Caso 23 – Brasil – Privacidade

O que aconteceu: Foi editada Medida Provisória 954/2020, referente ao compartilhamento de dados a ser feito por empresas de telecomunicações para o IBGE. Apreciando a Medida, em sede de cautelar, o STF decidiu suspendê-la, por visualizar riscos ao direito à privacidade.

Onde: Brasil.

Quando: 17/04/2020.

Documentos: Medida Provisória n. 954, de 17 de abril de 2020 e Decisão do STF

Parecer da ANAJURE: A Medida Provisória no 954, de 17 de abril de 2020, dispôs sobre o compartilhamento de dados por empresas de telecomunicações prestadoras de Serviço Telefônico Fixo e Móvel com o IBGE, para fins de suporte à produção estatística oficial durante a situação de emergência de saúde pública decorrente do coronavírus (COVID-19).

A MP n. 954/2020 estabeleceu que ato do Presidente da Fundação IBGE disporia sobre o procedimento para a disponibilização de dados pelas empresas de telecomunicação à entidade pública. Assim, a Instrução Normativa n. 2, de 17 de abril de 2020, do IBGE, intentou versar sobre a temática.

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – CFOAB questionou o inteiro teor da medida provisória através da propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade. No bojo da ADI 6.387, a parte autora requereu o deferimento de medida cautelar para suspender a MP n. 954/2020. O pedido foi concedido pela Ministra Relatora Rosa Weber, no dia 24 de abril deste ano. Em 07 de maio, o STF, por maioria, referendou a cautelar.

A MP sob análise busca disponibilizar, ao IBGE, a relação dos nomes, dos números de telefone e dos endereços dos consumidores das companhias telefônicas (art. 2º). Como justificativa, apresenta o objetivo de realizar entrevistas em caráter não presencial no âmbito de pesquisas domiciliares (art. 2º, § 1º).

A Medida traz algumas limitações relativas ao compartilhamento, dispondo que os dados terão caráter sigiloso; serão utilizados apenas para os fins mencionados no parágrafo acima; não serão utilizados como objeto de certidão ou meio de prova em processo administrativo, fiscal ou judicial; não poderão ser disponibilizados para empresas públicas ou privadas ou a órgãos ou entidades da administração pública. Ademais, fala-se sobre a divulgação de um relatório de impacto à proteção de dados pessoais.

Em termos de limites temporais, a MP 954/2020 fixa que os dados colhidos serão descartados após a situação de emergência em saúde pública, podendo haver manutenção, por 30 dias, apenas em caso de necessidade de conclusão de produção estatística oficial.

Na decisão proferida, a Ministra Rosa Weber destacou que a manipulação de dados pessoais é um dos maiores desafios contemporâneos do direito à privacidade. Em relação à MP, afirmou que o texto proposto falhou em delimitar o objeto da estatística a ser produzida, não demonstrando a finalidade específica para a qual as informações colhidas seriam utilizadas. Weber asseverou que “a privacidade somente pode ceder diante de justificativa consistente e legítima”, não havendo, na MP, esclarecimento sobre a necessidade de disponibilização dos dados.

Além disso, a Ministra entendeu que a MP não apresentou a metodologia a ser utilizada para proteger os dados de acessos não autorizados, vazamentos acidentais ou utilização indevida, seja na transmissão, seja no seu tratamento.

Em Nota Pública anterior[1], disponibilizamos algumas recomendações relativas à utilização de dados e à proteção da privacidade. Dentre elas, mencionamos (i) a proporcionalidade, demonstrando que o uso de dados dos cidadãos deve ser proporcional à necessidade existente; (ii) a transparência, explicando que a metodologia de coleta e tratamento de dados deve ser divulgada; e (iii) a finalidade do uso, que deve ser apresentada de forma clara e específica nos casos de compartilhamento de dados.

A Lei Geral de Proteção de Dados (Lei n. 13.709), embora ainda não esteja em vigor, destaca a necessidade de que as atividades de tratamento de dados pessoais observem elementos como: (i) a adequação e a necessidade, devendo existir correspondência entre os dados utilizados, o contexto e as finalidades perseguidas (art. 6º, II e III); (ii) a transparência, por meio da qual se garante aos titulares de dados o tratamento adequado das informações (art. 6º, VI); e (iii) a finalidade, que deve ser específica e explícita (art. 6º, I).

Depreendemos, portanto, que a Medida Provisória n. 954/2020 carece de maior detalhamento quanto à necessidade do uso dos dados que pretende compartilhar, bem como no tocante à finalidade específica que justificaria o manuseio das informações, visto que apenas menciona, genericamente, o objetivo de realização de entrevistas. Em termos de transparência, deve ser mais acurada em relação à metodologia de coleta, tratamento e descarte dos dados, para evitar vazamentos e utilizações indevidas.

Desse modo, entendemos que, no presente caso, a proteção ao direito à privacidade exige (i) a modificação do texto da Medida Provisória, demonstrando-se acertada a decisão do STF pela suspensão cautelar; e (ii) a observância dos princípios que regulam o uso e compartilhamento de dados, como a legalidade, proporcionalidade, transparência, consentimento, delimitação da finalidade, não-identificação e temporariedade.

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[1] https://anajure.org.br/nota-sobre-a-utilizacao-de-dados-de-geolocalizacao-como-medida-de-combate-a-pandemia-do-coronavirus/

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