressivamente uma diminuição da receita e um aumento na duração dos benefícios (despesas).
Nesse contexto, as estatísticas apontam para uma necessidade premente de reforma no modelo previdenciário atualmente em vigor. Segundo o Ministério da Economia, os valores pagos em aposentadorias, pensões e benefícios, em 2019, no Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) da União estão com um déficit de R$ 290 bilhões.
Sob tais circunstâncias é que a proposta presidencial tem avançado no processo legislativo. Após apreciação da Câmara dos Deputados, a PEC foi aprovada em segundo turno, pela referida casa, no dia 7 de agosto.
Encaminhada ao Senado Federal, a proposta passará pela análise da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). No âmbito da referida Comissão, o Senador Tasso Jereissati (PSDB/CE) elaborou parecer sobre a matéria, o qual será lido nesta quarta (28/08). Na próxima quarta-feira (04/07), segundo a presidente da CCJ, Senadora Simone Tebet (MDB-MS), haverá período para discussão e votação da proposta, que, posteriormente, será enviada ao presidente do Senado, a quem caberá incluir a matéria na pauta do Plenário[1].
O parecer do Senador Tasso Jereissati propôs a supressão de alguns dispositivos, tidos por equivocados, da PEC n. 6/2019 e a apresentação de uma PEC paralela, com a finalidade de que essa possa incluir Estados, DF e Municípios na Reforma da Previdência e traga outras alterações. O propósito do relator é garantir a promulgação célere da reforma, uma vez que o texto recebido da Câmara dos Deputados ao sofrer supressões que não alteram seu sentido não precisa retornar a essa casa. Assim, matérias que demandariam novas discussões na Câmara seriam tratadas em apartado, por meio da PEC paralela.
Dentre as supressões propostas, há medidas que produzem impactos financeiros, como é o caso da rejeição da constitucionalização do critério previsto em lei para o recebimento do Benefício de Prestação Continuada (BPC)[2], e da retirada de parágrafo que eleva o número de pontos necessários à aposentadoria de trabalhadores que atuam em condições especiais prejudiciais à saúde.
Em virtude dessas modificações que reverberam na economia, o Relator propôs algumas medidas compensatórias, que, segundo Tasso Jereissati, atingem benefícios de grupos econômicos que podem arcar com as contribuições. É nesse contexto que o senador menciona as entidades filantrópicas, as quais, segundo ele, oferecem pouca contrapartida à sociedade, especialmente no setor de educação. No parecer, propõe, portanto, a “cobrança gradual de contribuições previdenciárias das entidades educacionais ou de saúde com capacidade financeira enquadradas como filantrópicas, sem afetar as Santas Casas e as entidades de assistência”. A modificação foi incluída na minuta da PEC paralela.
Após a exposição acima, pretendemos passar à análise da mudança proposta pelo Relator da PEC na CCJ no que diz respeito às entidades filantrópicas.
II – DA POSIÇÃO INSTITUCIONAL DA ANAJURE
Nos moldes da PEC paralela proposta pelo Senador Tasso Jereissati, a Constituição Federal passaria a vigorar sob os seguintes termos:
Art. 195. (…) § 7º Não são devidas contribuições para a seguridade social por entidades beneficentes certificadas pela União que prestem, na forma da lei complementar, serviços nas áreas da assistência social e saúde sem exigência de contraprestação do usuário.
A pretensão incutida na proposta é a de restringir o campo de imunidade tributária que alcança as entidades filantrópicas, limitando tal medida apenas as que prestem serviços nas áreas da assistência social e saúde sem exigência de contraprestação do usuário, excluindo, portanto, as entidades educacionais, ou mesmo vinculadas à saúde, que não se encaixem nessa exigência.
Em 2017, o Supremo Tribunal Federal havia firmado entendimento, na ADI n. 2028 e conexas, de que as entidades beneficentes de assistência social, incluindo as que prestam serviços na saúde e na educação, caso das instituições filantrópicas, podem usufruir da imunidade tributária referente às contribuições previdenciárias, desde que atendidos requisitos previstos em Lei Complementar[3].
Na contramão, a PEC paralela propõe a instituição gradual de contribuições previdenciárias incidentes sobre instituições filantrópicas e causará grandes impactos não somente nas atividades dessas entidades, mas também em toda a população, que é diretamente beneficiada pela atuação dos grupos de filantropia.
Em que pese a afirmação do Relator, em seu parecer, no sentido de que o serviço prestado pelas entidades filantrópicas seria socialmente irrelevante, há estatísticas que evidenciam os efeitos positivos das ações postas em prática por essas instituições.
A exemplo disso, citamos informação apresentada pelo Fórum Nacional das Instituições Filantrópicas (FONIF), com base em dados governamentais, que indicam o retorno médio para a sociedade de R$ 5,92 a cada R$ 1,00 de renúncia de arrecadação do governo para instituições filantrópicas através do CEBAS. O FONIF informa que 31,9% dos alunos matriculados em instituições filantrópicas do ensino superior são bolsistas. As instituições filantrópicas ainda são responsáveis por 62,7% das vagas privadas ofertadas em assistência social e de forma totalmente gratuita[4]. Na saúde, 40% dos serviços do SUS são ofertados por estabelecimentos filantrópicos, havendo 1.731 municípios brasileiros com instituições dessa espécie. Desses municípios, 55,9% têm apenas esse tipo de hospital. Ressalte-se, ainda, que 58,95% de todas as internações de alta complexidade no SUS são realizadas por hospitais filantrópicos: 69,35% de rádio e quimioterapias e 58,14% de transplantes de órgãos e tecidos[5].
O impacto para a sociedade é, portanto, notório. Mas há que se destacar, também, que o trabalho das instituições filantrópicas, em especial as de ensino superior, produzem efeitos positivos no tocante à previdência, visto que a contribuição previdenciária mensal do empregado com ensino médio completo equivale a R$ 563,84 e a do empregado com ensino superior completo corresponde a R$ 1.768,43[6]. Ou seja, dificultar a atuação dessas entidades por meio da exclusão de sua imunidade constitucional, na tentativa de compensar gastos previdenciários, importa, na verdade, em prejuízos para a arrecadação da própria previdência, uma vez que, com menos recursos, essas instituições de ensino terão condições mais parcas de investir na formação de novos profissionais com ensino superior, os quais contribuem com valores mais significativos.
Diante das informações trazidas, entendemos que, embora haja a necessidade de se equilibrar as contas públicas, principalmente no tocante à previdência, é preciso agir de forma prudente. Na situação específica das instituições filantrópicas é preciso verificar mais do que a possibilidade de compensar outros gastos públicos através da extinção de sua imunidade, sendo imprescindível, também, aferir os efeitos produzidos por tal ato, pois não é razoável buscar solucionar um problema – o déficit previdenciário – gerando outro – a obstrução do acesso da população a serviços básicos prestados, muitas vezes, unicamente por entidades filantrópicas.
III – DA CONCLUSÃO
Pelo exposto, a ANAJURE se posiciona contrariamente ao dispositivo proposto para compor PEC Paralela que retira a imunidade constitucional das entidades filantrópicas no tocante à contribuição previdenciária, uma vez que tais instituições prestam serviços de alta relevância e que limitá-las significa prejudicar diretamente a sociedade brasileira.
Brasília, 28 de agosto de 2019.
Uziel Santana
Presidente do Conselho Diretivo Nacional
Associação Nacional de Juristas Evangélicos (ANAJURE)
[1] https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/08/27/relatorio-da-previdencia-sera-lido-na-ccj-nesta-quarta-feira-segundo-simone-tebet
[2] A Lei n. 8.742/1993 define critério de incapacidade de provisão da própria subsistência a aferição de renda mensal per capita inferior a ¼ do salário mínimo (art. 20, § 3º).
[3] http://fonif.org.br/noticias/stf-reconhece-que-a-regulamentacao-das-imunidades-tributaria-das-instituicoes-filantropicas-cabe-apenas-a-lei-complementar/
[4] Os dados acima expostos foram apresentados pelo Presidente do FONIF em audiência Pública na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado Federal, no dia 05/04/2018, e podem ser acessados através do seguinte link: http://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento/download/a7a8c461-5825-4de0-b743-b219e7e383fe.
[5] https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2018/04/05/isencoes-fiscais-para-filantropicas-geram-retorno-social-e-economico-afirmam-debatedores
[6] http://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento/download/a7a8c461-5825-4de0-b743-b219e7e383fe.